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Renault Zoe: andamos em Noronha com o carro elétrico mais barato do Brasil

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João Anacleto

Colaboração para o UOL, em Fernando de Noronha (PE)*

15/06/2019 07h00

Com 300 km de autonomia, o Renault Zoe faz parte da estratégia do arquipélago de Fernando de Noronha para banir carros a combustão até 2030. E causa polêmica entre os moradores.

Não haveria cenário melhor para levantar a bandeira da ecologia. O arquipélago pernambucano de Fernando de Noronha foi o palco de uma ousada estratégia da Renault que pegou carona em um decreto-lei para promover a sua estratégia de, em suma, vender carros elétricos no Brasil.

A publicação do decreto 003/2019 no diário oficial da União, no último dia 10 de junho, propõe que a partir de 2022 nenhum habitante da ilha poderá comprar carros a combustão e que, a partir de 2030, nenhum veículo movido a gasolina poderá rodar pela BR-363 e as vielas adjacentes do arquipélago.

Isto posto, a Renault cedeu seis veículos elétricos para a administração do arquipélago, sendo três Zoe (R$ 149.990), dois Twizy (82.990) e um Kangoo EV de 5 lugares (134.900), todos em regime de comodato pelos próximos dois anos. O distrito pernambucano ficou a cargo de equipar a região com pontos de abastecimento.

Para tanto foram instaladas quatro estações de recarga, com 7,7 kWh de potência que, por ora, serão usadas apenas por estes seis veículos. A instalação ficou a cargo da Electric Mobility, a mesma que, em parceria com a BMW, inaugurou o corredor elétrico da Via Dutra, entre São Paulo e Rio de Janeiro.

E foi um destes Zoe que nos serviu para a nossa avaliação. Ele que é o carro elétrico mais barato à venda no Brasil, o preço de R$ 149.990. O Renault sai mais em conta que o Chevrolet Bolt, que começa a ser vendido no segundo semestre por R$ 175.000, e o Nissan Leaf, que sai por R$ 178.400.

Renault Zoe em Noronha - João Anacleto/Colaboração para o UOL - João Anacleto/Colaboração para o UOL
Imagem: João Anacleto/Colaboração para o UOL
A vida a bordo do Zoe

Ao saber do preço e ver o carro ao vivo, a sensação é de desconfiança. O consumidor acostumado a pensar em R$ 150.000 e ver um SUV médio por baixo da etiqueta vai demorar a se convencer em desembolsar tal valor por um carro com 4,08 de comprimento e silhueta de hatch compacto.

Como comparação, um Renault Sandero - que parte de R$ 45.990 - tem 4,06 m de comprimento. Nem o desenho afilado dos faróis dianteiros iluminados por LED, as lanternas cristalizadas ou as maçanetas das portas traseiras, escondidas na coluna C são capazes de justificar, à primeira vista, seu preço.

Porta adentro, a sensação permanece. Bancos parcialmente revestidos com couro são o seu maior luxo, não há regulagens elétricas. Nas portas, os comandos de vidros e retrovisores elétricos são feitos do mesmo material do hatch mais barato da marca no Brasil. O volante muda, mas caso um entendedor entre de olhos fechados saberá que se trata de um Renault.

No painel, um cluster digital, sem muitas firulas, dá informações como velocidade, carga da bateria, quilometragem e autonomia. Sua central multimídia, chamada de R-Link, traz a intuitividade da que equipa os carros a combustão, mas traz computador de bordo e um sistema de monitoramento de consumo de energia. Seu espaço traseiro é apenas razoável e, diga-se, menor que o do Sandero, contudo o porta-malas chega a 388 litros, o maior já visto em um hatch compacto.

O motor do Zoe, que circula no Brasil desde 2013 e é vendido apenas em São Paulo e Curitiba, é o R90 que consegue gerar até 92 cv de potência e 22,4 mkgf de torque, instantaneamente. A transmissão tem apenas comandos para frente e para trás, sem marchas propriamente ditas. O conjunto de baterias tem capacidade de 41kWh e dá até 300 km de autonomia para o compacto. No caso de Fernando de Noronha, seu abastecimento completo nas estações de 7,7 kWh a 220V se dá em torno de 7 horas. Em postos com tomada trifásica de 22 kWh chega-se a 100% da bateria em 2 horas.

Nos poucos mais de 20 km de teste na única rodovia asfaltada da ilha, pode-se comprovar as diferenças entre ele e os outros veículos presentes distrito pernambucano, predominantemente de buggies e picapes com tração nas quatro rodas e motor a diesel. Em especial pelo ruído. O silêncio do caro elétrico permite com que você perceba a chegada de outro carro quando ele, ainda não está tão perto. Outra boa sensação é a do torque imediato, que permite ir de 0 a 50 km/h em menos de 5 segundos. O 0 a 100 km/h é cumprido em 13,2 s.

Sua suspensão, com conjunto McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira, parece bem adaptada a buracos e valetas. Ele também vai bem em curvas fechadas e atinge uma inclinação plenamente aceitável, em carros semelhantes, mesmo pesando quase 40% a mais. Com 1392 kg, ele é 381 kg mais pesado que um Sandero 1.0. Mas, na prática conviver com ele é como qualquer conviver com qualquer outro carro. A direção se mostra um pouco mais ágil do que você encontra em um Sandero, e esta é a principal diferença e comportamento entre eles, além de, claro, como o motor entrega a potência para as rodas dianteiras.

Polêmica entre os moradores

>No contato de pouco mais de uma hora com o carro, fomos saber como o habitante da ilha reagia ao carro e ao decreto-lei recém-publicado. Entre taxistas, guias e motociclistas, a opinião de que o carro não suportaria "o tranco" que as ruas do distrito oferecem era quase unânime. À exceção da BR-363 e seu 7 km de extensão, todas as outras vias da ilha são de terra, barro ou compostas por pedregulhos enterrados no chão, de um estilo semelhante a paralelepípedos. A topografia heterogênea das ruas também preocupa. Poucos acreditam que o Zoe "daquele tamanhinho" suporte subir as ladeiras do centro histórico como fazem os buggies, picapes e motocicletas com boa dose de esforço e paciência.

A segunda controvérsia fica por conta da geração de energia para a população noronhense. Ainda que o abastecimento com energia parecer algo sustentável, tanto quanto a emissão de CO2, quanto para o bolso dos motoristas que chegam a pagar R$ 7,28 pelo litro da gasolina, toda a rede elétrica da ilha é abastecida por geradores movidos a diesel. Segundo o administrador do arquipélago, Guilherme Rocha, "não há cidade alguma em Pernambuco que consiga extrair 15% de sua energia com captação solar, como Fernando Noronha. A partir de agora temos 11 anos para livrar nosso paraíso da emissão de CO2. É um desafio que eu, e os outros administradores que virão teremos de cumprir. É lei".

Vale lembrar que o administrador não é eleito, e sim designado em cargo comissionado pelo governador do estado, que hoje é Paulo Câmara (PSB). Como curiosidade, ele não precisa nem ser morador permanente da ilha, título conferido àqueles que fixam moradia e estão em dia com as taxas nos últimos 10 anos. Guilherme Rocha possui residência no distrito, em uma casa próxima à praia de Sueste, mas não detém o título de morador permanente.

"Parece que o administrador (Guilherme Rocha) a cada dia faz mais força para que os pobres saiam da ilha e fiquem só os ricos. Como um trabalhador daqui vai conseguir comprar um carro de R$ 150 mil? O custo de vida aqui é alto demais, não tem como, por exemplo, um taxista entrar nessa", explicou um dos guias turísticos, que não quis se identificar.

Como pequeno alívio ao aparente descontentamento de boa parte dos habitantes à chegada do decreto-lei e da iniciativa da administração com os carros elétricos, a Renault projetou um plano de incentivo à compra do Zoe. A taxa de financiamento que normalmente é de 1,63% ao mês, cai para 0,37% para os compradores de Fernando de Noronha, em um plano com 20% de entrada e saldo em 36 meses. Quanto à infraestrutura de rodagem, não há nenhuma informação sobre melhorias nas vias de Fernando de Noronha.

* O repórter viajou a convite da Renault

Errata: este conteúdo foi atualizado
Os carros a combustão serão banidos a partir de 2030, e não os elétricos