País de extremos, Brasil é líder em biodiversidade e desmatamento
O Brasil é apontado por diversos estudos como o país com maior biodiversidade do mundo, por ter em seu território biomas ricos em espécies animais e vegetais como a Amazônia, a Mata Atlântica, o Cerrado e o Pantanal. O Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil (CTFB) aponta 116 mil espécies, o que representa 9% da fauna mundial. Mas esse tesouro nacional está ameaçado por outro ranking que o país lidera: o do desmatamento.
"Países como Indonésia e Peru, que derrubaram muita floresta em anos recentes, agora estão com esse índice em queda. Mas no Brasil é o contrário. Depois de diminuir o desmatamento de 2005 a 2015, agora há uma tendência de crescimento contínuo", apontou o engenheiro florestal Tasso de Azevedo, do projeto MapBiomas, que coordenou um estudo sobre o impacto da pandemia nas emissões de gases do efeito estufa - incluindo a influência na Amazônia e no Cerrado.
Segundo a plataforma Global Forest Watch, o Brasil liderou o desmatamento de florestas primárias no mundo em 2018.
Hoje, 22 de maio, se comemora o Dia Mundial da Biodiversidade. Há o que comemorar, como a descoberta de novas espécies (nos últimos 20 anos, por exemplo, aumentou o número de macacos diferentes catalogados no Brasil de 76 para 110). Mas também há muito a lamentar com cada vez mais espécies em risco de extinção - há 1.173 animais nessa lista, 50% na Mata Atlântica.
Há um laboratório de remédios escondidos na mata e nos saberes tradicionais de indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Isso também acontece no ambiente marinho, onde algas, fungos e bactérias são fonte para novos medicamentos. Espécies em extinção e menos floresta significam perda para os humanos.
Para o ecólogo Douglas Trent, tem de haver uma mudança nas leis e nas mentalidades. "Temos que mudar as ações e as regras para preservar o ambiente. A agricultura é importante, mas beneficia poucas pessoas que detém a terra. A floresta beneficia a todos porque ajuda no clima, na saúde e na economia também", argumenta o norte-americano que comanda um projeto de educação e turismo à beira da rodovia Transpantaneira chamado Bichos do Pantanal.
Em meio a pandemia, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei (PL 2366) que amplia a anistia de quem invadiu terras públicas que eram florestas, ampliando o prazo da ocupação (de 2004 para 2011) e o tamanho das propriedades (aumento de 50%). O projeto é visto como um novo incentivo ao avanço de grileiros e madeireiros nessas áreas.
"O Brasil tem a segunda maior floresta do mundo, só perde para a da Rússia. Mas aqui há muito mais diversidade, e a mata captura o carbono o ano todo, enquanto lá isso não acontece no inverno", conta Azevedo sobre outro papel importante da cobertura vegetal presente no país.
Azevedo aponta que deveria haver mais fiscalização e punição para conter o desmatamento. "A floresta não é derrubada por conta da venda de commodities ao exterior. Isso pode até complicar as vendas porque as empresas e os bancos lá fora não querem ficar associados com essa imagem. O desmatamento acontece por pura especulação imobiliária. É uma atividade ilegal, e só a punição pode coibir isso. O grileiro só para se o negócio não o beneficiar", afirma Azevedo.
O que o desmatamento tem a ver com a aceleração no ritmo das epidemias e pandemias? Tudo. E quem diz isso não é um grupo ambientalista radical: a afirmação está, por exemplo, em artigo publicado pelo Fórum Econômico Mundial. Segundo pesquisa, 31% dos 12.012 surtos em todo mundo, entre os anos de 1980 e 2013, estão ligados diretamente a ambientes devastados.
Trent lembra que a expansão humana para ambientes selvagens está na origem de várias epidemias e pandemias, como Ébola, Aids e Covid-16. "Quando o homem devasta a natureza, ele acaba colocando à prova a própria existência, pois a perda do habitat levam os animais a invadir os centros urbanos, que avançam sobre onde antes viviam em paz. Isso faz com que doenças novas cheguem às cidades, como é o caso da febre amarela, que antigamente se restringia às áreas rurais e florestais, mas que hoje já ocorre até mesmo em São Paulo", conta o ecólogo.
Em seu projeto no Pantanal, o norte-americano treinou antigos caçadores de onça e outros animais selvagens para tornarem guias turísticos. Ele vê no turismo uma saída para tornar as florestas fonte de renda para as populações locais. "Agora está tudo parado pela pandemia. Mas quando passar, muitas pessoas vão preferir ir para o meio do mato e com poucos acompanhantes do que se enfiar em aviões e hotéis lotados. Acho que é uma chance, mas temos que criar infraestrutura nos parques e reservas", opina Trent.
O país com a maior diversidade de fauna é um dos que mais a desrespeita. Segundo a Renctas (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres), a estimativa é de que todo ano 38 milhões de espécimes sejam retiradas da natureza brasileira, podendo se tornar bombas-relógio ecológicas com capacidade de afetar todo o equilíbrio do planeta.
As soluções são muitas, mas o Brasil tem andado pelo caminho contrário, com menos dinheiro para pesquisa, sem criação de reservas e parques e queimadas prejudicam a saúde do brasileiro e o clima do planeta todo.
Azevedo mostrou no levantamento divulgado nesta quinta-feira (21) que a Amazônia está com o desmatamento crescente [assista ao painel abaixo], e o Brasil vai na contramão mundial de redução da emissão de gases do efeito estufa. Em 2020, mesmo com a pandemia que brecou o consumo, a indústria, o transporte e a produção de energia, o desmatamento na Amazônia vai fazer as emissões subirem de 10 a 20% em relação ao último levantamento, de 2018.
Segundo a pesquisa, a supressão vegetal na Amazônia, bioma com maior biodiversidade do país, cresceu 98% de agosto de 2019 a abril de 2020. No cerrado, que ocupa a terceira posição em variedade de espécies, diminui o desmatamento em 38% no mesmo período. Esses dois ecossistemas são os mais atingidos pelo aumento da fronteira agrícola.
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