Ele lutou contra estigma da Aids, inspirou filme e ganhou US$ 500 mil
A história de um advogado que processou o escritório do qual fora demitido sem justa causa ganhou notoriedade por ter sido um dos primeiros casos de discriminação a pessoas portadoras do vírus HIV. O norte-americano Geoffrey Francis Bowers sentiu o preconceito na pele, após ter sido diagnosticado, mas não baixou a cabeça mesmo depois de atos de perseguição no trabalho e de seu desligamento.
Bowers denunciou a empresa à Justiça e sua história foi parar nos cinemas. A repercussão do caso foi inspiração para os produtores do filme 'Filadélfia', obra protagonizada por Tom Hanks, que interpretou o advogado chamado Andrew Beckett, personagem baseado em Bowers.
Geoffrey Bowers nasceu em 29 de dezembro de 1953, em Cambridge, Massachusetts. Formou-se em Ciências Políticas pela Brown University. Chegou a trabalhar como repórter de TV, mas acabou ingressando na Escola de Direito Benjamin N. Cardozo, em Nova York, em 1979.
Foi contratado pelo escritório Baker & McKenzie em 1984. Começou como associado de litígio. Por se tratar de um escritório com atuação internacional, ele tinha o interesse de exercitar seu conhecimento sobre os idiomas italiano, alemão, francês, holandês e espanhol.
Em 1985, no entanto, o advogado começou a sentir os sintomas da Aids e, em alguns anos, ele foi diagnosticado como portador do vírus HIV.
Quais os fatos que inspiraram o filme?
Poucas informações sobre a história de Geoffrey Bowers, além do filme, podem ser encontradas. Para ter acesso a relatos fiéis, Ecoa procurou um advogado que estudou a vida de Bowers para fins acadêmicos.
Sérgio Pessoa, conselheiro e secretário da Comissão da Diversidade da OAB-PE, conta que, após as denúncias de Bowers, as posturas discriminatórias começaram a ser discutidas nos Estados Unidos.
Diagnosticado com HIV, o advogado foi acometido por um câncer chamado de Sarcoma de Kaposi, doença que atinge comumente pessoas com Aids.
Até então, segundo o especialista da OAB, ele era um advogado promissor no escritório no qual trabalhava. No entanto, ele percebeu uma mudança da empresa a partir do aparecimento das lesões em seu corpo.
"Ele percebeu condutas para sabotar seu trabalho no escritório. O sumiço de peças que ele tinha feito no prazo e eram encaminhadas ao arquivo do escritório, por exemplo. E, após dois meses do diagnóstico do Sarcoma de Kaposi, ele foi demitido sem que o escritório seguisse as tramitações normais. Bowers contestou a demissão, que ocorreu em dezembro de 1986, só que 12 dos 15 sócios do escritório concordaram com o seu desligamento", conta Sérgio Pessoa.
Inconformado com a situação por entender que o desligamento ocorreu por postura discriminatória, decidiu acionar a empresa na Justiça. A demissão, avaliou, além de discriminatória, violava direitos humanos.
A briga judicial perdurou por anos e decisão final saiu em 1993, somente anos após a morte de Bowers. O escritório Baker & McKenzie foi condenado a pagar indenização no valor de US$ 500 mil dólares à família do advogado.
Importância da ação
A postura de Geoffrey Bowers inspirou a luta contra o preconceito em relação a pessoas portadoras do HIV e mostrou que essa luta deveria ocorrer em todas as instâncias. De acordo com Sérgio Pessoa, na década de 1980, a comunidade LGBTQIA+ vinha em um momento de estigmatização por causa dos casos de HIV. Dos casos mais notórios à época, destaca, boa parte reunia homens gays. Um pânico se estabeleceu por haver poucas informações sobre o tratamento, segundo o especialista.
"Os primeiros tratamentos surgiram em 1987 no mesmo ano da morte de Bowers. A importância dessa história para a comunidade foi por ter destacado a abordagem do HIV e o estigma na época. Com 'Filadélfia' veio uma sinalização na mudança em filmes para representações mais realistas da comunidade LGBTQIA+", destaca.
Cinema
Sérgio Pessoa conta que o produtor Scott Rudin leu sobre o caso de Bowers nos jornais e entrou em contato com a família, com a ideia de fazer um filme baseado em sua luta. O tempo passou e, sem que houvesse uma autorização formal da família, 'Filadélfia' estreou.
Um detalhe desse filme é que a família de Bowers processou o produtor alegando que o roteiro está repleto de detalhes e até diálogos que apenas os parentes de Geoffrey sabiam. Esse conflito acabou em um acordo entre o produtor do filme e família.
De acordo com o conselheiro da OAB-PE, 'Filadélfia' levanta duas vertentes que devem ser discutidas: a luta pelo tratamento do HIV, e a discriminação ao portador do vírus no local de trabalho.
"Essa discriminação é uma realidade, na maioria dos casos, de difícil comprovação ou a compreensão dos magistrados sobre o tema. No Brasil, cabe destacar que sobre o assunto que cerca o filme temos a Súmula 443 do TST (Tribunal Superior do Trabalho), que protege o empregado portador do vírus HIV", ressalta Sérgio Pessoa.
Geoffrey Francis Bowers morreu em 1987 em Boston, devido a complicações decorrentes de uma meningite Seu grande amor foi o escritor Alex Londres, que faleceu um ano após sua morte, também devido a complicações da Aids.
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