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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Capitão envenenado? Como foi o mais louco desfalque argentino antes da Copa

Maradona e Passarella no México 1986 - Reprodução El Gráfico
Maradona e Passarella no México 1986 Imagem: Reprodução El Gráfico

Colunista do UOL

13/10/2022 04h00

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A Argentina está tensa. Uma das favoritas à conquista da Copa do Mundo do Qatar, a azul e branca acompanha com apreensão as lesões de Ángel Di María, Paulo Dybala e ninguém menos que Lionel Messi. E há uma outra baixa preocupante: o "leão" Rodrigo de Paul, em plena forma física, mas deixado de lado no Atlético de Madri do técnico argentino (!) Diego Simeone.

Perder jogadores às vésperas da Copa do Mundo é uma tristeza que acomete todas as seleções. Até mesmo no aquecimento para uma estreia, como aconteceu com a própria Argentina em 2002, desfalcada do eficiente zagueiro Roberto "Ratón" Ayala.

Na história da Argentina nas Copas, porém, há um episódio muito mais intrigante.

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Carlos Bilardo e Diego Maradona na campanha da Argentina no México/1986
Imagem: Getty Images

Bem antes da 'água batizada' de Branco

"O jogo limpo no futebol é invenção dos britânicos", dizia, com profundo desdém, o comandante da Argentina no Mundial de 1986, deixando evidente a maneira como encarava uma de suas duas profissões —além de treinador, Carlos Salvador Bilardo era médico ginecologista.

Durante sete anos, dividiu-se entre a atuação futebolística e o atendimento às pacientes do Hospital Alvear, em Buenos Aires.
Nos tempos de jogador, por exemplo, entrava em campo com uma agulha escondida no meião e a usava para espetar os oponentes nas cobranças de escanteio.

"É que naquele tempo não existia aids", explicaria anos depois, como se isso de alguma forma limpasse sua barra.

Poucos imaginavam, contudo, que ele estaria disposto a aplicar esse vale-tudo contra integrantes de sua própria equipe —no caso, ninguém menos que o homem que levantou a taça em 1978, Daniel Passarella.

Trata-se possivelmente do mais espantoso episódio da louca história da seleção. Em sua gênese está a rivalidade visceral entre Bilardo e César Luis Menotti.

Para o "Narigón", conduzir a Argentina ao título na Copa de 1986 não seria o bastante. Era necessário que nenhuma impressão digital de seu odiado antecessor estivesse na taça.

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Daniel Passarella dá entrevista como técnico do River Plate
Imagem: Divulgação River Plate

Violenta diarreia

Às vésperas do primeiro jogo, Passarella foi assolado por uma enterocolite, inflamação do intestino delgado e do cólon que provoca cólicas, vômitos, mal-estar e uma violentíssima diarreia.

À primeira vista, parecia se tratar de um típico caso do que os mexicanos chamam de "vingança de Montezuma", o explosivo desarranjo intestinal sofrido por muitos visitantes que decidem provar os tacos, enchiladas e carnitas oferecidas pelos ambulantes da capital.

Mas como explicar o fato de que Passarella fora o único afetado pela intoxicação alimentar dentro da concentração toda? A suspeita recaía sobre ninguém menos que Carlos Bilardo.

Conforme essa versão, em que boa parte do país acredita piamente até hoje, o técnico decidiu simplesmente envenenar o ex-capitão da Argentina para tirá-lo de combate e abrir caminho a Maradona, desafeto do zagueiro e participante da sabotagem.

Passadas mais de três décadas do ocorrido, a desconfiança jamais foi dissipada. Pelo contrário: os indícios ficaram ainda mais fortes. Na Copa seguinte, por exemplo, a comissão técnica de Bilardo seria protagonista de um caso parecido, o da água batizada entregue ao brasileiro Branco, trama revelada aos risos por Maradona.

Perto do trigésimo aniversário da conquista, o documentário "1986, La história detrás de la Copa" exibiu depoimentos que parecem sustentar a acusação contra o técnico.

Bilardo jamais admitiu a sabotagem e garantiu que a comissão fez de tudo para curar Passarella: "Buscamos os melhores médicos do México", disse ele no filme.

Mas o goleiro Ubaldo Matildo Fillol, velho companheiro de Passarella, diz não ter dúvidas do que aconteceu. "Bilardo lhe deu um purgante e quase o mata'', afirmou ao jornal "La Voz".

"É literal, todos sabemos, mas ninguém se dispõe a falar. Eu não tenho problema. Onde estava Passarella durante o Mundial? Internado com uma diarreia infernal. Sou um dos poucos que contam."

O trecho acima faz parte do livro "Copa Loca - As inacreditáveis histórias da Argentina nos Mundiais", publicado no Brasil pela editora Garoa Livros.