Topo

Fórmula 1

Senna vira guru de jovens que nasceram depois da morte do piloto

Verônica Mambrini

do UOL, em São Paulo

23/04/2014 06h01

Desde 1º de maio de 1994, quando foi vítima de um acidente em Ímola, ele não está mais na casa de milhares de brasileiros aos domingos de manhã. Mas Ayrton Senna ainda faz parte da rotina de algumas pessoas, inclusive de gente que nem era nascido quando o piloto morreu. Sua imagem está ali, ajudando a estudar nas provas para passar de ano; a enfrentar uma paralisia facial; a encontrar um rumo para a profissão. Ou até a formar possíveis novos e jovens corredores, que dão suas primeiras voltas no kart.

Em 2011, a estudante Ana Laura Pacífico, 17 anos, viu o documentário “Senna” (2010, Universal). Foi um divisor de águas em sua vida. Na época, a jovem era nadadora, e já cultivava um sentimento de patriotismo, que imediatamente associou ao piloto brasileiro. “Aconteceu uma identificação com o Senna desde esse primeiro contato. Meus pais não são fãs, minha família não acompanha automobilismo, mas vi ele como alguém para ser seguido, um batalhador muito forte, que respeitava os problemas do país em que morava, e buscava soluções.”

O interesse de Ana só cresceu, junto com uma coleção de livros sobre Senna, reportagens e itens de fã, como camisetas, moletons com a estampa do ídolo e miniaturas da McLaren e da Lotus. “Chegou o vestibular, e as frases de Senna me ajudaram no meu objetivo com dedicação, a segurança, a serenidade que ele transmitia. Foram momentos da minha vida em que eu me apoiei na imagem dele de seriedade e dedicação”, diz a estudante, que desde então passou a  acompanhar a Fórmula 1. “Não tem um piloto hoje que eu compararia ao Senna. E não vai ter".

Há dois anos, Ana Laura teve uma paralisia facial, e foi na imagem de Senna que se refugiou. “Ele também teve esse problema. Eu pensava que se o rosto dele voltou ao normal, o meu também voltaria”. Hoje ela participa de um dos maiores e mais antigos fã-clubes de Ayrton, o TAS (Torcida Ayrton Senna), se dedicando a fãs jovens, como ela mesma. “Eu nunca acordei de manhã para ver o Senna, mas mesmo assim tenho essa conexão com ele, com o esporte, e sei que não sou a única. Senna é um ponto em comum com todos os brasileiros. Já comecei conversas com várias pessoas na rua, por estar com uma biografia dele na mão.”

Embora existam fã-clubes e encontros presenciais, é pela internet mesmo que os jovens fãs de Senna se encontram e se identificam. É o caso de Luis Cesar Henriques Antunes, que tem um vasto arquivo de imagens que compartilha online. A primeira lembrança vívida sobre Senna é aos 5 anos de idade, numa loja de artigos de segunda mão. “Tinha um quadro dele na parede. Não sabia quem era esse tal de Senna, e minha mãe foi me contando, dizendo que era um piloto famoso, um homem reconhecido no mundo todo, que morreu precocemente”, conta. “Hoje, aos 18, eu me tornei um fãnzaço dele. Senna é mais do que um ídolo: é a minha inspiração de vida.”

A coleção de Cesar é de imagens inspiracionais, que juntam imagens do piloto com frases marcantes sobre motivação, disciplina, caráter, e até citações bíblicas associadas com fotos do piloto. “Eu tenho um acervo no meu notebook e montei um trabalho biográfico sobre ele”, conta. Aos 10 anos, ele estava com dificuldades na escola, e topou ocasionalmente com um vídeo motivacional com imagens de Senna. “Depois disso, tive uma explosão de notas boas e, com isso, consegui meus objetivos. Via os vídeos das vitórias no Brasil e me tornava o piloto da minha ‘corrida’ na escola”, conta. “A corrida era o tempo escolar e a vitória, a bandeirada, seria as notas boas e a tão sonhada aprovação escolar. Sou grato a ele por, mesmo que não tê-lo visto correr, por ser esse modelo de inspiração de vida.”

Para muitos jovens fãs, a imagem motivacional se sobrepõe à esportiva. “Ele não foi só um grande esportista, é uma inspiração para todos aqueles que querem ir além. Como pessoa ele teve muitos problemas, era competitivo demais. Mas como piloto, ele mostrou que a gente só pode fazer uma coisa se for realmente bom. Ele falava pra trabalhar, ir além do limite”, diz Victor Alebrgaria, estudante de comunicação de 19 anos. “Isso tudo me influenciou. É o maior ensinamento que o Senna podia me dar.”

Como nasceu depois do acidente que vitimou Senna, Victor conhece o piloto principalmente por reportagens e pesquisas. Mesmo sem ter vivido os domingo de manhã pódio do Senna, se emociona e se arrepia com o tema da vitória. “Fui atrás de revistas, e descobri que ele era realmente importante para a Fórmula 1. A disputa com o Prost, o espírito vencedor, excepcional, que influenciava todo mundo. Piquet era piloto, mas Senna era vencedor. Tem alguma coisa a mais no Senna.” Victor aponta também a falta enorme de referências que sente nessa geração. “Hoje ninguém age como ele agia. Sentimos falta de uma figura assim, quem se espelha nele se sente órfão.”

Um pouco mais velho, Rafael Venâncio, 27 anos, viu Senna correr pela televisão. Mais: por muito pouco, não viu ao vivo o ídolo buscar o coleguinha Bruno Senna, na saída da escola. “Ele foi buscar o Bruno, que estudava comigo. Minha professora perguntou porque eu, que era louco por Fórmula 1, não tinha ido atrás dele, e do alto dos meus 5 anos de idade, respondi que era porque preferia o [Gerhard] Berger”, diverte-se Rafael. Mas a admiração ao piloto brasileiro brasileiro é inegável. “O Senna consolida um processo de amor ao automobilismo que o Brasil tem desde os anos 1950, com a implementação da indústria automobilística. Ele é um legado dessa paixão. Quando o Senna ganha em 1991 e a gente passa a achar que tem o melhor automobilismo do mundo. E sem o Senna a gente fica um pouco viúvo disso. A gente teve pelo menos um piloto em cada categoria a cada ano, mas brasileiro no pódio era uma imagem do Senna.” 

Arthur Silva tem 7 anos e não sabe exatamente quem é Senna. Mas tem gasolina no sangue. Desde os 4 anos, pedia para o pai para andar de kart, e foi amor à primeira vista com o volante. “Ele acompanha Fórmula 1 e sabe o nome dos pilotos, quem ganhou a corrida, qual a classificação do campeonato. Ele pergunta muito, entra no tablet, vê as notícias”, conta o pai, o técnico de construção André Oli. Como muitas crianças na década de 90, Arthur quer ser piloto. “Quero ser que nem ele. Vejo os vídeos dele e acho ele muito bom. Na chuva ele não derrapava, parecia que estava no seco”, explica o pequeno, que gosta de “sentir vento no rosto”.

Arthur já teve a sorte de colocar o capacete que Senna usou em 1993, no último ano dele na McLaren, em um encontro com Lucio Pascoal, dono da relíquia e ex-preparador de motores do Senna. Quando precisou imobilizar a perna, não teve dúvidas de qual desenho faria com canetinha no gesso: o capacete amarelo com detalhes em verde e azul que habita o imaginário dos fãs do piloto. 

Fórmula 1