O brilho tardio de Jesus: do "quase" na Europa ao reinado de Mister no Fla
Como a história que se repete com o tempo, um português conquistou o Brasil em 2019. Jorge Jesus já era um dos grandes da história do Benfica e construiu linda trajetória enfileirando títulos em Portugal. No final, entretanto, sua narrativa ficou marcada pelo "quase". O número 92, por exemplo, não lhe traz boas recordações: foi neste minuto que Kelvin e Ivanovic, em 2013, o fizeram ajoelhar em campo ao ver o título nacional e a Liga Europa escorrerem pelas mãos. Na temporada seguinte, nos pênaltis, outro vice da competição continental para o Sevilla.
No Flamengo, agora "Mister", o técnico de 65 anos enfim atinge seu ápice. O vice-campeonato dessa vez ficou para o River Plate, derrotado numa virada incrível rubro-negra, em Lima.
Exaltado pela crítica e adorado pelos jogadores, Jesus trouxe ao Brasil muito mais que sua sinceridade e carisma genuínos, ao estilo rude e arcaico do jovem pobre que deixou a pequena Amadora rumo ao estrelato na capital Lisboa. A obsessão pelo desempenho aliado ao resultado quebra paradigmas no futebol brasileiro. O Flamengo é o Flamengo irresistível por quantos minutos durar um jogo, sem "tirar o pé" e alterar seu modo agressivo e ofensivo de jogo. O River até que tentou de tudo para frear essa equipe. Estava dando certo por mais de 80 minutos, é certo. Mas os comandados do português voltaram a acelerar.
A escalação na ponta da língua do torcedor, do goleiro ao ponta-esquerda, também é outra marca do treinador que não poupa esforços e jogadores em busca de seus objetivos. E foi assim novamente na final em Lima: Diego Alves, Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí e Filipe Luís; Arão, Gerson e Éverton Ribeiro; Bruno Henrique, Gabigol e Arrascaeta.
Sua paixão pelo jogo e a forma com que toca a torcida é resumida no cântico de "Mister" entoado a cada vitória marcante do Fla no Maracanã. Como "Os Lusíadas" de Camões, Jesus substitui o que é censurado pelo pudor dos técnicos brasileiros em todas as rodadas e fases de mata-mata. Ao mostrar coração e emoção de quem nota o diferente no país, resgata a cultura do futebol praticado no Brasil em sua essência. O português não tem problema em alterar planos táticos e não vê o esporte como totó (também conhecido como Pebolim, pacal ou Fla-Flu, em deliciosa ironia), deixando seus jogadores soltos para se movimentar e levar as defesas adversárias à loucura.
O brilho veio de forma tardia, mas esperada para quem acompanha as equipes comandadas pelo treinador. O futebol objetivo, veloz e impetuoso coaduna com o disputado no continente e faz da glória de Jorge Jesus uma verdadeira profecia bíblica. O treinador "se tornou tão superior quanto o nome que herdou" no Brasil e coroa sua carreira com o título da Libertadores, sonho de consumo comparado à Champions e admitido em coletiva antes da grande final.
"São dois troféus máximos de clubes. Meu sonho sempre foi esse. Para mim, havia um objetivo muito importante que estamos próximos de atingir. Nunca coloquei um campeonato na frente do outro (Libertadores e Brasileiro). E é uma alegria ter um estafe que me permite chegar onde chegamos. Claro que penso ainda conquistar as duas taças: Libertadores e Champions".
Sucesso esportivo e midiático, Jorge foi ainda mais Jesus no Brasil em 2019. E salvou uma nação de 40 milhões de devotos de sua seca de títulos.
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