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Mancha Verde usava binóculo para vigiar Gaviões no estádio antes de brigas

Adriano Wilkson e Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

10/12/2021 04h00

Criada em 1983, a Mancha Verde logo se tornou a maior e mais importante torcida organizada do Palmeiras. O principal argumento para sua fundação sempre foi o de "recuperar o respeito", já que, ao menos de acordo com os relatos dos fundadores, os palmeirenses eram perseguidos e agredidos pelas torcidas rivais no final dos anos 70 e início dos 80.

Para cumprir a missão que designou para si própria, a Mancha Verde precisava ir além de fazer festa no estádio e ganhar associados. Era preciso revidar, e foi isso que seus integrantes começaram a fazer. A fundação da Mancha e sua relação com as demais organizadas do país é o tema de "Sobre meninos e porcos", a terceira temporada do podcast UOL Esporte Histórias. Você pode ouvir o terceiro episódio no player acima.

Serdan - Luciano Amarante/Folhapress - Luciano Amarante/Folhapress
Paulo Serdan, presidente da honra da Mancha Verde
Imagem: Luciano Amarante/Folhapress

"A gente era inconsequente, cara. Nos clássicos contra o Corinthians, o Cleo às vezes levava um binóculo e a gente ficava olhando os caras do lado de lá", conta Paulo Serdan, fundador e ex-presidente da Mancha Verde. Cleo também fazia parte do grupo fundou a organizada. "A gente dividia: se trombar com os cara ali, você vai pra cima do Cley e você vai pra cima do Magrão", explica Serdan. Cley e Magrão eram integrantes da corintiana Gaviões da Fiel.

Serdan relembra outro episódio, dessa vez envolvendo santistas e com consequências concretas. "Teve um jogo na Vila Belmiro que começaram a jogar pedra pra caramba na nossa torcida e machucou um monte de gente. Quando chegamos na porta do estádio para ir pra rua, ele [Cleo] já estava lá saindo na mão, sozinho no meio dos cara. Tomou uma facada na perna", conta Serdan. Ele revela ter feito um alerta ao amigo: "Puxei ele de canto e falei: 'Mano, não é que não é pra ir lá, mas você espera a gente. Uma hora não vai dar tempo da gente chegar."

Integrantes antigos de organizadas do Palmeiras sempre têm uma história para justificar o desejo de vingança e a radicalização das torcidas do time ao longo dos anos 80, uma época em time sofria dentro de campo e amargava uma longa fila de título. Fundador da organizada Acadêmicos da Savóia, José Luiz Muoio lembra em detalhes de um episódio ocorrido pouco antes da fundação da Mancha.

Era para ser apenas mais uma noite de domingo pós-jogo, mas alguns palmeirenses terminaram com dentes quebrados, pontos na cabeça e hospitalizados. Mesmo atentos, eles sofreram uma emboscada de corintianos que os seguiram até as proximidades do antigo Parque Antarctica.

Cleo - Reprodução - Reprodução
Cleo, Moacir, Atibaia e um torcedor não identificado: fundadores da Mancha Verde
Imagem: Reprodução

"O jogo acabou seis e meia. Oito e meia da noite, a gente estava chegando aqui na Rua Clélia. Passando em frente ao Sesc Pompéia, pegaram a gente", conta Zé Luiz. "Eu lembro que apanhei muito. Saí pela janela. Na época, o Sesc tinha aquela corrente para não entrar carro. Tropecei na corrente e tomei ponto na cabeça. O Cleo foi hospitalizado", diz Zé Luis.

"O ódio veio daí. De apanhar. Como você vai dormir quando você apanha? Várias vezes eu apanhei. Meu pai usava camisa social e voltava sem camisa. Quantas vezes eu ia pro jogo e voltava sem camisa também?", afirma o torcedor.

A presença mais atuante e agressiva das organizadas do time chamaram a atenção da imprensa. Em março de 1985, a revista "Placar" chegou às bancas com a seguinte manchete: "A raiva palmeirense".

Com o título "A guerrilha dos verdes", a reportagem dizia o seguinte: "A torcida do Palmeiras agora é assim: não some dos estádios nas más fases, grita pelo time, sofre desde 1976 com o jejum de títulos e não rejeita uma boa briga. A mudança ocorrida no meio dos jovens torcedores palmeirenses é visível. As faixas estendidas pelos estádios em dias de grandes jogos mostram, pelos nomes escolhidos, a predisposição de seus fiéis torcedores. Boinas Verdes, Mancha Verde, Falange Verde, Comando Alviverde."

Não à toa, Cleo aparece tanto nos relatos de Zé Luís quanto nos de Serdan. Ídolo da organizada até hoje, Cleofas Sóstenes Dantas da Silva simbolizava melhor que ninguém o sentimento da Mancha Verde na época. Um dia, aconteceu aquilo que Serdan temia: os companheiros não puderam chegar a tempo de ajudá-lo. Cleo foi assassinado a tiros em 17 de outubro de 1988.

Sobre meninos e porcos

"Sobre Meninos e Porcos" é a terceira temporada do premiado podcast UOL Esporte Histórias, que conta a história de como as torcidas organizadas saíram da festa e chegaram à violência. O relato é centrado no assassinato de Cleo Sóstenes nos anos 1980, considerado o marco da chegada das armas de fogo às brigas de torcida. Você pode conhecer essa história, que os repórteres Adriano Wilkson e Daniel Lisboa investigam há um ano, em um podcast de seis episódios.

1: Respeito é pra quem tem
2: E ninguém vai me segurar
3: Sangue derramado
4. Calibre 38
5. Chumbo de caça
6. Sem saída

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