Fotógrafo com baixa visão participa da cobertura de sua 2ª Paralimpíada
A fotografia é a arte de produzir imagens, mas que vai muito além disso. João Maia, primeiro fotógrafo de baixa visão a participar da cobertura de uma Paralimpíada, é a prova. Em Tóquio, ele fará sua segunda cobertura dos Jogos, como embaixador da Fundação Dorina Nowill para Cegos, instituição vital na inclusão social das pessoas cegas e com baixa visão.
João perdeu praticamente toda a visão aos 28 anos, quando foi diagnosticado com uveíte bilateral, uma doença que afeta os dois olhos. A deficiência do fotógrafo é um caso fechado, ou seja, o percentual de visão é o mesmo desde o ocorrido. Com o olho direito, ele não enxerga nada. O olho esquerdo ainda tem baixa visão, que permite que ele perceba objetos que estejam a 15 cm de distância.
Em 2008, João passou a se dedicar à fotografia e começou a cobrir eventos nacionais e internacionais. Mas foi em 2016 que sua vida realmente mudou, quando esteve na cobertura da Paralimpíada do Rio e seu trabalho ficou mais conhecido. "Lá no Rio falaram que eu era mais famoso que atleta", brincou o profissional, em entrevista ao UOL Esporte.
A história inspiradora do fotógrafo rodou o mundo. A oportunidade de mostrar o seu trabalho, no entanto, foi além do seu sucesso pessoal. João tem consciência do seu papel como modelo para crianças e jovens que, assim como ele, têm uma deficiência.
"Toda vez que uma pessoa com deficiência aparece na TV, ela tem a obrigação de dizer para esse universo, para o mundo, que só é preciso ter oportunidade de trabalho. Porque temos capacidade. É preciso tirar a visão capacitista da pessoa com deficiência, de que ela é uma coitadinha", explicou.
O talento e a sensibilidade de João são perceptíveis. Mesmo sem a clareza visual do que está acontecendo ao seu redor, o fotógrafo percebe as imagens de outra forma e usa elementos diversos para compor a fotografia.
Um desses elementos é o conhecimento técnico dos esportes. Antes sedentário, João passou a praticar esportes após a doença que lhe tirou praticamente toda a visão. Conheceu a natação, a corrida de rua e algumas provas de campo no atletismo, que foi onde se encontrou e se apaixonou. Por sete anos, dedicou-se ao arremesso de peso e aos lançamentos de disco e dardo. Os anos como atleta deram ao fotógrafo o aprendizado sobre questões muito particulares da prática esportiva, como movimentação, posição de braços e posturas.
Outro fator importante para o fotógrafo na composição da imagem é o som. Os barulhos do ambiente — como conversas e a reação dos torcedores — são essenciais para que João encontre o tempo correto para clicar as fotos. Em uma corrida no atletismo, por exemplo, o barulho feito pelas pessoas nas arquibancadas é uma boa forma de saber quando algum concorrente ultrapassa um adversário.
"Por isso digo que transformo som em imagem. A escolha do disparo é minha, mas é assim que componho minha imagem. Por meio dos meus sentidos e do meu coração".
Em Tóquio, no entanto, João não vai poder ter os sons da torcida à disposição. Por causa da pandemia da covid-19, os Jogos Paralímpicos também estarão fechados para o público. Mas João diz que isso não será um problema.
"Infelizmente, vai ser melhor. Porque eu só vou ouvir a batida da sapatilha na pista, o grito do atleta. E sempre alguém se manifesta, a parte técnica, os jornalistas. Sempre alguém vai dar um grito, dizer 'vai, vai, vai'."
Para o seu trabalho, João tem o apoio de um assistente, que o acompanha nas competições. Esse profissional auxilia João no deslocamento na área de competição, no posicionamento e repassa algumas informações, como a raia em que o atleta brasileiro está, por exemplo. A presença de um assistente faz parte do cuidado e do respeito que o fotógrafo tem pelo esporte e pelos atletas.
"Seria irresponsável da minha parte tentar me deslocar sozinho. É um evento em que o atleta passou quatro anos se preparando. Eu vou lá e, de repente, atrapalho a prova dele. Tenho a preocupação de estar no lugar certinho delimitado para os fotógrafos com o meu assistente", explicou.
Embaixador da Fundação Dorina Nowill
A Fundação Dorina Nowill é parte essencial para a ida de João a Tóquio. Além do alto custo da viagem, as restrições impostas pela pandemia dificultaram ainda mais todo o processo de credenciamento para cobrir os Jogos Paraolímpicos. Nesse ano, ele vai como embaixador da instituição.
Francisco H. Della, presidente do Conselho de Curadores da Fundação, explica que a presença de João Maia na cobertura das Paralimpíadas é importantíssima, principalmente para inspirar aqueles que, hoje, fazem algum tipo de atividade na instituição. "Reforça nosso propósito de promover autonomia e inclusão, dá ferramentas para que todos possam ter novas oportunidades de vida. É uma forma de mostrar novas perspectivas, e que todos podem ter uma profissão".
João também é conselheiro na Fundação, local em que encontrou todo apoio quando perdeu a visão. Lá, foi acompanhado por psicólogos, assistentes sociais e, principalmente, pôde desenvolver conhecimentos que foram importantíssimos na sua carreira e para ter uma vida com autonomia.
No papel de embaixador, o fotógrafo fará uma cobertura especial para as redes sociais da Fundação, com conteúdo, bastidores e publicações que terão o objetivo de atingir aqueles que podem se inspirar em sua história e na dos atletas paralímpicos.