Prazer, eu sou Qatar-2022

Organização quer usar a Copa do Mundo para mudar a visão que você tem do mundo árabe

Danilo Lavieri Do UOL, em São Paulo Reprodução
Divulgação

A mulher por trás da Copa 2022

O UOL Esporte foi o primeiro veículo da América Latina a falar com Fatma Al Nuaimi, a diretora executiva de comunicação do Comitê Supremo para Entrega e Legado da Copa do Mundo FIFA 2022. Em entrevista exclusiva, ela explicou como está o país a pouco menos de 500 dias do pontapé inicial e insistiu várias vezes que a percepção global sobre seu país vai mudar após o Mundial.

A mulher mais importante na organização afirmou que há vários preconceitos quando o assunto é a cultura do mundo árabe. Apesar de admitir que há, sim, diferenças no jeito de se viver, ela apostou que o torcedor que for até lá vai perceber que a distância não é tão grande quanto a que imaginamos.

Fatma ainda contou como o Qatar pretende se livrar do que acostumamos chamar por aqui de Elefantes Brancos, os estádios que custam bilhões e, depois do Mundial, ficam sem nenhum uso para a população local. Tem até estádio feito de contêiner de navio que será, pela primeira vez nas histórias das copas, desmontado após o evento.

Há uma percepção errada sobre o que vestir, sobre o pode fazer ou não. Nós somos uma nação multicultural. A população do Qatar é formada por um monte de comunidade diferente. Brasileiros, mexicanos, árabes, egípcios, indianos.. Nós temos muita gente. Vai ser muito diferente quando as pessoas enxergarem com os próprios olhos. É isso que a gente está tentando mostrar nas nossas redes sociais e campanhas na mídia digital. Eu tenho certeza que os torcedores que decidirem vir vão ver que no final não é tão diferente de ir para outros lugares do mundo.

Fatma Al Nuaimi, Diretora executiva de comunicação do Comitê Supremo para Entrega e Legado da Copa-2022

Tiago Leme

Qual é realidade do mundo árabe?

Feche os olhos e tente imaginar: qual é a sua primeira impressão quando falamos do mundo árabe? Fatma afirmou várias vezes durante o papo de 30 minutos feito pela internet que há uma série de equívocos na hora de avaliar como será a Copa do Mundo no Qatar em 2022. Segundo ela, tudo porque há preconceitos instaurados na imaginação do mundo ocidental que serão brevemente esquecidos pelos que visitarem Doha no ano que vem.

Os estrangeiros que forem para lá precisarão seguir uma cartilha em locais como museus, prédios do governo, mesquitas e áreas culturais. Ninguém é obrigado a vestir uma burca, por exemplo. Nessas áreas, homens não usarão bermuda que deixem o joelho aparecendo, enquanto mulheres precisam usar roupas que cubram os ombros e não sejam coladas, e não devem usar vestidos muito curtos. Há áreas específicas como condomínios fechados, restaurantes e hotéis, por exemplo, onde esses costumes são mais flexibilizados. Em praias públicas, o biquíni não é permitido no dia a dia, mas, nessas áreas específicas, o turista pode se vestir como se estivesse em casa.

Os árabes também não demonstram muito carinho em público na relação entre homem e mulher, mas, dentro do estádio, nas fans fests e nos hotéis em que se concentrarão os turistas, a vida seguirá como se fosse uma "área internacional". Não que tudo seja permitido, mas as restrições rígidas não se aplicam para quem estiver por lá de passagem.

Valery Sharifulin/Valery Sharifulin/TASS

Adaptações necessárias

Quando Fatma diz que "não é diferente de ir para qualquer outro lugar do mundo", ela explica que há, sim, diferenças entre estar no Rio de Janeiro e em Doha, por exemplo. Mas são mudanças que você precisa fazer ao sair de casa sempre. Quando vai aos Estados Unidos, por exemplo, um brasileiro pode se assustar, mas não é permitido beber álcool nas ruas. Em determinados Estados, os fumantes não podem nem acender o cigarro na porta do bar.

Até por isso, há campanhas públicas em mão dupla. Os turistas terão orientações básicas quando chegarem, mas a população local também tem participado de campanhas para entender como pode ser diferente receber um italiano, um inglês e um brasileiro no meio de uma Copa.

"Nós estamos trabalhando em campanhas públicas. Como eu falei, há uma percepção errada sobre o que vestir, sobre o pode fazer ou não. Muitos falam sobre as diferenças de cultura, mas uma das coisas mais marcantes para a gente é a hospitalidade árabe", explicou Fatma. "Nós experimentamos nos eventos que fomos que os turistas normalmente gostam de experimentar a cultura local e respeitam isso", completou.

A gente tem enfrentado muitas críticas injustas, da imprensa principalmente. Estamos nos preparando há mais de 10 anos, então os ataques estão sendo longos. Na verdade, a gente espera que as pessoas que possam vir para a competição vão ver que tem um monte de mal entendido, um monte de erro na concepção do que acontece na nossa região. Acho que nada vai bater a experiência de a pessoa vir por ela mesmo e vivenciar essa questão na própria pele

Fatma Al Nuaimi

Uma mulher no poder

Em um mundo extremamente machista de forma global, Fatma enfrenta não só esse desafio, mas também o fato de ser uma mulher em posição de destaque em uma cultura onde os homens têm claros privilégios, às vezes garantidos por lei, em relação às mulheres.

Na organização desde 2013, ela foi alçada ao cargo atual em 2017 e admite que se sente privilegiada por isso. "Eu me lembro em 2006, quando o Qatar organizava uma competição estudantil e eu vi tudo sendo preparado para a torcida, para os competidores. E nunca imaginei que viveria algo como aquilo de novo. E agora o Qatar não só se candidatou a receber uma Copa, como ganhou. Então é a realização de um sonho", explicou.

"É emocionante ter esse trabalho. Não é um dia normal. Não é organizar um mês de futebol. A ambição do país de dar a oportunidade de mudar a percepção do que somos, é isso que me motiva. Usar o campeonato para mudar a visão do que somos, do que temos a oferecer. Não só como Qatar, mas também como mundo árabe", completou.

E o álcool?

Max Rossi/Reuters

Cerveja só em áreas específicas

Um dos assuntos que mais agitaram as últimas copas foi o tema do consumo de álcool dentro e fora dos estádios. No Brasil, uma nova lei foi colocada em vigor para permitir a cerveja nas arquibancadas. Na Rússia, as forças de segurança afrouxaram a rigidez com os copos nas mãos dos turistas nas ruas. E no Qatar? Como vai ser?

Fatma explica que, de fato, as bebidas alcoólicas não fazem parte do dia a dia árabe e que o consumo delas é proibido nas ruas e em locais públicos. Mas aí, mais uma vez, ela lembra da "hospitalidade árabe". A diretora ressalta que o país fará tudo o que for possível para deixar o turista se sentir em casa e disse que os flamenguistas que foram a Doha para o Mundial em 2019 já tiveram uma ideia de como será no Mundial.

"Para a gente, o álcool não é tão presente na cultura, mas a hospitalidade árabe é. Hoje em dia, tem álcool no Qatar em hotéis e em algumas áreas designadas para isso. Durante os torneios, vai ter álcool em áreas específicas, nas fan fests, por exemplo. Um do exemplo foi no Mundial de 2019, quando a gente teve 20 mil torcedores do Flamengo que vieram do Brasil. Eles tiveram uma área que estavam servindo álcool. E eles foram para os estádios depois disso. Vai estar disponível em áreas designadas para os torcedores que quiserem", explicou

Os estádios no Qatar

Peter Kneffel/picture alliance via Getty Images

Nada de elefante branco

Como gosta de repetir a organização, o Qatar teve o privilégio de saber que sediaria a Copa do Mundo mais de uma década antes. Com isso, foi possível que representantes do país viajassem pelos quatro cantos do planeta para entender como trabalhar com o dia seguinte ao término do evento. Uma das principais missões de Fatma é não deixar que as modernas e luxuosas arenas fiquem esquecidas no meio do deserto.

Com pelo menos US$ 6,5 bilhões em investimentos no geral, de acordo com a própria organização, o país terá estádios aclimatizados, com direito a saídas de ar refrigerado até mesmo para o campo para evitar que a alta temperatura prejudique o desempenho dos atletas. Tudo isso, no inverno local.

"Antes de começar a construir os estádios, a gente precisava entender as necessidades das áreas no entorno dos estádios. A gente consultou as vizinhanças, fizemos pesquisas para entender o que eles precisavam mais. Então alguns pediam mais instalações médicas, outros pediam mais escolas ou parques públicos, por exemplo", explicou.

"Então quando a gente construiu esses estádios, a gente também trouxe as necessidades para as pessoas e também para o país. Baseado nos padrões Fifa, temos um mínimo de capacidade. O estádio Al Wakrah, por exemplo, a gente vai reduzir de 40 mil lugares para 20 mil lugares. E vamos trabalhar para doar essas cadeiras para outros países que estão evoluindo na estrutura do futebol. O Lusail, que vai receber a final, a gente vai manter a aparência de estádio por fora, mas por dentro ele não vai ser mais um campo de futebol. Ele vai abrigar duas escolas e uma área comercial. E todos os outros estádios vão ter as capacidades reduzidas também ou até um que vai ser desmontado", completou.

Divulgação

Um estádio que vai desaparecer

O Ras Abu Aboud promete ser o primeiro estádio da história das copas que vai desaparecer logo depois da disputa do Mundial. Projetado com containers e blocos modulares, com cadeiras, banheiros e outras instalações removíveis, a arena de 40 mil pessoas vai ser desmontada e pode ter as suas peças usadas para a construção de arenas menores ou de outras instalações provisórias não só no Qatar, mas também nos países vizinhos.

"O Ras Abu Aboud é feito de containers, semelhantes aos de um navio e depois a gente vai desmontar tudo. Vai ser a primeira vez na história da Copa que vai ter um estádio que vai ser desmontado. É um estádio sustentável e é isso o que a gente busca nesta Copa", explicou Fatma.

Segundo dados repassados pelo comitê organizador, essa inovação significa que a construção produzirá menos lixo, exigirá menos material e reduzirá a emissão de carbono. Além disso tudo, o estádio ainda ficará numa região de porto, o que combinará totalmente com a "decoração" local.

Tiago Leme

Uma Copa sem aeroporto, com muito metrô e carro

Uma das características mais marcantes da Copa do Mundo do Qatar será a disputa de uma competição em um terreno tão reduzido. A maior distância entre dois estádios é de 75 quilômetros. Ou seja, quem chegar no aeroporto de Doha só precisará voltar para lá quando for voltar para casa. E isso inclui torcedores, trabalhadores e, claro, os jogadores.

Na última Copa, na Rússia, por exemplo, foram 11 sedes, com viagens que duravam mais de um dia se fossem feitas por trem. Em Doha, a promessa é que você poderá percorrer pelos oito estádios usando quase que só o metrô, que custará menos de US$ 1 o passe diário. Por conta disso, a aposta é que o torcedor consiga assistir aos três jogos realizados no mesmo dia.

"A maior distância para percorrer entre um estádio e outro vai ser de uma hora e os mais perto você vai gastar cinco minutos. A vantagem para os jogadores, especialmente agora o torneio vai acontecer no nosso inverno, que é quando os jogadores estarão no máximo de suas performances, é que eles não vão precisar viajar em diferentes cidades, eles podem ficar no mesmo hotel, no mesmo lugar para treinar. Para os torcedores, é bom porque eles não perderão tempo no aeroporto e poderão assistir a mais de um jogo por dia", explicou Fatma.

+ Especiais

Tiago Leme/UOL

Salário baixo, calor extremo e quarto com 12 pessoas mostram realidade dos trabalhadores da Copa.

Ler mais
Amilcar Orfali/Getty Images

Marcelo Gallardo: por que o ídolo do River Plate é o maior técnico da Libertadores nos últimos anos.

Ler mais
Buda Mendes/Getty Images

Enfim campeão: Messi leva Argentina ao título da Copa América contra Brasil e conquista glória que faltava.

Ler mais
Reprodução/Instagram

Após fim de romance com Viviane Araújo e depressão, lateral Radamés encontra a paz em Brasília.

Ler mais
Topo