Acidente 'misterioso' afastou fenômeno das motos e o fez chefe de equipe
Imagine viver sem se lembrar do momento que definiu todos os rumos de sua história. Em dezembro de 2012, o piloto de motos Felipe Zanol, então com 31 anos, passava pela melhor fase de sua carreira. Considerado um fenômeno e cotado para brigar para ser campeão do Rally Dakar num futuro próximo, ele foi para os Estados Unidos treinar e ajustar sua moto para a edição 2013 da famosa competição. Mas, em uma de suas saídas para as trilhas de terra, tudo apagou. Um acidente grave mudou a vida do mineiro, que enfrentou um coma, passou a se locomover de cadeira de rodas e teve de lutar muito para dar a volta por cima.
Um detalhe é que nunca se soube o que houve naquela sessão de treinos no deserto de Mojave, na Califórnia. A força do impacto e as dificuldades de remoção e recuperação apagaram as memórias de Zanol. Quem chegou à cena também não conseguiu desvendar o que ocorreu. Sem saber o que lhe derrubou, restou ao brasileiro seguir o jogo. Hoje, não pilota mais profissionalmente, virou chefe de uma vencedora equipe com novos talentos e dia a dia evolui fisicamente para levar uma vida normal.
O mineiro, hoje com 33 anos, considera que algum erro que cometeu causou a queda. “Nunca fui um cara de muitos acidentes, sempre tentei trabalhar dentro do meu limite. Mas com certeza cometi um erro, ou ao acreditar muito na moto, ou por não saber que estava acima do meu limite. Hoje é triste falar isso porque não consigo voltar para trás. Fui um erro que quase custou minha vida, fiquei dez dias em coma e não tenho memória nem de antes e nem depois”, conta o piloto.
Zanol estava em um circuito de 50 km, sem ninguém de sua equipe por perto. “O que sei é que eu sofri o acidente e o outro piloto que estava na equipe chegou 30 minutos depois. Fiquei esperando o helicóptero pousar por mais uma hora. Ainda teve de mudar o helicóptero. Mas não achamos que a demora tenha piorado a situação. Tive um traumatismo crânio-encefálico, mas o impressionante é que não tive fratura óssea nenhuma. Acho que sou o Homem de Ferro”, brinca ele.
A queda foi a 100 km/h, o que ficou registrado nos dados da moto, e o impacto na terra foi bem maior do que se estivesse numa pista de asfalto - terreno bem mais regular. O capacete ficou todo amassado, mas suportou o impacto. “Sou grato a Deus por continuar aqui mais um pouco. Pelas proporções do acidente, não era para eu esta aqui”, admite.
A recuperação nos EUA, que durou 45 dias, foi apagada da memória de Zanol, que tem lembranças de um jantar com um diretor do hospital, apenas, e só passou a ter recordações frequentes na volta ao Brasil. De cadeira de rodas, ele teve uma longa jornada lutando para recuperar sua mobilidade. Hoje, considera estar com 90% de condições físicas. O lado esquerdo foi o mais afetado. Ele ainda tem espaço para melhorar na coordenação fina da mão, manca ao andar, mas voltou a fazer corridas. O objetivo é participar de uma corrida de rua beneficente, em maio. Dois anos depois de voltar ao país sem andar, a atual condição é uma vitória tão marcante quanto as que teve na pista.
De piloto a chefe de equipe
Felipe Zanol vivia seu auge como motociclista quando o acidente interrompeu sua carreira. Seu início no mundo da velocidade foi como um garoto que acompanhava o pai nos fins de semana dirigindo motos. A coisa ficou séria a ponto de ele querer competir e, em 2003, com 22 anos, ele ganhou seu primeiro título. Um sonho de dez anos, ele foi para a Europa disputar o Mundial de Enduro na sorte e conseguiu um contrato com uma equipe portuguesa.
Em 2010, voltou ao Brasil e partiu para o Rally dos Sertões. Depois de dois vice-campeonatos, foi o vencedor em 2012 e estes resultados o levaram ao Dakar. “Tive uma participação no Dakar em que terminei como segundo melhor estreante e décimo colocado no geral, então foi uma estreia promissora, até os melhores pilotos me elogiaram e falaram que eu podia ir longe”, relata ele.
“Eu sinto que estava me aproximando do meu auge na carreira. Mas hoje me sinto um cara satisfeito profissionalmente. Conquistei todos os títulos a que me dispus, fui 7º colocado no Mundial. Ficou faltando um detalhe que era um pódio no Dakar”, explica.
O fato de não estar 100% fisicamente o faz deixar longe qualquer ideia de voltar a competir como antes. “É até estranho falar isso. Mas não tenho mais nenhuma vontade de competir, por enquanto. Pode ser passageiro, acho que é pela situação física que tenho. Para retornar longe do nível que eu tinha, eu não teria vontade. Gosto da vitória, e dá trabalho. Não tenho vontade de ser segundo ou terceiro”.
Com isso na cabeça, mas ainda com vontade de contribuir para o esporte, ele acabou virando chefe de equipe. Por ideia da Honda, sua antiga patrocinadora, e com apoio da Red Bull, foi lhe dado um time para que gerenciasse. Hoje, ele tem 12 títulos em 13 competições em que esteve como diretor.
“Nem quando eu corria tinha esse retrospecto (risos). Foi uma motivação extra para mim e hoje consigo passar um pouco da experiência, tento trabalhar com pilotos jovens, que é a área em que se precisa de mais apoio”, afirma o mineiro, animado com sua nova vida.
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