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Obcecado pela vitória, Ricardinho revolucionou o vôlei por acaso

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

28/08/2014 06h00

Um número muito pequeno de atletas se torna sinônimo de títulos. Mais restrito ainda é o grupo de profissionais que muda a maneira como um esporte é praticado. Entre os integrantes deste seleto grupo está o levantador Ricardinho, uma espécie de Steve Jobs do vôlei. Como o gênio da tecnologia, o jogador fez o vôlei de seus antecessores parecer tão ultrapassado quanto um celular com tela preto e branco.

Desde o juvenil, Ricardinho era apontado como um prodígio, e a revolução começou quando se juntou a Giba e seus contemporâneos na seleção brasileira. Sucedendo a lenda Maurício, Ricardinho encontrou um time que não tinha a força física e altura para enfrentar seus principais adversários, como a Rússia, por exemplo. Coube ao levantador encontrar a solução que embasou a construção do grupo mais vitorioso da história do vôlei. Ele acelerou o jogo e acumulou títulos, incluindo o ouro olímpico.

 “Não importava o lugar na quadra. Eu sempre tentava fazer a bola chegar no mesmo lugar e velocidade para o atacante”, lembra Ricardinho. Ele reparte os méritos e ressalta que o Brasil tinha jogadores que eram os melhores em suas posições como Giba, André Nascimento e Escadinha. Focado na vitória, ele nem percebeu que o grupo estava reescrevendo o modo como o vôlei é praticado.

A rapidez de suas jogadas diminuía o tempo para a defesa reagir, e as maiores potências mundiais simplesmente não conseguiam acompanhar o ritmo implementado pelo levantador. Aos poucos, quem sonhava em ganhar um campeonato precisava superar o jeito brasileiro e levar o esporte para outro patamar.

O mais curioso é que Ricardinho não planejava fazer uma revolução no vôlei, mas apenas erguer troféus. “Naquele momento não tinha ideia que estava revolucionando o esporte. Era uma busca por perfeição e entrosamento”.

Ricardinho conta que para o time jogar por música era preciso muito tempo em quadra treinando e longas horas de conversa com os companheiros. Com o líbero Serginho, o assunto era onde receber o passe para ter as melhores opções. Com os pontas o papo era onde por a bola para o ataque.

O levantador diz que conforme as competições se sucediam os adversários buscavam antídotos para o jogo brasileiro e era preciso se reinventar. Nasciam jogadas nunca imaginadas. “Loucuras”, na definição do próprio Ricardinho, termo que dá ideia do quão ousadas eram. O atleta diz que antes de experimentar as jogadas comunicava ao técnico Bernardinho.

“Tinha essa conversa primeiro e às vezes ele falava "isso é muito", ou dava permissão. Muitas vezes a gente errava, mas repetia, e a vontade fez a equipe quase perfeita. Hoje em dia, as pessoas tentam e obviamente não fazem as coisas que o Giba fazia”.

O embrião desta forma revolucionária de atuar surgiu quando o atleta era um adolescente. Com esta idade ele já acelerava os levantamentos, mas os resultados eram bem diferentes. Muitas vezes a bola ia na antena ou na quadra adversária. Eram tempos em que Ricardinho ouvia que tinha talento e que faltava cabeça.

Nestes dias moldava sua técnica de contato com a bola. Para isto, passava horas na frente da televisão vendo gravações de partidas de vôlei de seleções internacionais. Mesmo jovem, ele não via com olhos de fã, mas como um profissional, e estudava como agiam os levantadores das principais seleções do mundo.

Escolheu o melhor de cada escola: não segurar a bola na mão como fazem os asiáticos; atacar de segunda bola ao melhor estilo americano; ou fingir atacar como faziam os franceses. Com o talento que trouxe de berço, conseguiu dominar estes fundamentos e neste momento nascia o atleta que entrou para o grupo mais seleto do esporte.

Ricardinho foi tão bom que fez o mundo tentar imitá-lo. Ninguém conseguiu.