Corajosa, Monica Iozzi revê seu papel ao "dar palanque" a Bolsonaro no CQC
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Monica Iozzi mexeu num vespeiro na madrugada desta quarta-feira (02), no "Conversa com Bial". Corajosa, ela fez uma autocrítica sobre o seu papel como repórter do "CQC", um formato da produtora argentina Cuatro Cabezas exibido pela Band entre 2008 e 2015.
Monica, que foi repórter do programa entre 2009 a 2013, considera hoje que ajudou a ampliar o alcance do discurso de ódio do então deputado Jair Bolsonaro. "Eu nunca consegui ter essa visão mais ampla, essa visão pensando a médio e a longo prazo, de que, ao invés de estar fazendo uma denúncia, eu poderia estar dando palanque, eu poderia estar aumentando o alcance daquele discurso".
Que fique claro: a atriz não responsabilizou o programa pela eleição de Bolsonaro como presidente. Ela apenas se disse arrependida de ter dado voz, tantas vezes, a uma pessoa que "sabia que podia se utilizar daquela visibilidade que o programa proporcionava para espalhar o seu discurso".
Sem formação jornalística, como a maior parte dos integrantes do "CQC", Monica não culpa a ingenuidade ("eu já era uma mulher de 28 anos"), mas reconhece que não tinha uma percepção clara sobre o seu trabalho. "Eu me arrependo muito de ter falado com ele tantas vezes".
Responsável por provocar Monica a fazer uma autocrítica, Pedro Bial também não se isentou de responsabilidade. "A gente se ilude. A gente sabe o que está mostrando, mas não sabe como chega no espectador".
Reproduzo abaixo os principais trechos da entrevista.
Bial: Monica, no CQC, você entrevistou diversas vezes o Bolsonaro. Vamos rever uma dessas vezes. Foi por ocasião de um anúncio do papa Bento 16, que disse que tolerava o uso de camisinha como maneira de prevenir a Aids. Aí você foi repercutir com Jair Messias. O deputado Bolsonaro, é visível neste episódio, adorava dar entrevista. Por que o presidente detesta?
Monica: Ele adorava dar entrevistas porque ele foi muito mais inteligente do que nós, do CQC. Posso falar só por mim, né? Vou falar só por mim. Ele foi muito mais inteligente do que eu. Ele sabia que podia se utilizar daquela visibilidade que o programa proporcionava para espalhar o seu discurso. E ele ainda não era um cara muito conhecido. Então, para ele, era bom: vou aqui divulgar as minhas ideias, a minha plataforma.
Bial: Não foi só o CQC. Vários e vários programas de televisão adoravam ter o Bolsonaro porque a repercussão era garantida, a controvérsia... Será que nós, da televisão, deveríamos fazer algum tipo de autocrítica, pensar se a gente funciona desse jeito, só reativamente, e acaba servindo a causas que não necessariamente queríamos servir?
Monica: Claro. Foi o assunto que mais ficou reverberando na minha cabeça para fazer esta entrevista foi este. A gente tem que falar, sim. Quem mais deu voz ao Jair Bolsonaro, que fez com que ele depois fosse convidado para outros programas, foi o CQC. A gente não pode se eximir dessa culpa e, sim, eu me arrependo muito de ter falado com ele tantas vezes. Acho que ingenuidade soa estranho, né? Eu já era ali uma mulher de 28 anos, eu sabia o que estava fazendo, apesar de não ter uma formação jornalística. Mas eu nunca consegui ter essa visão mais ampla, essa visão pensando a médio e a longo prazo, de que, ao invés de estar fazendo uma denúncia, eu poderia estar dando palanque, eu poderia estar aumentando o alcance daquele discurso.
A minha vontade sempre foi de denunciar, era de mostrar como é possível que nós tenhamos um parlamentar com esse nível intelectual, e quando digo intelectual não estou falando de ter feito uma faculdade, ou não. Estou falando de ter o domínio básico para você poder exercer um cargo público. Jair Bolsonaro não tem isso.
A gente queria mostrar o quanto o trabalho dele era irrelevante. Depois desse primeiro momento, de mostrarmos a incompetência dele, como mostrávamos a de outros políticos também, aí ele começou a se sentir mais à vontade e começou a fazer os discursos de ódio. Eu não tive naquele momento essa noção.
Bial: A gente se ilude. A gente sabe o que está mostrando, mas não sabe como chega no espectador. Cada espectador. Isso é misterioso. E segundo é que nós também vivemos numa bolha, a bolha da imprensa, a bolha de um certo pensamento de quem faz televisão, e a outra bolha estava adorando, estava se reconhecendo nas coisas que ele estava dizendo.
Monica: Pensando a respeito, depois de todo esse tempo, me ocorreu uma coisa. Se você for na Alemanha, você não vai ter espaço na TV para pessoas que relativizam o Holocausto. Eu acho que a gente precisa começar a ter, em relação ao discurso de ódio, esse tipo de intolerância. Às vezes têm coisas que não podem ser toleradas. Então, ao invés de a gente propagar pessoas que têm discurso racista, homofóbico... É que Bolsonaro juntava todos, né? Nessa imagem que apareceu agora ele tava defendendo o fato de que o SUS não tem que pagar o tratamento para uma pessoa que tem HIV porque, se ela tem HIV, ela pegou porque ela quis.
Ele engloba todos os discursos de ódio em uma pessoa só. A gente deveria começar a olhar para esses discursos com total intolerância, que é o que eles fazem na Alemanha com o nazismo. Não vamos dar voz a uma pessoa que diminui os negros e que defende violência contra LGBT.
Bial. Ou, como você mesmo disse, tem lei. No momento em que o cara faz apologia da tortura, por exemplo, tem lei contra isso. Já existe. Agora, aplicá-la...
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