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REPORTAGEM

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O amor tem sempre a porta aberta: 25 anos sem Renato Russo

Colunista do UOL

08/10/2021 04h00

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Na 98ª edição do podcast da Página Cinco:

- Papo com Arthur Dapieve e Carlos Marcelo, biógrafos de Renato Russo. Carlos é autor de "Renato Russo - O Filho da Revolução" (Planeta), já Arthur escreveu "Renato Russo, O Trovador Solitário" (Agir).

Alguns destaques do papo:

Camadas das letras

Carlos: Até hoje descubro aspectos e citações do Renato que me vêm à cabeça e eu penso: poxa, poderia ter colocado isso no livro. Ou seja, é uma obra que ainda está sendo descoberta. Ele deixou muitas e muitas camadas de interpretação em suas letras.

Obra que segue

Arthur: A vida da Legião, do Renato, não termina ali. A vida no sentido artístico. Pelo contrário. Ela reverbera desde então na cabeça de gerações de brasileiros. Isso aumentou a minha admiração pelo trabalho. Vi que algumas coisas que o Renato tinha me dito, que queria fazer uma música que poderia ser compreendida aqui e agora, em Vila Rica do século 17 ou em Nagoia, no Japão, no século 23. Ele dizia isso, da deliberação de tirar referências temporais ou geográficas muito claras das letras. E funcionou. Gerações e gerações de adolescentes e até crianças ainda curtem as músicas hoje em dia, tanto da Legião quando dos discos solos.

Biografias de personagens ricos

Arthur: Acho que haverá, no futuro, espaço para outras biografias do Renato, feitas por pessoas que não o viram no palco, que pegaram só a lenda e não conheceram a pessoa, os amigos. São camadas. É um personagem muito rico, tanto que tem duas biografias, e isso não é comum no Brasil. No Brasil, normalmente uma pessoa, com sorte, tem uma biografia, não duas. E isso deveria ser praxe: personagens muito ricos deveriam ter muitas biografias.

Livros

Carlos: Os livros eram as grandes influências do Renato. Quantos e quantos jovens descobriram "A Montanha Mágica" porque era o título de uma música da Legião Urbana? Uma das entrevistas que ele teve mais orgulho de ter concedido foi para o caderno Ideias, do Jornal do Brasil, por ter sido ouvido para falar sobre literatura, não sobre música.

Choque com a morte

Arthur: Como o Cazuza teve a opção de experimentar a doença em público, nós sabíamos que o Cazuza iria morrer. Naquele tempo, HIV era uma sentença de morte. O Renato, embora pegue uma fase de transição - alguns contemporâneos do Renato tiveram sobrevida -, era uma surpresa, ninguém sabia exatamente, até porque ele dizia que lutava muito contra essa contaminação... Então foi um choque, até porque a Legião Urbana era uma banda muito mais popular do que o Barão Vermelho.

Incontornável

Carlos: O Renato foi autor de várias proezas com seus versos, com as músicas que ele interpretou. O Arthur falou que "Perfeição" é um hino nacional brasileiro, um hino nacional popular. E digo mais: "Que País é Este" é um hino popular, "Faroeste Caboclo" é uma expressão que, até mais do que a música, está incorporada no imaginário brasileiro. Mesmo quem não gosta de Legião Urbana, conhece Legião Urbana. A Legião Urbana é incontornável. A poesia do Renato é incontornável. Mesmo as novas gerações esbarram em referências à Legião Urbana... São músicas que não pertencem mais ao Renato, pertencem ao imaginário coletivo brasileiro.

Renato e Bob Dylan

Arthur: Boa parte das letras do Renato, ainda mais da maturidade, se sustenta sem música, se sustenta como leitura. Acho que esse é um teste diferencial. Quando Bob Dylan ganha o Nobel de Literatura, tem uma relação muito corporativa de alguns escritores dizendo que ele não era poeta, que era um músico popular. Ora bolas, a obra dele é mais popular do que a obra de todos os que reclamaram juntos. O Renato adoraria essa comparação: você pode pegar o livro de letras do Bob Dylan na estante e ler como se fosse poesia. Ou até mais: ler como se fossem escrituras. Se a nossa civilização acabasse, algo que não é nada improvável, e restasse escondido um volume com a obra completa do Bob Dylan, algum sobrevivente tornaria aquilo ali o seu mito fundador.

Literatura, cinema

Carlos: O Renato também escreveu crônicas. "Dezesseis" é uma crônica de Brasília. "Faroeste Caboclo", nem se fala. Era como se o Renato tirasse uma foto instantânea e ali você já entendia tudo. Algumas músicas são muito diretas, são cenas. Isso corrobora as três etapas de vida que o Renato pretendia cumprir: se dedicar à música popular no início, depois cinema e depois literatura, ou ao contrário, mas ele não queria viver apenas a experiência do rock.

Visão do Brasil

Arthur: Ele faz, no decorrer da vida, vários alertas sobre a volta do fascismo, o que, na hora em que ele falava, parecia algo muito distante. Ele falava no palco: "Eu amo quem eu quiser", isso é tão revolucionário hoje quanto era quando ele disse em 1994. A gente não pode imaginar como estaria a cabeça dele hoje, mas aquilo que nós temos para nos apegar a como ele via o Brasil está nas letras. Inclusive porque o Brasil não mudou tanto assim.

Letras atemporais

Carlos: Toda vez em que o Renato canta sobre a condição humana, essas letras continuam batendo em jovens de 15 anos, essas letras continuam fazendo sentido. Algumas músicas como "Tempo Perdido", "Vento no Litoral", "Andrea Doria", "Angra dos Reis", esses versos são atemporais, o que é uma marca das grandes obras literárias. Aí sim ele se aproxima dos grandes mestres da literatura.

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