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OPINIÃO

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Toda boazinha? Rita Lee fez sucesso com livro por não ser chata pra caralh*

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

09/05/2023 13h40

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É bom trombar pela internet com um vídeo no qual Rita Lee, que morreu ontem aos 75 anos, fala sobre uma pessoa toda boazinha, toda do bem, tão galera, tão boa gente. Uma chata. Uma pessoa chata pra caralh*. A artista nunca teve problemas para fazer bom uso das palavras.

Justamente por não tentar se apresentar como uma personagem pasteurizada que a cantora causou ótima impressão com "Rita Lee - Uma Autobiografia", livro lançado pela Globo Livros em 2016. Na obra, Rita expõe sua complexidade, escancara problemas pelos quais passou, não tenta se santificar nem se demoniza.

Num texto bem fragmentado, passa pela carreira na música, claro. Deixa a sua mirada sobre a ascensão como artista e a vida ao lado de estrelas de diferentes calibres. O volume é um excelente compêndio de causos bem contados. De passagens como o tempo em que ficou presa ou a das cobras que Rita, digamos, confiscou de Alice Cooper. É uma história pessoal narrada com boas doses de alegrias, perrengues e aventuras.

E também é um generoso exercício de entendimento dos próprios problemas, virtudes e contradições. Rita ganha o leitor pela franqueza e pelo olhar afiado sobre si, traços nem tão comuns de se encontrar em autobiografias.

Em 2019 o livro já tinha vendido mais de 350 mil exemplares. Fez mesmo sucesso ao ser lançado. Gente que não curtia muito as músicas nem ia tanto com a cara da artista passou a ter simpatia por Rita após conhecer essa versão de sua caminhada, boa prova de ego razoavelmente domado num trabalho do gênero.

Rita Lee lançou outros livros. Em "Dropz" mostrou seu lado contista. Em "Amiga Ursa: Uma História Triste, Mas Com Final Feliz" levou para a literatura infantil o seu amor aos animais. Em "FavoRita", só para ficar em mais um exemplo, compilou material referente a 50 anos de carreira.

Deixou ainda um segundo registro biográfico. "Rita Lee - Outra Autobiografia" deve chegar às livrarias no próximo dia 22 e promete trazer escritos da artista sobre a vida durante a pandemia e a luta contra o câncer de pulmão.

Capa da autobiografia de Rita Lee, que traz o primeiro RG da cantora, datado de 1966 - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

A minha aposta é que a primeira autobiografia, feita em parceria com o jornalista Guilherme Samora, seja mesmo o livro mais lembrado quando formos pensar em Rita como autora. Em certa altura daquele trabalho, ela aponta que o fim da vida de um roqueiro é clichê dos mais previsíveis. Então lista as prováveis causas da morte: overdose, aids, garoto-propaganda de causas "nobres" de governos corruptos, revivals banguelas comemorando glórias do passado, ficar bilionário e fazer show para alimentar o ego?

"Quanto a mim, nenhuma das opções acima", crava. "Sou da classe sobrevivente dos sáurios: Tiranassaura Regina".

Rita morreu em sua casa, em São Paulo, onde estava com a família. Enfrentava problemas de saúde, sabemos. Como artista, entre altos e baixos comuns numa carreira tão longeva, persistiu. Não se tornou uma roqueira morta em vida.

As últimas palavras de sua autobiografia publicada em 2016 mostram uma mulher satisfeita com a vida que compôs: "A sorte de ter sido quem sou, de estar onde estou, não é nada comparada ao meu maior gol: sim, acho que fiz um monte de gente feliz".

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