Bêbado em ensaio e acordo rompido: o último mês de Cazuza no Barão Vermelho
O último mês de Cazuza como vocalista do Barão Vermelho foi marcado por conflitos com os colegas de grupo. A banda, que preparava o lançamento de seu quarto álbum na época, perdeu seu principal destaque em 1985 e precisou se desdobrar para o disco "Declare Guerra" no ano seguinte.
Cazuza foi o primeiro a deixar a formação original do grupo, que contava com o guitarrista Frejat — que assumiu os vocais com a saída do titular —, o tecladista Maurício Barros, o baixista Dé Palmeira e o baterista Guto Goffi.
Maurício, 58, e Guto, 60, os únicos remanescentes da banda que está completando 40 anos de seu primeiro disco, em 2022, conversaram com Splash sobre o último mês de Cazuza no comando do Barão Vermelho.
Quando da saída do cantor e compositor, a banda, formada quatro anos antes, era uma das referências do rock nacional. O terceiro álbum do grupo, "Maior Abandonado" (1984), é considerado o principal do Barão Vermelho e vendeu mais de 100 mil cópias em seis meses, segundo a revista Rolling Stone.
O sucesso do disco também cresceu pela presença da faixa "Bete Balanço", título de um filme da época dirigido por Lael Rodrigues. Débora Bloch e Lauro Corona foram os protagonistas do longa.
Antes, os músicos trabalharam os lançamentos de "Barão Vermelho" (1982) e "Barão Vermelho 2" (1983). O segundo disco trouxe "Pro Dia Nascer Feliz", um dos principais sucessos da carreira do grupo.
Com a canção, o Barão Vermelho foi um dos destaques da primeira edição do Rock in Rio, em janeiro de 1985, meses antes da saída do vocalista. "Que o dia nasça lindo para todo mundo amanhã. Com um Brasil novo, com uma rapaziada esperta", disse Cazuza durante a apresentação.
Problemas em ensaios
Em julho de 1985, o Barão Vermelho se preparava para a gravação do quarto álbum. Os integrantes ensaiaram por aproximadamente trinta dias em um estúdio no Rio de Janeiro com raras aparições de Cazuza.
"Ele já vinha 'derrapando', dando a entender que ele queria sair da banda. Acontecia muito de o público gritar 'Cazuza' nos shows, e ele ficava muito feliz de ser citado individualmente", lembrou o baterista Guto Goffi.
Os músicos aproveitavam para alinhar detalhes das melodias durante a preparação do projeto. Segundo Maurício e Guto, Cazuza causou uma situação desconfortável durante uma das visitas ao estúdio.
Ficamos um mês ensaiando, e o Cazuza apareceu no estúdio uma ou duas vezes. Em uma delas, ele chegou completamente bêbado. Ele entrou no estúdio e não conseguiu acertar as entradas nas músicas.
Maurício Barros
"Cazuza tinha dado uma entrevista para a revista Bis com o Lobão, e os dois beberam durante o papo", lembrou o tecladista sobre o ocorrido.
O responsável pela produção musical do novo disco foi Ezequiel Neves, que acompanhava a banda desde 1981. Ele morreu em 2010, aos 74 anos, em decorrência de um tumor no cérebro.
Cazuza não cumpriu acordo
"Ele tinha essa vontade de sair da banda, mas, depois de uma conversa séria, ficou combinado que nós gravaríamos o quarto álbum juntos", comentou Guto sobre o trato entre o cantor e a banda feito em 1985.
"Ficamos ensaiando até uma sexta-feira, e nós começaríamos as gravações do disco, com estúdio marcado, contrato assinado com a Som Livre e tudo, na segunda-feira. Ainda na sexta-feira ele marcou uma reunião para comunicar a saída", contou o baterista.
O rompimento também fez o Barão Vermelho perder músicas que estavam no repertório do novo álbum. Sem Cazuza, o grupo continuou trabalhando para divulgar o disco "Declare Guerra" em 1986, mas teve dificuldades para concluir a produção sem o seu principal compositor.
"Entrou a nossa facilidade em montar um repertório. A gente sentava para fazer música, ia se ajudando. As primeiras parcerias foram "Torre de Babel" e "Declare Guerra". A coisa foi fluindo. Por mais que pareça ruim o momento, você percebe que é uma abertura. Frejat começou a cantar, e eu fiquei escrevendo. Tem todo esse processo de maturação", afirmou Guto.
Segundo Maurício Barros, a divisão das músicas seguiu a seguinte lógica: o que era composto por algum integrante do Barão Vermelho ficava com a banda. Ezequiel Neves seguiu como produtor musical no projeto.
"A gente chegou a ensaiar "Exagerado", composição do Cazuza com o Leone, mas ficou para o disco solo dele", lembrou o tecladista.
"Foi quase um 'acordo de cavalheiros'. Éramos todos muito jovens, mas tivemos bom senso. O Barão também chegou a ensaiar 'Rock da Descelebração', 'Balada de um Vagabundo', em que o Frejat participou da composição, mas também ficou com ele", completou Maurício.
O que aconteceu depois?
Cazuza, que morreu em julho de 1990 vítima da Aids, sentiu as primeiras febres no ano em que deixou o Barão Vermelho. Um diagnóstico confirmou a doença em 1987.
Nos cinco anos em que seguiu carreira solo, o cantor lançou quatro álbuns: "Exagerado" (1885), "Só se For a Dois", (1987), "Ideologia" (1988) e "Burguesia" (1989).
"Eu fiquei muito chateado quando ele saiu da banda, mas isso foi consertado rapidamente quando soubemos da doença logo em seguida. Ele começou a lutar pela sobrevivência, o que diluiu esse sentimento ruim. Ciúme e orgulho não deveriam existir nas relações de quem se ama", comentou Guto.
O baterista afirmou que os membros da banda mantinham uma relação "de irmãos", o que também fazia Cazuza se sentir protegido. Ele acredita que o sucesso da banda combinou com o momento mais feliz da vida dos cinco integrantes.
"Cazuza fez muita coisa precocemente porque desconfiava de que a vida seria breve. Ele se envolveu com drogas cedo, botou para fora tudo o que queria de uma forma muito rápida. Acredito que essa carreira solo, quando ele deixou o Barão, aconteceu uma angústia de fazer o máximo de coisas para fora", concluiu.
Após "Declare Guerra", o Barão Vermelho também seguiu caminho com outros nove álbuns de estúdio: "Rock'n Geral" (1987), "Carnaval" (1988), "Na Calada da Noite" (1990), "Supermercados da Vida" (1992), "Carne Crua" (1994), "Álbum" (1996), "Puro Êxtase" (1998), "Barão Vermelho" (2004). O mais recente é "Viva", já com Rodrigo Suricato substituindo Frejat, que deixou o grupo em 2017.
"A música 'Eu Queria ter uma Bomba' gerava um certo ranço da banda. Foi a última música do Cazuza com a gente, praticamente apresentando a carreira solo, então pegamos raiva. O Suricato bateu o pé, a gente montou uma versão para shows e virou outra coisa com ele interpretando", afirmou Maurício Barros.
O músico disse que toda a experiência da banda, incluindo os atritos na década de 1980, foi fundamental para que o Barão Vermelho celebrasse o sucesso após 40 anos.
"Parece que nós vivemos e aprendemos tanto em tão pouco tempo. Nós vivemos 15 anos em três. Construímos as bases do que seria nossa vida profissional e estamos aqui até hoje", concluiu o tecladista.
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