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Bêbado em ensaio e acordo rompido: o último mês de Cazuza no Barão Vermelho

Cazuza, primeiro vocalista do Barão Vermelho, deixou a banda em 1985 - Reprodução
Cazuza, primeiro vocalista do Barão Vermelho, deixou a banda em 1985 Imagem: Reprodução

De Splash, em São Paulo

30/08/2022 04h00Atualizada em 30/08/2022 15h12

O último mês de Cazuza como vocalista do Barão Vermelho foi marcado por conflitos com os colegas de grupo. A banda, que preparava o lançamento de seu quarto álbum na época, perdeu seu principal destaque em 1985 e precisou se desdobrar para o disco "Declare Guerra" no ano seguinte.

Cazuza foi o primeiro a deixar a formação original do grupo, que contava com o guitarrista Frejat — que assumiu os vocais com a saída do titular —, o tecladista Maurício Barros, o baixista Dé Palmeira e o baterista Guto Goffi.

Maurício, 58, e Guto, 60, os únicos remanescentes da banda que está completando 40 anos de seu primeiro disco, em 2022, conversaram com Splash sobre o último mês de Cazuza no comando do Barão Vermelho.

Quando da saída do cantor e compositor, a banda, formada quatro anos antes, era uma das referências do rock nacional. O terceiro álbum do grupo, "Maior Abandonado" (1984), é considerado o principal do Barão Vermelho e vendeu mais de 100 mil cópias em seis meses, segundo a revista Rolling Stone.

O sucesso do disco também cresceu pela presença da faixa "Bete Balanço", título de um filme da época dirigido por Lael Rodrigues. Débora Bloch e Lauro Corona foram os protagonistas do longa.

Antes, os músicos trabalharam os lançamentos de "Barão Vermelho" (1982) e "Barão Vermelho 2" (1983). O segundo disco trouxe "Pro Dia Nascer Feliz", um dos principais sucessos da carreira do grupo.

Com a canção, o Barão Vermelho foi um dos destaques da primeira edição do Rock in Rio, em janeiro de 1985, meses antes da saída do vocalista. "Que o dia nasça lindo para todo mundo amanhã. Com um Brasil novo, com uma rapaziada esperta", disse Cazuza durante a apresentação.

Problemas em ensaios

Em julho de 1985, o Barão Vermelho se preparava para a gravação do quarto álbum. Os integrantes ensaiaram por aproximadamente trinta dias em um estúdio no Rio de Janeiro com raras aparições de Cazuza.

"Ele já vinha 'derrapando', dando a entender que ele queria sair da banda. Acontecia muito de o público gritar 'Cazuza' nos shows, e ele ficava muito feliz de ser citado individualmente", lembrou o baterista Guto Goffi.

Os músicos aproveitavam para alinhar detalhes das melodias durante a preparação do projeto. Segundo Maurício e Guto, Cazuza causou uma situação desconfortável durante uma das visitas ao estúdio.

Ficamos um mês ensaiando, e o Cazuza apareceu no estúdio uma ou duas vezes. Em uma delas, ele chegou completamente bêbado. Ele entrou no estúdio e não conseguiu acertar as entradas nas músicas.
Maurício Barros

"Cazuza tinha dado uma entrevista para a revista Bis com o Lobão, e os dois beberam durante o papo", lembrou o tecladista sobre o ocorrido.

O responsável pela produção musical do novo disco foi Ezequiel Neves, que acompanhava a banda desde 1981. Ele morreu em 2010, aos 74 anos, em decorrência de um tumor no cérebro.

A formação original do Barão Vermelho - Reprodução - Reprodução
A formação original do Barão Vermelho
Imagem: Reprodução

Cazuza não cumpriu acordo

"Ele tinha essa vontade de sair da banda, mas, depois de uma conversa séria, ficou combinado que nós gravaríamos o quarto álbum juntos", comentou Guto sobre o trato entre o cantor e a banda feito em 1985.

"Ficamos ensaiando até uma sexta-feira, e nós começaríamos as gravações do disco, com estúdio marcado, contrato assinado com a Som Livre e tudo, na segunda-feira. Ainda na sexta-feira ele marcou uma reunião para comunicar a saída", contou o baterista.

O rompimento também fez o Barão Vermelho perder músicas que estavam no repertório do novo álbum. Sem Cazuza, o grupo continuou trabalhando para divulgar o disco "Declare Guerra" em 1986, mas teve dificuldades para concluir a produção sem o seu principal compositor.

"Entrou a nossa facilidade em montar um repertório. A gente sentava para fazer música, ia se ajudando. As primeiras parcerias foram "Torre de Babel" e "Declare Guerra". A coisa foi fluindo. Por mais que pareça ruim o momento, você percebe que é uma abertura. Frejat começou a cantar, e eu fiquei escrevendo. Tem todo esse processo de maturação", afirmou Guto.

Segundo Maurício Barros, a divisão das músicas seguiu a seguinte lógica: o que era composto por algum integrante do Barão Vermelho ficava com a banda. Ezequiel Neves seguiu como produtor musical no projeto.

"A gente chegou a ensaiar "Exagerado", composição do Cazuza com o Leone, mas ficou para o disco solo dele", lembrou o tecladista.

"Foi quase um 'acordo de cavalheiros'. Éramos todos muito jovens, mas tivemos bom senso. O Barão também chegou a ensaiar 'Rock da Descelebração', 'Balada de um Vagabundo', em que o Frejat participou da composição, mas também ficou com ele", completou Maurício.

O que aconteceu depois?

Cazuza, que morreu em julho de 1990 vítima da Aids, sentiu as primeiras febres no ano em que deixou o Barão Vermelho. Um diagnóstico confirmou a doença em 1987.

Nos cinco anos em que seguiu carreira solo, o cantor lançou quatro álbuns: "Exagerado" (1885), "Só se For a Dois", (1987), "Ideologia" (1988) e "Burguesia" (1989).

"Eu fiquei muito chateado quando ele saiu da banda, mas isso foi consertado rapidamente quando soubemos da doença logo em seguida. Ele começou a lutar pela sobrevivência, o que diluiu esse sentimento ruim. Ciúme e orgulho não deveriam existir nas relações de quem se ama", comentou Guto.

O baterista afirmou que os membros da banda mantinham uma relação "de irmãos", o que também fazia Cazuza se sentir protegido. Ele acredita que o sucesso da banda combinou com o momento mais feliz da vida dos cinco integrantes.

"Cazuza fez muita coisa precocemente porque desconfiava de que a vida seria breve. Ele se envolveu com drogas cedo, botou para fora tudo o que queria de uma forma muito rápida. Acredito que essa carreira solo, quando ele deixou o Barão, aconteceu uma angústia de fazer o máximo de coisas para fora", concluiu.

Após "Declare Guerra", o Barão Vermelho também seguiu caminho com outros nove álbuns de estúdio: "Rock'n Geral" (1987), "Carnaval" (1988), "Na Calada da Noite" (1990), "Supermercados da Vida" (1992), "Carne Crua" (1994), "Álbum" (1996), "Puro Êxtase" (1998), "Barão Vermelho" (2004). O mais recente é "Viva", já com Rodrigo Suricato substituindo Frejat, que deixou o grupo em 2017.

"A música 'Eu Queria ter uma Bomba' gerava um certo ranço da banda. Foi a última música do Cazuza com a gente, praticamente apresentando a carreira solo, então pegamos raiva. O Suricato bateu o pé, a gente montou uma versão para shows e virou outra coisa com ele interpretando", afirmou Maurício Barros.

Barão Vermelho celebra 40 anos de lançamento do primeiro álbum - Marcos Hermes - Marcos Hermes
Barão Vermelho celebra 40 anos de lançamento do primeiro álbum
Imagem: Marcos Hermes

O músico disse que toda a experiência da banda, incluindo os atritos na década de 1980, foi fundamental para que o Barão Vermelho celebrasse o sucesso após 40 anos.

"Parece que nós vivemos e aprendemos tanto em tão pouco tempo. Nós vivemos 15 anos em três. Construímos as bases do que seria nossa vida profissional e estamos aqui até hoje", concluiu o tecladista.