Viajando no túnel do tempo do PlayStation, nos anos 90, encontramos um mundo bem diferente. Naquela época, a rainha dos RPGs era a SquareSoft, que só em 2003 se juntaria à Enix para formar a Square Enix que conhecemos hoje. Ela era capitaneada pelo criador de "Final Fantasy", Hironoby Sakaguchi, e em 1998 lançou um jogo diferente de tudo: era "Parasite Eve".
O RPG cinematográfico teve uma continuação (também para PlayStation) em 1999, um título exclusivo para o portátil PSP em 2010 e parou por aí. Nos últimos anos, porém, surgiram registros de "Parasite Eve" feitos pela Square. Enquanto sonhamos com um possível remake, ou ainda novos jogos da série, vamos relembrar como tudo aconteceu.
Rated M for Mature
O game foi o primeiro título da Square a receber o selo "Mature" (ou seja, recomendado para maiores de 17 anos). Só isso já o diferenciava de tudo o que havia sido lançado pela empresa até então. Mas não era só isso: o cenário urbano, contemporâneo, elementos de horror atrelados aos de ficção científica e sua própria protagonista, Aya Brea, uma policial metropolitana de Nova York, separavam essa aventura de todas as histórias de fantasia medieval a que estávamos acostumados.
É evidente que o fator "absurdo" ainda estava lá: mitocôndrias livres dos grilhões das células eucarióticas para dominar o mundo? O choque já podia ser constatado na impressionante (para os padrões da época) cena de abertura, quando a audiência do Carnegie Hall, às vésperas do Natal, entra em combustão espontânea durante uma ópera. Definitivamente, não se tratava de um cenário convencional para um novo RPG da Square.
Muito desse estranhamento inicial está atrelado às origens do jogo "Parasite Eve", que vêm de duas fontes primordiais. A primeira delas, da vontade de Sakaguchi em realizar um jogo investigativo em uma Nova York moderna. A segunda vem de um romance homônimo do autor Hideaki Sena, publicado em 1995, cujo sucesso não só serviu de base ao jogo, como também a uma adaptação cinematográfica em 1997.
Um RPG cinematográfico
Por mais que o termo "cinematográfico" seja malvisto quando o assunto é videogame hoje em dia, lá pela segunda metade dos anos 1990 era um status legal. Mostrava sinais de amadurecimento da mídia, indicava que os idealizadores estavam empenhados em aperfeiçoar seus enredos, tramas e a forma como o jogo era apresentado.
O sucesso de "Resident Evil", mais uma vez, estende os tentáculos de sua influência subliminar aqui. Assumir elementos de horror seria uma forma de, objetivamente, assumir também o lado mais adulto, complexo, da produção. E isso se tornou realidade ainda mais concreta com a chegada de "Parasite Eve II", também para PlayStation e em 1999, com vários membros da equipe de desenvolvimento do "Resident Evil" original vindo a bordo, incluindo seu roteirista, Kenichi Iwao, que assumiu o papel de diretor na continuação.
Para realizar uma obra tão única, um time de renome foi reunido, encabeçado por Takashi Tokita, designer de "Final Fantasy IV" e um dos diretores de "Chrono Trigger". A produção ficou a cargo de Sakaguchi, com arte de Tetsuya Nomura (já famoso por "Final Fantasy VII"), criação de batalhas por Yoshihiko Maekawa (o diretor de "Super Mario RPG" sempre teve ótimas ideias) e trilha de Yoko Shimomura, já conhecida por seu trabalho em "Street Fighter II".
"Parasite Eve" seria o próximo grande lançamento da SquareSoft depois do todo-poderoso "Final Fantasy VII". Torná-lo totalmente diferente, sem qualquer espaço para comparações e paralelismos, foi a decisão certa a ser tomada.
A história: Mitocôndrias e a dominação mundial
Mas como essa história toda começou? Não é tão simples, então preste atenção.
Durante um transplante de rim entre Maya Brea, irmã gêmea de Aya e portadora de Eve, o conglomerado de mitocôndrias dormentes, conscientes e aguardando o momento exato para exercer controle sobre toda a espécie humana, e a atriz e cantora Melissa Pearce. O acidente de carro que tirou a vida de Maya e Mariko, mãe das irmãs, foi o caminho encontrado para que o rim chegasse a Melissa e a córnea, a Aya. 20 anos depois, em 24 de dezembro de 1997, na tradicional peça de ópera natalina do Carnegie Hall, a catástrofe teve início. Melissa, totalmente dominada por Eve, assumiu controle das mitocôndrias presentes nas células da audiência, a transformando em cinzas, mas não sem antes incendiar todo o teatro. Aya foi a única sobrevivente, cujo poder dormente nas mitocôndrias da irmã, também ascendeu naquele instante - o Parasite Energy.
É bastante seguro afirma que 9 de 10 pessoas que se debruçaram sobre "Parasite Eve" (seja na época, seja hoje) pesquisaram mais sobre mitocôndrias, essas organelas quintessenciais ao funcionamento das células eucarióticas. Em tempos desconectados do emaranhado digital, contar com a ajuda de professores de Biologia era um caminho seguro. Há teorias evolutivas inteiras sobre a independência das mitocôndrias há centenas de milhões de anos, pois é ali em que ocorre o processo respiratório celular, daí a capacidade de atear fogo num organismo vivo, ou então gerar mutações monstruosas em, por exemplo, ratos de esgoto —talvez a mais simbólica das aberrações confrontadas por Aya na sua jornada por autoconhecimento, isso enquanto impede Eve de acabar com Nova York e o planeta.
A parte RPG de "Parasite Eve" também foi especial o suficiente. Seu sistema de batalha, uma mescla da estratégia por turnos de outros trabalhos da Square e transição suavizada entre exploração e o combate em si, com movimentação livre, despontou, assim como o "range dome" delimitador da área do combate e dos ataques. A evolução, mais convencional, trazia pontos de experiência, níveis e demais características inerentes ao gênero. Outras características foram emprestadas do horror de sobrevivência, como dosar a munição, itens de cura e os próprios poderes de Aya, além da personalização de armamentos. Visitar lugares como o Museu de História Natural, Central Park e Chinatown fugia do senso comum tanto para jogos da Square, quanto para o que existia em videogame na época.
A continuação, "Parasite Eve II" (1999), tornou o aspecto "horror de sobrevivência" ainda mais acentuado. Sem uma Active Time Bar para cadenciar os ataques ou o domo delimitador e encontros aleatórios, os combates se tornaram parte da experiência como um todo, não algo isolado, recorrente em RPGs. "Parasite Eve II" é também um dos títulos mais impressionantes do primeiro PlayStation, evoluindo ainda mais a tecnologia apresentada em "Final Fantasy VIII", em que era possível, em momentos específicos, controlar a protagonista em tempo real com CGI rodando como cenários.
Aya retorna como estrela principal, agora como uma agente do FBI especializada no caso das mitocôndrias, parte da MIST, Mitochondrial Investigation and Suppression Team. Três anos após a catástrofe em Manhattan, novos incidentes acontecem, dessa vez em Los Angeles, e uma nova ameaça toma forma: No. 9 GOLEM. Seres humanos continuam bestializados, assim como animais e aberrações colossais passam a ser realidade. "Parasite Eve II" se esforçou bastante para se assumir como horror de vez.
O aniversário (e casamento) que não deu certo
Um nome bastante controverso teve destaque na já consolidada Square Enix no final dos anos 2000: Motomu Toriyama. Sua direção e roteiro para "Final Fantasy XIII" dividiram opiniões, e é também de sua responsabilidade a retomada da franquia "Parasite Eve", mais de dez anos depois do último lançamento, ao lado de Hajime Tabata e dos veteranos Yoshinori Kitase e Tetsuya Nomura.
"The 3rd Birthday" chegou ao PSP em dezembro de 2010 e em parceria com a produtora independente HexaDrive, que ganharia fama trabalhando em versões HD de diversos títulos grandes, como "Okami" e "Final Fantasy Type-0". Inicialmente concebido para mobile, o desenvolvimento passou para o PSP durante a produção e manteve a característica episódica, como numa série de TV.
Todo aspecto de horror presente nos jogos passados é deixado de lado em "The 3rd Birthday". Trata-se de um jogo de tiro em terceira pessoa com elementos de RPG e poderes especiais, e ainda Aya Brea como protagonista. Sua amnésia faz com que eventos dos jogos passados se tornem fragmentos dispersos durante nossas novas missões, agora como parte da CTI, Counter Twisted Investigation. O propósito do grupo é erradicar monstruosidades chamadas Twisted. Dotada da capacidade de transferir sua alma para outros seres (e controlá-los por consequência), Aya é a agente mais especializada do grupo. Personagens como Kyle, Eve Brea e Maeda reaparecem em lampejos, lembranças, mas o gameplay e o jogo como um todo são muito distantes dos dois primeiros "Parasite Eve". É como se "The 3rd Birthday" fosse um mero termômetro para medir a popularidade de Aya e o interesse pela franquia para, então, preparar algo significativo.
Lá se vão dez anos do lançamento da última empreitada de Aya nos videogames. "Parasite Eve", assim como as mitocôndrias presentes nas células de todos aqueles que cruzaram seu caminho, mantém-se vivo na memória de fãs, sempre lembrado e citado como um dos grandes jogos da então SquareSoft para o primeiro PlayStation. Seu legado não teve muito peso ou influência, mas um suposto "Parasite Eve III" seria recebido de braços abertos.
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