Enigmas do Universo: por que radiotelescópio enorme será construído na PB?
Sem tempo, irmão
- Radiotelescópio gigante será construído no meio da Paraíba
- Instrumento ajudará cientistas a entender mistérios como energia escura
- Pesquisa é liderada por brasileiros, mas com consórcio internacional
- Radiotelescópio analisará traços de hidrogênio neutro em diferentes eras
- Previsão é que construção comece em 2020, e operação, em 2022
Nos rincões da Paraíba, um radiotelescópio enorme será construído para ajudar a humanidade a desvendar alguns mistérios do Universo, como a energia escura e a origem de tudo. Chamado Bingo (abreviatura para Baryon Acoustic Oscillations in Neutral Gas Observations, ou Oscilações Acústicas de Bárions em Observações de Gases Neutros), o instrumento representará um grande avanço astronômico nacional e internacional.
Construído por um consórcio de entidades brasileiras e estrangeiras, o radiotelescópio deverá detectar e analisar rastros de hidrogênio neutro (a combinação de um elétron e um próton) no Universo. Por trás disso, está a ideia de entender elementos que ainda intrigam cientistas, como a energia escura.
Vamos fazer uma espécie de tomografia do Universo que vai olhar a distribuição do hidrogênio. O resultado cientifico é tentar entender mais o processo de como a energia escura atua na dinâmica do Universo
Carlos Alexandre Wuensche, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial) e um dos líderes do projeto
O que é esse tal de radiotelescópio
O radiotelescópio é composto de duas antenas parabólicas: uma de 40 metros e outra de 34 metros de diâmetro. As duas, juntas, ocupam uma área maior do que meio campo de futebol. Elas são ligadas a receptores que são espécies de "cornetas" —como se fossem receptores de TV por satélite, mas com mais de quatro metros de comprimento.
A construção é financiada em maior parte pela Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo) e, por isso, o projeto até o momento não foi tão afetado pelos cortes do governo federal na ciência nacional. O projeto começou em 2016, e a previsão é que o radiotelescópio entre em operação em 2022, tendo a construção iniciada em 2020.
O projeto conta com a participação de empresas de São José dos Campos (SP) ligadas ao projeto espacial brasileiro. Essas empresas atuarão na construção do aparelho, mas ele contará também com tecnologias de fora do país. Cientistas de universidades e entidades de pesquisa do Brasil (como Inpe, UFCG e USP) lideram a iniciativa, mas há cooperação de instituições do Reino Unido, China, Suíça e África do Sul, entre outros países.
"A concepção original do projeto é inglesa, os amplificadores são ingleses e uma boa parte do software foi desenvolvida em Manchester e agora estamos atualizando. A equipe de Zurique contribuiu com uma parte que vai fazer uma decomposição espectral do sinal, que é crítica. Da África do Sul vem software de análise de dados. A China contribuiu com mais ou menos R$ 1 milhão em componentes eletrônicos que precisaríamos comprar e não vamos precisar importar mais", explica Wuensche.
Apesar da ajuda externa, a construção da estrutura, dos receptores e das antenas parabólicas são de responsabilidade da equipe brasileira —da mesma forma que os testes e a operação do radiotelescópio.
Entendendo mais o Universo
A função do radiotelescópio será aprofundar a investigação envolvendo a energia escura que compõe o Universo. Esse tipo de energia é ainda uma hipótese e estaria distribuída por todo o Espaço, sendo responsável também pela aceleração da expansão do Universo. Mas como um radiotelescópio localizado na Paraíba pode atuar para esse mistério ser resolvido?
Bem simples (ou quase): ele vai realizar as tais "tomografias" do Universo, em que serão analisados traços de hidrogênio neutro (quando o núcleo de hidrogênio está acompanhado de um elétron), o elemento mais comum no Universo. A intenção é identificar oscilações específicas na matéria, chamadas oscilações de bárions. Suas características refletem propriedades que o Universo tinha quando era ainda muito jovem.
"Quando o hidrogênio está neutro, o elétron pode estar com o 'spin' [uma propriedade física] alinhado com o átomo do hidrogênio, ou pode estar com o 'spin' ao contrário. Ao mudar esse alinhamento, ele emite uma radiação na frequência de 1.420 megahertz. A frequência produzida é sempre a mesma, mas a expansão do Universo faz com que, quanto mais longe estiver o hidrogênio, mais baixa será a frequência medida por nós na Terra. Selecionamos uma faixa que permitirá medir o hidrogênio em diferentes épocas do Universo", explica o pesquisador do Inpe.
O radiotelescópio brasileiro não será um dos maiores do tipo. Um equipamento chinês tem 500 metros de diâmetro e investiga o Universo quando ele tinha cerca de 2% de sua idade atual, além de detectar ondas gravitacionais e caçar sinais que podem ter sido produzidos por civilizações alienígenas. O diferencial do brasileiro está no seu propósito.
"A escolha de outros do tipo foi medir o Universo mais longe. A nossa escolha foi medir o Universo mais perto de nós. Aí vamos poder comparar com os outros porque são épocas diferentes e vemos se e como a física muda. Não tem nenhum instrumento hoje trabalhando nessa frequência. Vão usar o nosso como referência de como o hidrogênio se comporta da metade da idade do Universo para mais perto de nós e vice-versa", diz Wuensche.
"Se a gente olhar como era antes da energia escura dominar, que são os resultados dos outros instrumentos, e olhar depois com o Bingo, dá para fazer comparações e colocar parâmetros na energia escura, ver como funciona, entender as origens", complementa o pesquisador.
Em um primeiro momento, os dados serão propriedade da cooperação internacional até a publicação dos resultados científicos. Aí, então, os dados do radiotelescópio poderão ser liberados para a comunidade interessada no Brasil e no mundo.
No meio do "nada"
A localização escolhida para o radiotelescópio pode parecer curiosa e sem sentido para muitos, mas tem explicação. Os pesquisadores fizeram um mapeamento de 15 regiões no Brasil e Uruguai à procura do melhor local. E identificaram na Paraíba, próximo à cidade de Aguiar, a zona com o menor número possível de interferências para a captação dos sinais.
"A região da Paraíba é limpa. Tem pouca contaminação de rádio, de antenas. Todas as outras áreas que analisamos para essa frequência são bem contaminadas, pois a banda que a gente opera é próxima à do 3G. Tem que ser lugar que não tenha muita torre de celular, sinais de transponders de avião, torres ou radares de controle de tráfego aéreo", conta Wuensche.
Um dos problemas da região da Paraíba que pode interferir na qualidade das medições está na passagem de aviões pelo céu nordestino —rota usada principalmente para voos com origem ou destino à Europa e à América do Norte. De acordo com Wuensche, o software ajudará a limpar as frequências emitidas por aviões, e a estimativa mais pessimista é que seja perdida uma hora de dados por dia por causa disso.
Outro desafio a ser superado envolve o acesso ao local. O terreno em que ele será construído não é alcançado por estradas, que deverão ser abertas. A intenção inicial era que o Exército ajudasse nessa preparação, com combustível e manutenção dos veículos pagos pelo projeto, mas não houve acordo até o momento. Há conversas, agora, com o DER (Departamento de Estradas e Rodagens) da Paraíba.
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