Comissão para edição de DNA em humanos sentencia: ainda não estamos prontos
Sem tempo, irmão
- Embriões geneticamente "editados" não devem ser usados para gravidez, diz comissão
- De um lado, cientistas defendem edição de DNA para evitar doenças congênitas
- Do outro, há vozes que alertam para produção de "bebês sob encomenda"
- Mas comissão diz que técnica poderia ser usada em doenças monogênicas
Pode até parecer papo saído de histórias em quadrinhos, mas a ciência já é capaz de mudar os nossos genes e gerar bebês "mutantes". A chamada edição hereditária do genoma humano (ou HHGE, sigla em inglês) é uma técnica controversa que tem levantado não apenas considerações científicas e médicas, mas também questões éticas.
Por um lado, cientistas defendem a melhoria de genes de bebês ainda não nascidos para evitar doenças congênitas. Por outro, há vozes que afirmam que tal técnica abre espaço para a ideia de "bebês por encomenda", com vantagens genéticas injustas. Sobre esse tema, ainda não há uma regulamentação internacional.
Mas uma comissão internacional formada por 18 membros de dez países com excelência na tecnologia publicou um relatório no começo do mês recomendando que embriões "editados" não sejam usados para gerar gravidez. Afirma que a ciência ainda não tem ferramentas capazes para garantir que essas edições não vão resultar em efeitos colaterais no futuro —inclusive em humanos "aprimorados".
Alguns estudos já mostraram que a Crispr/Cas9, por exemplo, a mais promissora tecnologia de edição genética —que atua como uma tesoura, retirando e substituindo partes indesejáveis do genoma, para mudar os genes dos embriões e torná-los resistentes ao HIV— frequentemente leva a mutações genéticas não desejadas em células humanas e de camundongos, além de elevar o risco de câncer em algumas células.
"É necessário que sejam feitas mais pesquisas sobre a tecnologia de edição de genomas em embriões humanos para assegurar que mudanças precisas podem ser feitas sem efeitos colaterais indesejáveis. Cooperação internacional e discussão aberta sobre todos os aspectos da edição de genoma são essenciais", afirmou Kay Davies, copresidente da comissão, professor de genética do MDUK Oxford Neuromuscular Center, da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Monitoramento internacional é preciso
Controle governamental e regulação internacional sempre foi uma das principais bandeiras levantadas por Jennifer Doudna, a bioquímica americana e uma das principais mentes por trás da criação da técnica Crispr. Ela chegou a defender em 2018 uma moratória internacional para impedir o uso da técnica em embriões, óvulos e espermas.
O relatório publicado pela comissão internacional recomendou a criação de um organismo internacional capaz de fazer recomendações sobre qualquer nova categoria de uso da técnica, além de aconselhar sobre benefícios e riscos científicos e clínicos.
O documento propõe a criação de um painel científico internacional, multidisciplinar e independente, que avalie continuamente as evidências científicas em relação à segurança e eficácia da edição do genoma humano e das tecnologias de reprodução assistida associadas a ele.
Afirma, ainda, ser muito importante estabelecer um mecanismo internacional para que pesquisas e condutas de edição do genoma humano que se desviem dos padrões recomendados possam ser denunciadas às autoridades e divulgadas publicamente.
Bebês com "superpoderes"?
Foi por meio da técnica Crispr que o geneticista chinês He Jiankui criou, em 2018, dois bebês geneticamente modificados. Ele editou os embriões e os fertilizou no útero da mãe por meio da fertilização in vitro. As gêmeas nasceram no começo de novembro do mesmo ano e ele acabou sendo condenado a três anos de prisão pela prática, ilegal na China.
He teria modificado o gene CCR5, usado pelo vírus do HIV para atacar o sistema imunológico do ser humano. O CCR5, no entanto, não responde apenas à imunologia do paciente, mas ativa no cérebro o enfrentamento de outras infecções, especialmente a gripe.
Na época, pesquisadores afirmaram que a modificação certamente afetou o cérebro das meninas, já que pesquisas relacionam a remoção do gene também com uma melhora na memória e na criação de novas conexões.
Foi após o feito do geneticista chinês que a comissão internacional foi formada, como resultado da Cúpula Internacional sobre Edição do Genoma Humano, ocorrida em 2018 em Hong Hong (China). Ela é composta por cientistas das Academias de Medicina e de Ciência dos Estados Unidos e da Royal Society do Reino Unido e foi encarregada de desenvolver uma base para cientistas, médicos e autoridades regulatórias considerarem ao avaliar as aplicações clínicas potenciais da edição do genoma humano hereditário.
As informações contidas no relatório devem ser usadas pelo comitê consultivo de especialistas da OMS (Organização Mundial da Saúde) em edição do genoma humano, que está desenvolvendo normas para pesquisas e usos clínicos hereditários e não hereditários de edição do genoma humano. A expectativa é de que esse comitê consultivo divulgue suas orientações ainda este ano.
O lado bom da técnica
A comissão internacional defendeu, no entanto, que a edição hereditária do genoma humano poderia sim ser usada no caso de doenças hereditárias monogênicas sérias. Ou seja, aquelas causadas pela mutação ou alteração na sequência de DNA de um gene sozinho. O relatório cita como exemplo dessas enfermidades fibrose cística, talassemia, anemia falciforme e doença de Tay-Sachsl.
Para esses casos, o documento afirma que a técnica poderia ser usada quando futuros pais sob risco conhecido de transmitir uma doença monogênica grave não têm alternativas, a não ser um filho biologicamente afetado pela enfermidade.
O copresidente da comissão Richard Lifton, presidente da Universidade Rockefeller, em Nova York (EUA), afirmou, no entanto, que qualquer uso de técnicas de edição hereditária do genoma humano deve "prosseguir de forma incremental e cautelosa". Para isso, precisa seguir um caminho clínico responsável. Ele vai desde uma pesquisa pré-clínica rigorosa, que determina se e como a edição pode ser realizada de forma eficiente e com alta precisão, até a aplicação da técnica.
Caberia então às autoridades decidir se a aplicação de edição poderia ser permitida. "O relatório fornece orientação sobre os elementos essenciais da governança e supervisão científica nacional e internacional", diz Lifton.
Segundo o relatório, nesses casos, uma biópsia deve ser feita para demonstrar que a edição pretendida está presente em todas as células biopsiadas, sem evidência de edições indesejadas.
Se, após avaliação rigorosa, houver a aprovação por parte dos governos para uma gravidez nesses termos, o monitoramento da gestação é vital, assim como o acompanhamento de longo prazo até a idade adulta de qualquer criança nascida.
Além do uso em embriões, no entanto, a técnica de edição de DNA pode ser aplicada em indivíduos já nascidos. Em março desse ano, cientistas disseram ter usado a técnica de edição de genes para tratar de um paciente com amaurose congênita de Leber, uma condição genética rara que causa cegueira na infância. O procedimento injetou gotículas de fluído com DNA no globo ocular do paciente.
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