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Brasileira doutora nos EUA diz como vacinas da covid surgiram tão rápido

Denise Golgher, doutora em biologia celular - Arquivo pessoal
Denise Golgher, doutora em biologia celular Imagem: Arquivo pessoal

Duda Lafetá

Colaboração para Tilt, de Londres

19/12/2020 04h00

O mundo aguarda ansioso a chegada das vacinas que vão tirar a gente da pandemia da covid-19. De 11 de março, quando a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou que o surto causado pelo novo coronavírus era uma pandemia, até 18 de novembro, quando a Pfizer anunciou os resultados da fase 3 da sua vacina — sendo a primeira empresa a conseguir isso— são oito meses. Nunca na história da humanidade uma vacina foi produzida tão rápido.

Sobre os esforços de cientistas de todo mundo no combate à pandemia e o que esperar da ciência daqui para frente, Tilt entrevistou a doutora em biologia celular pela Universidade Johns Hopkins (EUA) e pós-doutora em imunologia de câncer pela Universidade de Oxford (UK), a brasileira Denise Golgher.

A cientista, que trabalha há mais de 12 anos na interseção entre ciência e negócios, especificamente em inovação para a saúde humana, participou da conferência Global Pharmaceutical and Biotechnology, promovida pelo jornal britânico Financial Times. Ocorrido entre 9 e 11 de novembro, o evento teve as vacinas como tema central. Pesquisadores, médicos, representantes de governos e executivos das farmacêuticas estiveram presentes.

Para ela, os resultados sobre a eficácia das vacinas contra a covid-19 são fruto de trabalho conjunto entre o setor público e privado, academia e empresas. "Não foi um milagre, foi um esforço sem precedentes, o que demonstra como podemos alcançar muito mais do que aquilo que normalmente pensamos ser possível", disse. Ela afirmou ainda que a ciência vai sair da pandemia bem mais preparada "se e quando um novo vírus surgir".

Tilt - Parece uma eternidade, mas a pandemia ainda nem completou um ano e, ao que tudo indica, em breve teremos uma vacina contra o COVID-19. Não foi muito rápido?

Denise Golgher - Sim, de fato a vacina foi feita em tempo recorde. As palavras mais comuns entre todos os palestrantes foram, 'sem precedentes', 'parceria', 'confiança mútua' e 'transparência'. O que impulsionou o desenvolvimento em tempo recorde foi a motivação conjunta proporcionada pelo sofrimento e desespero causados pela doença. Ninguém pôde fechar os olhos para a pandemia, como tantas vezes acontece em epidemias.

Houve (...) a união de grandes empresas farmacêuticas, empresas de biotecnologias, cientistas, periódicos especializados e agências regulatórias de vários países, que juntos trabalharam para que o desenvolvimento de vacinas e medicamentos evoluíssem com tanta rapidez

Existe uma preocupação por parte do público quanto à segurança dessas novas vacinas, que, como você mesmo disse, estão sendo desenvolvidas em tempo recorde. Será que as empresas não tomaram atalhos que podem se revelar perigosos mais adiante?

Não se sacrificou a segurança. A diferença desta vez foi que a concorrência (muitas vezes entre empresas rivais) deu lugar à colaboração. A inércia cedeu seu lugar à ousadia e à coragem para implementar o novo. Finalmente, a ignorância foi diminuída pela transparência, divisão e difusão dos resultados. Claro que isso tudo só foi possível pelo esforço hercúleo de muita gente, que tornou possível o que há um ano parecia impossível.

Tilt - Na prática, o que representa o resultado divulgado pela Pfizer/BioNTech?

Denise Golgher - O resultado obtido e divulgado foi maravilhoso. É muito difícil fazer previsões com o novo. Como bem disse uma das palestrantes, se o resultado é conhecido, não é inovação. O vírus é novo e que bom que conseguimos resultados em tão pouco tempo.

Mas vacinas não são previsíveis. Encontrar uma vacina nova não é uma garantia. Nunca conseguimos, por exemplo, fazer uma vacina para o HIV, mesmo depois de muita pesquisa e conhecimento gerado. Portanto, era perfeitamente possível pensar que vacinas contra a covid-19 não funcionariam. Ainda bem que não está sendo o caso.

Tilt - Além dos testes da BioNTech/Pfizer e os da Moderna, existem alguns outros sendo desenvolvidos em vários países e que tentam atacar o problema por caminhos diferentes. O que dizer desses outros estudos?

Denise Golgher - Os participantes do evento estavam todos muito felizes com os resultados da Pfizer/BioNtec. Resultados positivos com uma vacina são bons indicadores de que as outras também terão, talvez com mais ou menos eficácia. Precisamos aguardar.

Lembremos que precisamos vacinar o mundo inteiro e nenhuma empresa sozinha tem a capacidade de atender a uma demanda como esta. Muitas das vacinas precisarão de mais de uma dose por indivíduo. Todos precisam trabalhar para conseguirmos sair desta pandemia.

Tilt - Pelo que você está dizendo, existe espaço para o otimismo.

Denise Golgher - Sim, a notícia da vacina é fantástica, mas eu acho que existe uma notícia maior que é ainda mais maravilhosa. Durante um ano de tanto sofrimento, temos um experimento gigante, que demonstrou que trabalhando juntos, o público e o privado, a ciência e os negócios, as agências reguladoras e organizações sem fins lucrativos, conseguem gerar resultados incríveis para o bem da humanidade.

Não foi um milagre, foi um esforço sem precedentes, o que demonstra como podemos alcançar muito mais do que aquilo que normalmente pensamos ser possível.

Tilt - O que a ciência vai tirar desta pandemia?

Denise Golgher - Nossa, muitas coisas. Novamente, existe uma quantidade enorme de conhecimento científico gerado. Com certeza, estaremos mais bem preparados se e quando um novo vírus surgir. Além disso, o que este esforço global tem demonstrado é que é possível, a partir da ciência básica, gerar novos produtos de uma forma bem mais ágil. As vacinas da BioNTech/Pfizer e a da Moderna foram feitas em uma plataforma inteiramente nova, o mRNA.

A validação dessas vacinas será também a validação de uma nova categoria de medicamentos e de outras vacinas, e mais possibilidades em tratamentos de doenças crônicas, como por exemplo o câncer e as doenças neurodegenerativas. A humanidade ganha

Entretanto, acho também que a pergunta pode ser invertida. O que o mundo tira da ciência que foi feita? A pandemia, e a resposta a ela, mostrou o quão importante é a ciência, como é fundamental para a solução dos problemas complexos que a humanidade deve enfrentar.

Tilt - O anúncio da vacina significa que podemos relaxar? Que o pior já passou? Quantas pessoas precisam ser vacinadas para que a covid-19 não faça tantas vítimas?

Denise Golgher - Tanto a vacina da BioNTech/Pfizer quanto a da Moderna ainda precisam passar por algumas etapas, os dados precisam ser revisados pelas agências regulatórias e elas precisam ser aprovadas para comercialização.

Não sou epidemiologista, mas entendo que ainda é muito cedo para saber qual parcela da população precisa ser vacinada e quantas doses serão necessárias, se a imunidade promovida pelas vacinas vai durar meses ou anos. Quando estudarmos as respostas imunológicas das vacinas em indivíduos de faixas etárias diferentes, teremos uma ideia melhor.

As vacinas de mRNA (como é o caso da BioNTech/Pfizer e da empresa de biotecnologia Moderna) precisam ser armazenadas a -70°C e -20°C respectivamente, isso é um grande desafio para a sua distribuição. Outras vacinas não precisarão desta temperatura tão baixa.

Existem, claro, muitos obstáculos para a manufatura e distribuição de tantas doses de vacinas, mas há também muitos profissionais trabalhando no momento, para que todos os países do mundo tenham acesso às vacinas. Inclusive, muitas empresas optaram por não ter margens de lucro na venda de vacinas, enquanto a pandemia durar.

Difícil saber o que será necessário para que a covid-19 não assombre mais a população. Eu acredito que sairemos desta pandemia, mas pode ser o novo vírus passe a ser como outros vírus que convivem conosco, como o da gripe, o da dengue etc. Precisamos aguardar. A pandemia vai passar; o que não pode passar é a certeza de que a colaboração, a transparência, a confiança e o trabalho conjunto podem gerar resultados tão promissores.