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Exoesqueleto que fez Mara Gabrilli andar chega ao SUS por US$ 200 mil

Ruam Oliveira

Colaboração para Tilt, de São Paulo

02/06/2023 04h00Atualizada em 03/06/2023 11h03

Ligada ao SUS (Sistema Único de Saúde) e gerida pela Secretaria de Saúde de São Paulo, a Rede Lucy Montoro vai começar a usar dois exoesqueletos. Adquiridos por US$ 200 mil (valor equivalente hoje a pouco mais de R$ 1 milhão, na conversão direta), os equipamentos permitem que pacientes com deficiências motoras severas andem, agachem, se movam para os lados e até subam degraus.

Os modelos são do mesmo tipo que viralizou ao ser usado pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), que ficou tetraplégica em 1994 após sofrer um acidente de carro.

A tecnologia foi desenvolvida pela startup francesa Wandercraft e deve chegar entre agosto e setembro à instituição especializada em tratamentos avançados de reabilitação em São Paulo.

Previsão informada pela fabricante; de acordo com a rede Lucy Montoro, o equipamento poderia chegar antes, até o final de junho.

A parlamentar falou a Tilt sobre como usar o exoesqueleto a fez reviver memórias e levou "de volta ao passado, quando corria maratonas".

É como se meu corpo reconhecesse o movimento e estivesse pronto para andar novamente depois de 28 anos do acidente que me deixou tetraplégica. A sensação pode ser resumida em uma palavra: liberdade Mara Gabrilli, senadora (PSD-SP)

A experiência fez Gabrilli refletir a respeito de sua condição e como ela se conecta com a forma como nós nos enxergamos. A história humana, inclusive do ponto de vista evolutivo, possui relação direta com a possibilidade de ficar de pé, diz ela. Não por acaso, os seres humanos são bípedes, acrescenta.

Ela vê com bons olhos que governos estaduais pelo Brasil afora possam seguir a atitude de São Paulo e implementem exoesqueletos.

Quando a gente investe em saúde e qualidade de vida entre a população, estamos também cuidando dos cofres públicos. Investir em tecnologia de saúde garante sustentabilidade para o nosso SUS. É olhar para a saúde como um todo. Gestores públicos com essa visão vão trabalhar para ter exoesqueletos em seus centros de reabilitação Mara Gabrilli

A "mágica" por trás exoesqueleto

Os modelos que chegarão ao Brasil chamam-se Atalante. Com vida útil projetada de cinco anos, os aparelhos podem ser usados por pacientes de até 90 kg. Eles funcionam assim:

  • Trajes robóticos, os exoesqueletos são acoplados ao corpo humano para reativar e ajudar na movimentação;
  • Quando "veste" o exoesqueleto, o usuário dispensa andadores e conta com um sistema de controle de equilíbrio que dá maior estabilidade. Ainda que se incline, o paciente não vai cair porque o robô mantém seu equilíbrio;
  • O equipamento é programado para funcionar base nos objetivos do paciente;
  • A tecnologia usa a força do próprio corpo para permitir que o paciente ande; o modelo não funciona com captação de impulsos cerebrais, já que não há eletrodos conectados ao cérebro.
  • Pode ser usado por pessoas com lesão medular, Parkinson, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, traumatismo cranioencefálico, entre outras doenças ou condições que impactam os movimentos.

É uma estrutura mutável personalizada para o paciente com base na altura e no comprimento da perna, com 12 graus de liberdade e movimento motorizado de assistência variável. Os algoritmos de firmware e software são uma tecnologia inteligente que cria uma marcha cinemática ou fisiológica correta para pacientes com base em suas medições Gary Viles, vice-presidente de operações comerciais da Wandercraft nas Américas

Ele pode virar um equipamento de uso pessoal?

As configurações personalizadas para cada paciente são feitas no tablet com sistema "WanderTouch". Nele é possível verificar a quantidade de passos, as vezes em que agacharam, tempo de uso e até qual perna necessitou de mais assistência.

Demorou mais de dez anos para chegar onde estamos e seis anos para chegar ao ponto de conseguir levantar o primeiro paciente da posição sentada com segurança. A versão de hoje levou uma quantidade enorme de engenharia, testes, validação e estudos clínicos para provar a viabilidade e usabilidade Gary Viles

A tecnologia da empresa não está disponível em larga escala. Linamara Rizzo Battistella, professora da USP e idealizadora da Rede Lucy Montoro, aponta que o desejo é no futuro permitir que pacientes levem exoesqueletos para casa da mesma forma como ocorre hoje com cadeiras de rodas motorizadas.

"Por enquanto, é uma tecnologia de treinamento para desenvolvimento da melhora clínica. Mas no futuro será um equipamento de uso pessoal", diz Battistella.

mara - Divulgação - Divulgação
Mara Gabrilli
Imagem: Divulgação

Indicada para pacientes adultos, a versão do exoesqueleto usada pesa entre 8 kg e 9 kg. "Há significativamente mais pacientes adultos com lesões e doenças neurológicas do que pacientes pediátricos", afirmou Viles, da Wandercraft.

O futuro: produção no Brasil?

Para Linamara Rizzo Battistella, os custos —US$ 200 mil pelos dois exoesqueletos— são altos por se tratar de ferramentas ainda muito ligadas à pesquisa e em poucas unidades.

Efetivamente este não será o valor final. Foi algo que coloquei como ponto de honra junto ao fabricante. Não posso negar o conhecimento que foi colocado no equipamento, mas precisamos ver como trazer esse produto a um custo ajustável para o sistema público Linamara Rizzo Battistella, idealizadora da Rede Lucy Montoro

Para a professora, um mercado competitivo é essencial para o campo da pesquisa. Tanto é que ela propõe que a produção seja feita no Brasil para baratear a ferramenta e torná-la mais acessível. "Nós temos tecnologia e material para isso."

Se eles [a Wandercraft] não quiserem produzir no Brasil, nós vamos fazer os nossos. A gente produz aviões, não vamos produzir exoesqueletos? Eles fizeram um modelo que é maravilhoso, mas quem fez a primeira geladeira não evitou que outro fornecedor também fizesse. foi a mesma coisa com o Henry Ford e os carros Linamara Rizzo Battistella

A médica pontua ainda que o manuseio do exoesqueleto exige um treinamento, que depende de tempo de adaptação, mas que, no caso da Rede Lucy Montoro, os profissionais já estão preparados para operar a tecnologia francesa.

A Wandercraft está atualmente trabalhando em uma versão pessoal que pode ser levada para casa. Além de Estados Unidos, França e agora Brasil, a empresa pretende expandir seu mercado e levar o exoesqueleto para a Alemanha e Espanha.

Exoesqueleto nacional

A notícia de ter um exoesqueleto funcionando no Brasil pode soar familiar para algumas pessoas. Isso ocorre, pois em 2014 uma tecnologia do tipo foi usada por Juliano Pinto, com paralisia dos membros inferiores, para dar o chute inicial de uma bola na abertura da Copa do Mundo daquele ano, realizada no país.

Até chegar ao chute foram 17 meses de trabalho da equipe do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, autor do projeto "Andar de Novo". Em entrevista na época, ele explicou que o exoesqueleto funcionava sobre comando da atividade cerebral de um operador, a partir de eletrodos colados na cabeça do utilizador.

O objetivo foi realizar movimentos naturais e fluidos capazes de produzir nos pacientes a sensação de que eles estavam caminhando com as próprias pernas. Os testes foram realizados na AACD, organização sem fins lucrativos voltada ao trabalho de ortopedia e reabilitação.