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Astronauta brasileiro aponta imprecisões técnicas do filme Gravidade

Lilian Ferreira

Do UOL, em São Paulo

12/10/2013 06h00

Tido como o melhor filme de 2013 por muitos críticos, Gravidade estreia neste final de semana no Brasil. Um suspense psicológico passado no espaço. E tudo isso em três dimensões. Mas, para os amantes da ciência e do espaço, ficam algumas dúvidas: e o som no espaço? E o fogo? E os procedimentos são simples assim?

Para responder a estas perguntas, o UOL conversou com Marcos Pontes, o único brasileiro a ir para o espaço. Ele conta que o acidente que acontece no filme - partes de um satélite destruído atingem os astronautas que ficam à deriva no espaço - poderia acontecer na vida real, mas que os procedimentos adotados seriam bem diferentes. O filme Apolo 13 é apontado pelo astronauta como mais preciso em questões técnicas.

Para começar,  o processo de acoplamento e desacoplamento de naves demora horas, mas no filme se passa em minutos. "Tem que checar milhões de coisas para o procedimento. E a parte mecânica mesmo, para soltar, é mais extenso do que mostrado ali", explica. Depois, os astronautas presos à estrutura da Estação para o conserto seguem o que aconteceria na realidade - inclusive o suporte para pés usado pela personagem de Sandra Bullock.

Mas o outro astronauta, que estava voando ao redor é totalmente ficcional. "Não há ali a preocupação de ficar preso à estrutura da estação, uma preocupação que temos a todo momento. Você não se desconecta a não ser em situações controladas. E sempre com dois cabos retrateis, um de cada lado da cintura. É o protocolo", conta.

Outro ponto totalmente ficcional é como o personagem de George Clooney se locomove no espaço. Ele usa o sistema chamado "safer" (salvador em tradução livre), que é de propulsão no espaço usando nitrogênio pressurizado. Mas o mecanismo, que é acoplado ao traje do astronauta, só dura alguns segundos, é usado apenas para emergência. "Ele não tem combustível infinito, o tempo é muito pequeno. Você puxa um tipo de Joystick do lado direito e aperta um botão que te ajuda a estabilizar no espaço, caso algo tenha batido em você e você tenha se desconectado da estação e esteja girando. Então, você usa o propulsor para voltar".

O peso da roupa e a velocidade com que os personagens "andam" e param no espaço é outro ponto levantado por Pontes. A roupa tem massa de 130 quilos e, apesar de o peso ser zero já que não há gravidade no espaço, a massa ainda vale e ela interfere na velocidade adquirida. Assim, quanto mais você acelera, mais difícil é parar depois. "É impossível ocorrer um translado de uma espaçonave para a outra como foi no filme, ainda mais com dois corpos acoplados. Um influencia o outro e mesmo mudanças pequenas no ângulo de cada um, a uma velocidade de 20 mil km/h, seria uma separação muito grande".

"Além disso, eles estão com um macacão que não é usado para isso. É difícil fechar e abrir a mão com ele, isso dificultaria pegar as coisas com rapidez e facilmente. É difícil se movimentar com o macacão. A probabilidade de não agarrar a estrutura ou de agarrar e, talvez, perder o braço é grande", diz.

O traje de dentro da nave também não pode ser usado fora dela, como acontece no filme. Ele é para caso haja despressurização, não tem oxigênio e sistema de temperatura, aquecimento, e refrigeração se não estiver conectado na nave. "Quando ela sai do macacão e está só de camiseta e shorts, está errado. Ela estaria com um macacão de malha, fralda, e outro macacão com controle de temperatura, com tubinhos de água", explica.

Como o fogo funciona no espaço é uma das pesquisas mais comuns na Estação Espacial. Não se sabe como o fogo se comporta sem gravidade. "Aqui, por causa da gravidade, o ar quente sobe, no espaço como não tem gravidade e dentro na nave tem ar. Há uma mistura de convecção do ar dentro do módulo com o movimento da chama. Mas não tem massa sendo levantada. O fogo se comporta de maneira muito estranha no espaço. É difícil de prever aquilo. Se ela estivesse mesmo em uma situação de fogo, como eu já estive, ela nunca passaria por lá. Ele isolaria o locar e evacuaria. O procedimento é tirar o ar e usar extintores de halogênio".

Por fim, ficar exposto ao espaço faria o sangue ferver, conta Pontes. Em altitudes muito altas, a pressão é muito baixa e com isso a temperatura de ebulição de líquidos diminui. A da água fica abaixo dos 37ºC, temperatura de nosso corpo. "Se você ficar exposto no espaço você morre em 1 minuto", conta. E só para terminar, o som não se propaga no espaço, né?

Mas e a impressão geral? "Achei gostoso de assistir como diversão, mas não se pode ver com olhar muito técnico em termos operacionais", conclui.