Brasil já teve 1.500 línguas indígenas; hoje tem apenas 181 vivas
O Brasil de 500 anos atrás tinha mais de 1.500 línguas faladas no território. Após a chegada dos europeus, elas acabaram sendo extintas gradativamente. Hoje o país conta com apenas 181 línguas indígenas. Pesquisas universitárias tentam preservar esse patrimônio linguístico e cultural.
Mutua Mehinaku, mestre em antropologia social no Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e estudante do pluralismo linguístico no Alto Xingu, é descendente dos Kuikuro, um dos povos cuja língua materna corre o risco de desaparecer. De acordo com ele, 700 índios falam kuikuro, sendo que os critérios internacionais determinam que uma língua corre risco de extinção se falada por menos de mil pessoas.
“Se comparada a outras línguas indígenas, faladas por algumas dezenas de pessoas e com poucos estudos a respeito, a nossa está relativamente segura. Mas, quando se trata de um patrimônio tão importante e sensível quanto a sua cultura, é preciso se cercar de cuidados para que ele não siga ameaçado. Por isso as pesquisas na área são tão importantes”, disse.
De acordo com Angel Humberto Corbera Mori, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a cada duas semanas pelo menos uma língua desaparece no mundo. No Brasil, recentemente, morreu a última falante da língua indígena xipaia, em Altamira, no Pará, e apenas dois anciões falam guató, vivendo em lugares diferentes e que não se comunicam entre si devido a distância. Para o pesquisador, a extinção dessas línguas representa também o desaparecimento de diversos conhecimentos acumulados ao longo de séculos.
Neologismos contra a extinção
Segundo Mori, se no período a colonização as línguas indígenas desapareciam junto com seus povos, dizimados por doenças trazidas pelos colonizadores e pelo extermínio direto, hoje o maior risco que enfrentam é o contato direto com o idioma português.
Passei a me aprofundar na língua que falamos para entender como o surgimento dessas palavras estrangeiras poderia comprometê-la. É diferente um idioma amplamente falado sofrer influência de outro. Quando somente algumas centenas falam essa língua, o risco de essa influência contribuir para sua extinção é grande
Mutua Mehinaku
O pesquisador se dedicou, então, a o que seu povo chama de tetsualü – em kuikuro, qualquer mistura. Segundo ele, o princípio do tetsualü ganhou novo sentido e outra complexidade com a entrada do português nas línguas e na vida das aldeias do Alto Xingu, levando ao surgimento de neologismos em kuikuro, como o uso da palavra pagaka para se referir a “barraca”, pasia para “bacia” e pisa para “pinça”.
“Esses neologismos sofreram influência do português, mas são kuikuro. É a língua se reinventando e permanecendo viva”, destacou.
Pesquisas
Em outra frente de pesquisa, cientistas trabalham no desvendamento do passado das línguas indígenas para entender como elas se formaram e, como consequência, ajudar no desenvolvimento de estratégias para sua preservação.
Giuseppe Longobardi, do Departamento de Linguística da Universidade de York, na Inglaterra, desenvolveu um método para comparar, com a ajuda de softwares, sistemas sintáticos de línguas diferentes, estabelecendo eventuais parentescos entre elas: o PCM (Parametric Comparison Method).
O método foi experimentado com uma língua guaikuru e outra karib, ambas de tradição oral, comprovando-se eficiente mesmo na ausência de registros escritos. Para compensar essa falta, os pesquisadores desenvolveram um questionário de gramática que auxilia na coleta dos dados gramaticais diretamente com os índios, muitos deles professores das línguas em suas tribos.
(Com Agência Fapesp)
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