Por que os insetos voam? Mistério sobre as asas intriga cientistas
As asas dos besouros muitas vezes ficam escondidas. Aninhadas sob escudos blindados nas costas do inseto, elas se abrem com um zumbido, carregando seus proprietários desajeitados para longe do perigo. Eles têm apenas dois pares de asas – a menos que estejam no laboratório de Yoshinori Tomoyasu.
Em pesquisa recentemente publicada no "Proceedings of National Academy of Sciences", Tomoyasu e seu colega, David Linz, desenvolveram geneticamente larvas do besouro com asas no abdômen, parte de uma tentativa de compreender um dos maiores mistérios da evolução: como os insetos adquiriram a habilidade de voar.
Eles conquistaram os céus entre 300 milhões e 360 milhões de anos atrás, muito antes de pássaros, morcegos ou pterossauros. As asas lhes permitiam chegar a novos habitat e nichos ecológicos, e a classe animal Insecta rapidamente se estabeleceu como uma das mais diversas e bem-sucedidas na natureza, posição que mantém até hoje.
"A grande maioria dos insetos ou tem asas ou evoluiu de antepassados alados", disse Linz, biólogo evolucionista na Universidade de Indiana.
"Normalmente, quando alguém pensa na asa de um inseto, a libélula é o que primeiro vem à mente, com seus dois pares longos e muito bonitos, mas elas se diversificam em diferentes linhagens. Um escaravelho voando, por exemplo, parece um bombardeio logo ali, o que pode ser aterrorizante ou bonito, dependendo de como se encara a coisa."
"É frustrante a falta de evidência fóssil do período de evolução do voo dos insetos", lamenta Tomoyasu, biólogo evolucionista da Universidade de Miami.
"Há várias ideias sobre a origem das asas dos insetos. No caso dos vertebrados alados, há uma origem clara, mas os membros dos primeiros evoluíram há muito tempo e, por isso é difícil dizer o que aconteceu."
Isso não desanimou os pesquisadores. De acordo com Floyd Shockley, entomologista do Museu Nacional de História Natural Smithsonian, há muito tempo existem duas hipóteses.
A primeira sugere que as asas tenham se originaram do tergal, o topo da parede do corpo do inseto, talvez como membranas de planagem; a "hipótese pleural" argumenta que as asas foram criadas a partir de segmentos de pernas primordiais que se fundiram ao corpo antes de irem parar na parte de trás.
A ascensão da biologia evolutiva, junto com avanços da genética, deu força a uma terceira possibilidade, segundo Linz.
Originalmente proposta em 1974, a hipótese de "dupla origem" sugere que as asas dos insetos, na verdade, começaram com uma fusão dos dois tecidos distintos: a parede dorsal do corpo gerou a membrana, e a articulação surgiu dos segmentos das pernas.
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Esse tipo de fusão evolutiva parece estranho, disse Linz, mas há precedentes. Os ancestrais dos insetos provavelmente tinham segmentos relativamente simétricos, cada um com um par de pernas, que se modificaram ao longo de milênios de maneiras completamente diferentes. Em alguns, as pernas se perderam no abdômen; em outros, migraram para a cabeça, tornando-se antenas.
Tomoyasu e Linz trabalharam com o Tribolium, o besouro da farinha, indivíduo comumente usado por causa de seu genoma completamente sequenciado. Os besouros não voam bem, de acordo com Linz, e são fáceis de manter em um laboratório.
Em um estudo inicial, a equipe alterou o genoma dos besouros para manipular quais segmentos do corpo teriam asas; para sua surpresa, isso afetou partes da anatomia que pareciam alheias ao voo.
O fenômeno deu algum suporte à ideia de que as asas eram tecidos compostos --mas como as estruturas da asa ancestral podem ter se formado?
Os pesquisadores voltaram sua atenção para as pupas, que têm conjuntos de pinças minúsculas defensivas ao longo de seu abdômen. Eles ficam próximos do topo do inseto, sendo assim um modelo provável das primeiras estruturas da asa.
De acordo com Linz, para dar suporte à hipótese de origem dupla, a evolução teria que fundir uma estrutura na região dorsal do segmento com uma do tecido pleural.
A equipe introduziu uma proteína verde fluorescente nos besouros para marcar certos genes relacionados à asa, facilitando a distinção dos tecidos que estavam sendo afetados pela manipulação genética. Depois de manipular genes do abdômen, ficaram encantados ao ver dois tecidos verdes: um no conjunto dorsal de pinças e um abaixo, no tecido pleural.
E com isso, foram capazes de produzir pupas nas quais ambos os tecidos se fundiam formando pares de pequenas asas.
"Eles estão obviamente muito doentes, porque não é assim que normalmente se desenvolvem. Frequentemente morrem, então, infelizmente, nunca fui capaz de obter um besouro adulto com 10 pares de asas", disse Linz.
Mesmo tendo achado o estudo interessante, Shockley disse que a ideia de que o desenvolvimento embrionário ou larval é como uma fita de modificações evolutivas prévias avançando rapidamente já foi em grande parte desacreditada.
Apesar disso, reconheceu que a manipulação de genes é útil para tentar reunir os detalhes de estruturas que são difíceis de visualizar.
"Gostaria de ver se conseguiriam um terceiro par de asas. Discute-se muito a possibilidade de os protoinsetos terem tido de fato três pares de asas e depois perdido um deles, talvez por causa da instabilidade aerodinâmica", disse Shockley.
O debate sobre a evolução das asas dos insetos está longe de acabar, segundo Tomoyasu. "Ainda estamos usando apenas uma espécie. Embora dê para ver que existem dois tecidos contribuindo para o desenvolvimento das asas, isso poderia ser exclusivo desta linhagem."
E acrescentou: "É preciso analisar outros insetos. No meu laboratório, estamos agora estudando baratas e alguns crustáceos para ver se o processo se repete da mesma maneira".
Entretanto, ele ainda tem esperança de que um registro fóssil possa um dia ajudar a resolver o mistério.
"Estamos muito confiantes em nossas análises, mas elas são apenas uma previsão. Seria muito legal realmente ver a forma de um inseto ancestral."
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