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Estupro de vulnerável: o que é, qual a pena e agravantes

Saiba o que é considerado estupro de vulnerável pela lei - iStock
Saiba o que é considerado estupro de vulnerável pela lei Imagem: iStock

Colaboração para Universa, em São Paulo

24/01/2023 18h50

O estupro de vulnerável é um crime previsto no artigo 217 - A, do Código Penal, e tipifica qualquer pessoa que mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de quatorze anos.

A conjunção carnal é caracterizada pela penetração do pênis na vagina, enquanto o ato libidinoso pode ser qualquer ato que fira a dignidade sexual da vítima de forma relevante, mas que não são seja a conjunção carnal, como sexo oral ou coito anal.

"Também é considerado estupro de vulnerável se a vítima for possuidora de algum tipo de enfermidade ou deficiência mental e, por isso, não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou que não possa oferecer resistência e mesmo assim houver o ato libidinoso ou a conjunção carnal", aponta Giovanna Zanata Barbosa, advogada, sócia do escritório Zanata & Calbucci Advogados Associados, mestre em Direito Processual Penal pela USP (Universidade de São Paulo).

De acordo com a advogada, considera-se o mesmo crime se por qualquer outra causa a vítima não tenha o necessário discernimento para a prática do ato ou que não possa oferecer resistência, a exemplo da pessoa que fez - conscientemente ou não - uso de substâncias como álcool ou drogas.

Estupro de vulnerável: qual a pena e mais

Qual é a punição prevista para estupro de vulnerável na lei brasileira?

A pena prevista para o estupro de vulnerável é de oito a quinze anos de reclusão.

"Essa variação existe para o juiz analisar todas as circunstâncias antes de definir a pena: antecedentes; comportamento do réu; se ele se arrependeu; se confessou o crime e se tentou remediar o crime de alguma forma", explica a advogada criminalista Jaqueline Valles, conselheira do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

A pena pode ser maior ou menor por determinados motivos? Quais?

"Sim, há as chamadas qualificadoras do crime, que aumentam as penas do delito. No caso do estupro de vulnerável há duas delas. A primeira prevê que caso o estupro gere lesão corporal na vítima, de natureza grave, a pena passa a ser de dez a vinte anos de reclusão", afirma a advogada Giovanna Zanata Barbosa.

A lesão corporal de natureza grave é aquela que gera incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; ou perigo de vida; ou debilidade permanente de membro, sentido ou função; ou, ainda, aceleração de parto.

Já se o estupro causar a morte da vítima, a pena passa a ser de doze a trinta anos de reclusão.

Há alguma parte da lei que pode ser considerada uma "área cinzenta"?

Uma questão, aponta a advogada Jaqueline Valles, é com relação às situações em que a vítima afirma ter consentido uma relação sexual.

"Quando alguém mantém relações sexuais com uma menor de 14 anos, ele será considerado estuprador mesmo que a vítima afirme, na delegacia, que agiu por vontade própria, e mesmo que haja consentimento da família. Podem, inclusive, morar juntos, mas isso não muda a caracterização do crime. Ao 'pé da letra', mesmo assim, ele é considerado um estuprador e vai sofrer as mesmas sanções como qualquer estuprador", diz.

Valles lembra de dois casos emblemáticos que passaram pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre o assunto.

Um deles diz que não interessa o quanto a vítima diga que concordou, porque a lei partiu do pressuposto de que ela não tem discernimento para concordar. Então seu companheiro será incriminado e irá para a cadeia.

Contudo, em 2021, um novo julgamento inocentou um jovem de 17 anos que manteve relações sexuais com uma menina de 13 anos e foi acusado de estupro de vulnerável.

"Nesse caso, eles mantinham um relacionamento que era de conhecimento de toda família. Eles moravam juntos e tiveram um filho. Uma tia soube que a sobrinha teve o filho e foi para a delegacia denunciar o rapaz. O jovem foi afastado do lar. Nesse caso, o STJ, julgou esse rapaz inocente porque entendeu que não houve uma violência contra a dignidade dessa sua companheira. Então considero que este é um ponto que precisa de mais clareza da legislação", afirma.

Como denunciar um estupro de vulnerável? São necessárias provas?

É possível realizar denúncia através do "disque denúncia" por contato telefônico, pelo número 181 ou 180 para os casos envolvendo Violência Contra a Mulher, sendo que a identidade do denunciante pode ser mantida em sigilo.

Alguns estados permitem que a denúncia seja realizada pela internet, como é o caso de São Paulo e Espírito Santo.

É possível também que a própria vítima se dirija, preferencialmente, à Delegacia de Defesa da Mulher, e solicite que um boletim de ocorrência seja feito.

O estupro não é apenas a conjunção carnal, mas qualquer ato libidinoso cometido sem o consentimento da vítima. Por isso, muitas vezes, não deixa marcas que vão ser notadas em um exame de corpo de delito, por exemplo.

A lei considera, então, como prova, a palavra da vítima para iniciar uma investigação. E ao longo do processo serão colhidos outros depoimentos que corroborem com a denúncia.

Se o crime aconteceu há anos, o criminoso ainda pode responder legalmente?

Sim, o criminoso ainda pode responder legalmente em um prazo de 20 anos, de acordo com a lei brasileira vigente.

"Antes de 2009, o código penal tinha apenas crime de estupro e um outro artigo que tratava da presunção de violência, no qual entravam os casos em que a vítima era incapaz de consentir. Isso muda algumas coisas em relação à contagem de casos que aconteceram antes de 2009, mas basicamente a regra é que esse tipo de crime se prescreve em um prazo de vinte anos", esclarece a advogada Maira Pinheiro.

Há diferença no atendimento de homens e mulheres?

Crianças do sexo masculino (menores de quatorze anos), assim como homens portadores de enfermidade ou deficiência mental ou que por qualquer outra causa não tenham o necessário discernimento para a prática do ato, podem ser vítimas do estupro de vulnerável desde 2009, com a entrada em vigor da Lei Federal 12.015,

"Entendo que passados mais de treze anos dessa alteração legislativa, não é possível dizer que haja diferenciação no tratamento entre homens e mulheres", conclui Zanata.

Há sinais de que alguém pode estar sendo vítima de estupro de vulnerável?

Sinais físicos e psicológicos, a depender de cada caso, podem ser notados.

Na parte psicológica, a vítima pode desenvolver transtorno por estresse pós- traumático, transtorno de ansiedade generalizada, ou depressão. É possível que ela se torne mais reclusa ou tenha mudanças no comportamento, demonstrando nervosismo e medo, quando está próxima do agressor.

Entre os sinais físicos, hematomas, arranhões e lesões genitais no corpo da vítima, como inchaço e lacerações (cortes).

Também é possível que a vítima seja contaminada por infecções sexualmente transmissíveis, como, sífilis, gonorreia e HIV e até que o estupro gere uma gravidez indesejada.

No caso de crianças e adolescentes, um bom relacionamento com os pais ou tutores, de confiança e que deixe espaço sempre aberto para diálogos, pode ser determinante para que a vítima tenha coragem de denunciar.

No estupro de vulnerável, nota-se algum tipo de padrão de criminoso?

De acordo com a advogada criminal Maira Pinheiro, que atua na área do direito das mulheres, o que as estatísticas mostram é que nos crimes sexuais de maneira geral, é mais comum o agressor ser alguém conhecido da vítima.

"É muito naturalizado na nossa sociedade pensar que a violência sexual seria fruto de algum tipo de patologia, quando na verdade e é muito mais sobre fatores como expressão de relações de poder, do patriarcado e da diferença de idade."

Pinheiro reforça que o estereótipo do "estuprador da rua escura, o desconhecido com quem a vítima entra em luta corporal para se defender", é uma exceção.

"O que costumamos falar na advocacia de defesa dos direitos das mulheres é que o lugar mais perigoso do mundo para mulheres e para crianças muitas vezes é dentro de casa."

O Estado oferece algum tipo de assistência psicológica para vítimas?

Sim. As vítimas são respaldadas pela lei 12.845, conhecida como a Lei do Minuto Seguinte, que entrou em vigor em 2013.

"Ela obriga os hospitais e toda a rede de amparo sociológico, psicológico e emergencial a dar amparo imediato a qualquer pessoa que se apresente dizendo que foi violentada e que precisa de ajuda", indica Valles.

Valles lembra, ainda, que a lei garante que ela tenha um atendimento muito rápido, antes de denunciar o crime na polícia e de iniciar qualquer investigação criminal. Ou seja, a vítima não precisa ir à delegacia para receber ajuda imediata.