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Alckmin enfrenta a dor de perder um filho; é possível superar?

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

06/04/2015 11h43

Thomaz Rodrigues Alckmin, filho do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi uma das cinco vítimas da queda do helicóptero EC-155, na Grande São Paulo, na tarde de quinta-feira (2). Thomaz tinha 31 anos e era piloto profissional de aeronave. O governo do estado diz que a família Alckmin está inconsolável e busca conforto na fé.

As sensações de impotência, raiva, revolta, choque, vazio, angústia e inconformismo são inevitáveis e causam sintomas físicos. Se no início o desespero parece que nunca terá fim, ao longo do tempo, porém, é possível recuperar a vontade de seguir adiante. Demora, é difícil, mas viável, segundo especialistas.

Toda perda representa uma grande mudança na vida. É um processo individual de adaptação ao mundo sem a pessoa que morreu. Mas a morte de um filho costuma ser mais dolorosa por mudar a ordem natural das coisas, segundo a terapeuta de luto Adriana Thomaz. Médica com diversas especializações no Brasil e no exterior, ela atende em média 100 pacientes por mês em seu consultório, no Rio de Janeiro (RJ).

Para ela, o sofrimento dos pais é intenso sobretudo porque eles investem emoções em seus filhos. "Não poder mais desempenhar esse papel representa uma espécie de ‘desinvestimento’. Por outro lado, os laços afetivos não são rompidos, produzindo sentimentos como tristeza, medo e insegurança. As perspectivas são transformadas, os pais não veem mais sentido na vida. Perde-se o futuro presumido e o prolongamento de si mesmo na figura do filho", explica.

"A complexidade da perda de um filho se caracteriza pelo impacto que provoca em nossa relação com o passado, o presente e o futuro. Afeta o equilíbrio conjugal e familiar e nos imputa uma percepção muito insegura com relação à vida, por seu aspecto ilógico e precoce”, fala a psicoterapeuta Gabriela Casellato, doutora em psicologia clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), especialista em psicoterapia com famílias enlutadas e membro do Quatro Estações Instituto de Psicologia, na capital paulista.

Processo individual

A psicóloga Gláucia Tavares, que perdeu a filha Camille aos 19 anos - Divulgação - Divulgação
A psicóloga Gláucia Tavares, que perdeu a filha Camille aos 19 anos
Imagem: Divulgação

O luto é um complexo processo individual com diferentes fases. Ao final dele, a pessoa vivencia momentos de alívio e o sofrimento é menos frequente. O relacionamento com a pessoa perdida se estabelece de uma outra forma. A morte acabou com a vida de alguém, mas essa pessoa poderá ser encontrada para sempre na memória.

Segundo Adriana Thomaz, os enlutados costumam alternar dois estados. Primeiro, o sofrimento intenso, que traz a desordem. O segundo consiste na reconstrução e reorganização. "É comum que as pessoas oscilem entre esses dois estados várias vezes por dia. Embora não possamos dividir o luto em fases bem definidas, conhecê-las ajuda na compreensão e são fundamentais na hora de retomada da vida", explica.

A psicóloga clínica Gláucia Tavares, mestre em Ciências da Saúde pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e fundadora do API (Apoio a Perdas Irreparáveis) afirma que quem sofreu a perda precisa evitar se tornar refém das lamúrias e, principalmente, de culpas infundadas e inúteis.

"Perguntas do tipo 'por que comigo?', 'por que não eu?', 'eu poderia ter evitado?', 'e se eu tivesse feito algo diferente?' não ajudam em nada. É melhor se perguntar qual aprendizado as circunstâncias oferecem e agarrar-se ao sentimento de gratidão por aquela pessoa ter feito parte da sua vida", diz a especialista, organizadora do livro "Do Luto à Luta" (Ed. Casa de Minas).

Gláucia, que perdeu a filha Camille aos 19 anos, em 1998, vitima de um acidente de trânsito, afirma que os rituais de despedida têm um papel crucial para o processo de luto, em especial nas situações de morte súbita, precoce e/ou violenta, o que leva o enlutado a um desafio maior para concretizar a realidade da perda.

Camille foi jogada para fora do veículo em que estava e caiu em um rio cheio de esgoto. Gláucia não hesitou em ver o corpo da filha no IML (Instituto Médico Legal) e, embora não pudesse tocá-lo, pois corria o risco de ser infectada (por causa da poluição do rio), afirma que isso foi fundamental para entender que a moça estava realmente morta.

"Tomar as providências, como escolher a urna e a roupa que ela vestiu, me ajudou a ter um choque de realidade. Hoje, como profissional que ajuda enlutados, aconselho que as pessoas façam esses preparativos. O processo de luto precisa começar o quanto antes", diz. “O ritual concretiza a ausência e cria condições para atribuirmos um significado à morte e à vida", diz a psicoterapeuta Gabriela Casellato.

Transformar o quarto do filho em uma espécie de santuário é uma atitude comum e que deve, no princípio, ser respeitada, assim como a decisão de preservar pertences de quem faleceu. "Os pais precisam de um tempo para se despedir do filho. Manter o quarto com as coisas dele é como manter sua presença na casa. Com o tempo, os pais sentirão a necessidade de se desfazer de algumas coisas e guardar outras. Não vejo problema nisso, desde que as pessoas não paralisem suas vidas ou neguem a perda para sempre", afirma a terapeuta de casal e família Miriam Barros, membro da Febrap (Federação Brasileira de Psicodrama).

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Casal atravessa provação

Há a impressão de que o sofrimento é maior para a mãe do que para o pai, pelo vínculo que a mulher desenvolve com o filho desde a gravidez. Mas não é assim. "Não há como mensurar a dor emocional como sendo maior ou menor apenas pelo gênero ou papel familiar. Cada um sofre à sua maneira", explica Adriana Thomaz. Não dá para dizer que a dor de um é menor apenas por expressar menos seus sentimentos.

O impacto da perda do filho pode provocar um abismo na comunicação do casal. Não é raro que alguns se separem pouco tempo depois de uma tragédia. "Muitos casais ficam mais unidos e se ajudam. Outros não conseguem lidar com os próprios sentimentos e, ainda, têm de lidar com os do parceiro", conta Miriam Barros.

Algumas vezes, isso ocorre graças às diferenças no jeito de enfrentar o luto. "O que desaconselho é comparar a reação particular de alguém com o luto de alguma pessoa conhecida, como se agir desse ou daquele modo fosse o correto", conta Adriana Thomaz.

A vida continua

Karine perdeu um filho de quatro anos e meio após uma cirurgia cardíaca - Junior Lago/UOL - Junior Lago/UOL
Karine perdeu um filho de quatro anos e meio após uma cirurgia cardíaca
Imagem: Junior Lago/UOL

Encontrar um sentido para a morte e para a vida é um grande desafio para todos que perdem alguém querido. E é um exercício necessário. Alguns precisam de mais ajuda –terapia, grupos de apoio, uma rede de parentes e amigos dispostos a ouvir. “Quem perde um filho precisa compartilhar a dor com outras pessoas e, na maioria das vezes, requer ajuda médica e terapêutica", diz Márcia Torres, coordenadora e fundadora do grupo ASDL/RJ (Amigos Solidários na Dor do Luto/Rio de Janeiro).

“Em casos de violência ou de doenças graves, o envolvimento dos pais em ajudar outras pessoas com problemas semelhantes aos que os seus filhos enfrentaram produzem a sensação de reparação. É como se fizessem justiça ou recuperassem um pouco da esperança perdida”, diz Miriam Barros.

Foi o que fez Karine de Carvalho, 35, fisioterapeuta. Em 2007, ela perdeu um filho de quatro anos e meio após uma cirurgia cardíaca. "Parecia que tinham aberto meu peito e arrancado meu coração, minha alma. Meu marido e eu tivemos de reaprender a viver. Mas a perda me fez reforçar o sonho de ajudar outras crianças doentes", conta ela.

Karine, que se especializou em fisioterapia respiratória, hoje, lida, diariamente, com pais que enfrentam o mesmo sofrimento que ela encarou. "Já amparei diversas mães e sempre procuro ajudá-las a avaliar a situação por outros ângulos, pois sei o que elas sentem. Temos de aprender a superar e continuar a viver", diz a fisioterapeuta, que hoje é mãe de Felipe, 5, e Luisa, 2.

"Aprendi que, quando perdemos um filho, jamais voltaremos a ser a mesma pessoa, mudamos para nos tornarmos melhores. A saudade é eterna, mas a força de superação também precisa ser, pois não existe substituição entre filhos. Eles merecem ser felizes e não podemos valorizar nossa dor fazendo-os sofrer. Ao contrário, buscamos forças para fazê-los tão felizes quanto eles nos fazem", conclui Karine.

A chegada de uma nova criança pode ajudar bastante os pais enlutados a encontrarem motivação, mas não são uma substituição. "Filho não é peça de reposição", declara a psicóloga Gláucia Tavares. “Na minha opinião, qualquer atitude que tenha a intenção de ser uma recompensa imediata não deve ser tomada logo após a perda. Transformações drásticas, como mudar de casa, também devem ser evitadas. Tentar fugir da dor não resolve", diz.

O psicólogo carioca Paulo Cesar de Souza, 44 anos, conta que, embora sua formação profissional tenha influenciado na maneira como lidou com sua perda, é a soma de outros fatores que têm contribuído no enfrentamento da morte de Gabriel, 8, há pouco mais de dois anos e meio, por complicações após um transplante de rim.

Pai de Gabriel, que morreu aos oito anos, Paulo optou por praticar atividade física para evitar a depressão - Marco Antonio Cavalcanti/UOL - Marco Antonio Cavalcanti/UOL
Pai de Gabriel, que morreu aos oito anos, Paulo começou a correr para evitar a depressão
Imagem: Marco Antonio Cavalcanti/UOL

"Sou espírita e acredito que a morte não é o fim. Mergulhei no trabalho e encontrei muito apoio na minha mulher, que também não se deixou abater e criou a página ‘Transformando a Dor’, no Facebook, para trocar ideias com pessoas que também tiveram perdas", conta Paulo, que com a mulher está na fila de espera de um processo de adoção.

Para evitar a depressão, doença recorrente em quem perde um filho, Paulo optou por praticar uma atividade física: correr três vezes por semana. Em cada prova que participa, leva o retrato de Gabriel nas mãos como forma de homenageá-lo. "Eu sofro até hoje. É uma ferida que ainda dói muito, mas tento levar um dia de cada vez. Hoje, consigo projetar um futuro para mim e para a minha família”, diz.

Segundo Gláucia Tavares, um dia, a ferida para de sangrar. A cicatriz, no entanto, é para sempre, pois ninguém esquece um filho. "À medida que o tempo passa, a vida segue seu curso. E é importante ter em mente que buscar a felicidade não é uma deslealdade à memória de quem se foi", diz