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#MulheresnoBBB: "Não me surpreenderia outro homofóbico ganhar", diz Morango

Angélica Martins, a Morango - Reprodução/Instagram
Angélica Martins, a Morango Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

23/01/2021 04h00

A colunista de Universa Angélica Martins, a Morango, foi a primeira lésbica a pisar na casa do Big Brother Brasil, há 11 anos. Participaram da mesma edição dois homens gays: Serginho Orgastic e Dicesar Ferreira. Juntos, eles formavam a Tribo dos Coloridos — para Morango, uma clara tentativa da produção da Globo de aumentar a diversidade no reality.

Até a estreia do Big Brother Brasil deste ano, em 25 de janeiro, Universa publica histórias de ex-BBBs que levantaram debates importantes, especialmente para as mulheres.

Neste depoimento, ela conta sobre a decisão de se assumir para a família na TV aberta, relata atos de homofobia que presenciou dentro da casa e descreve a sensação de ver o protagonista destes episódios, Marcelo Dourado, levar o prêmio de R$ 1 milhão. "Onze anos depois, eu não me surpreenderia se outro homofóbico ganhasse o programa. Basta ligar a TV para ouvir declarações que o Bolsonaro faz diariamente e têm repercussão positiva para tanta gente".

Angelica Morango BBB - TV Globo/Frederico Rozario - TV Globo/Frederico Rozario
Imagem: TV Globo/Frederico Rozario

"Naquela época, havia um questionário com mais de cem perguntas para fazer a inscrição no BBB, e um dos questionamentos era sobre orientação sexual. Coloquei lá: lésbica. Quando a produção me chamou para a primeira entrevista, com o Boninho e outros diretores, que é conhecida como cadeira elétrica, eles confirmaram essa informação e perguntaram se eu estaria disposta a falar disso no programa. Disse que sim.

Meus pais e meu irmão sabiam sabiam da minha orientação sexual, o resto da minha família não. A minha avó, por quem eu tenho um carinho enorme, não sabia. Eu tinha medo de contar e sofrer caso ela não aceitasse. Quando a produção confirmou que eu estava na casa e me levou para o confinamento, deixaram que eu ligasse para o meu pai, e eu pedi que ele contasse para a minha avó, mas ele não contou. E ela soube pela TV que sou lésbica.

Na casa, nunca refleti sobre ser a primeira mulher lésbica. Não fiquei pensando sobre isso. A gente não tem a menor ideia do que tá sendo passado aqui fora. Eu fui eliminada na metade do programa, com 43 dias, mas não acredito que isso tenha tido nada a ver com a minha sexualidade.

Eu falei lá dentro e falo até hoje: ser lésbica é uma das minhas características, nem é a principal. É um só um detalhe, como ter olho castanho ou gostar de azul.

Acredito que, naquele ano, houve uma tentativa da produção de colocar mais diversidade. E foi ótimo, porque nós três, eu, Dicésar e Serginho [que são gays], nos sentimos muito confortáveis um com o outro. Quando a gente pensa em representatividade, é sobre isso também. Ter outras duas pessoas abertamente homossexuais ali me deixou mais confortável, embora os outros participantes tenham sido bem tranquilos em relação à minha sexualidade. Eu não tive lá dentro a sensação de sofrer homofobia. Mas vi acontecer pelo menos duas vezes, ambas envolvendo o Dourado [Marcelo Dourado, campeão da edição]. Da primeira vez foi contra o Dicesar.

Dourado fez um comentário sobre só gays transmitirem Aids e heterossexuais não, o que é um absurdo. A segunda foi contra o Serginho. Estávamos almoçando ou jantando e todos começaram a contar do Carnaval, quem pegou quem, quantas pessoas beijou. E o Dourado estava lá, tranquilo. Quando o Serginho falou sobre os boys que ele tinha beijado, o Dourado pegou o prato e se retirou. Foi uma atitude claramente homofóbica.

Esses dois episódios me deixaram bem mal e, na época, tinham repercussão positiva aqui fora. É assim até hoje. Basta ver os telejornais para ouvir declarações homofóbicas, racistas, misóginas e xenofóbicas que o Bolsonaro faz diariamente e têm repercussão positiva para tanta gente. Essas pessoas sempre vão existir.

Agora, onze anos depois, eu não me surpreenderia se outro homofóbico ganhasse o programa. A gente não precisa ir muito longe: há dois anos, a vencedora [Paula Von Sperling] teve diversas atitudes racistas e ganhou o programa. O avanço vem aos poucos.

Mais de 200 pessoas já passaram pelo BBB, mas, quando você tenta lembrar dos LGBTQ+, chega a no máximo dez nomes. É muito pouco, e não espelha a população brasileira. O mesmo acontece com a questão racial. Mesmo com a Theminha ganhando e o Babu representando tão bem no ano passado, o número de pessoas negras selecionadas ainda é muito pequeno. Existem falhas na seleção do BBB. E isso precisa ser revisto para ontem.

Obviamente não foi o Trio dos Coloridos o primeiro grupo LGBTQ+ a ter visibilidade, muitos vieram antes, principalmente na música — Ney Matrogrosso, Cazuza, Adriana Calcanhoto e especialmente Cassia Eller. Mas houve muita liga entre nós três [Morango, Dicesar e Serginho] e acho que, a partir dali, as pessoas começaram a ver os homossexuais com outros olhos.

Avós com seus netos, mães e pais com seus filhos. Recebi muitas cartas e e-mails contando histórias de pessoas que, com o programa, reuniram coragem para falar às famílias sobre sua sexualidade. Esse foi o maior prêmio que eu recebi.

Isso aconteceu dentro da minha casa inclusive. O meu pai, que era bem homofóbico, mudou. Ele fez um blog para mim enquanto eu estava no programa e lá conheceu muita gente, recebeu muitas histórias de pessoas contando sobre suas dificuldades com as famílias porque são LGBTQ+, e isso mudou a cabeça dele".

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