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Claudia Raia: 'Luto contra velhofobia. Estou melhor agora do que aos 30'

"Existem caminhos para a beleza aparecer em todas as idades", diz Claudia Raia - Reprodução/Instagram/Vinícius Mochizuki
"Existem caminhos para a beleza aparecer em todas as idades", diz Claudia Raia Imagem: Reprodução/Instagram/Vinícius Mochizuki

Camila Brandalise

De Universa

28/10/2021 04h00

Claudia Raia tem 54 anos e uma certeza: a idade lhe deu muito mais coisas boas do que tirou. "E as poucas que eu perdi percebi que nem eram tão importantes assim", diz a atriz em conversa com Universa por telefone, com o vozeirão tão familiar do público brasileiro — afinal, já são 37 anos na televisão.

"Hoje me olho em uma foto de 25 anos atrás e penso que melhorei muito. Eu fui me conhecendo, sei o que fica bom em mim, como eu quero me ver, não o que os outros dizem que tem que ser. Acho um erro querer aparentar uma idade que não se tem mais."

A bandeira contra a "velhofobia", inclusive, é uma das suas lutas atuais. Fala do assunto com frequência para, pelo menos, tentar fazer as pessoas entenderem que uma mulher, quando envelhece, não está ficando "passada".

"Para nós, por muito tempo, foi assim: chegava aos 40, 50 anos, te jogavam no buraco. Aí ressurgia aos 80 como vovó fofa. O homem, quando envelhece, fica charmoso. E a gente, pode jogar fora? Isso é cruel. Mas, de uns tempos para cá, vejo que estamos começando a questionar mais esse preconceito. Existem outras belezas, outros caminhos para percorrermos."

Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello - Reprodução/Instagram/Bruno Lemos - Reprodução/Instagram/Bruno Lemos
Claudia e Jarbas Homem de Mello em cena do musical "Conserto para Dois", em cartaz em São Paulo
Imagem: Reprodução/Instagram/Bruno Lemos

Nas redes sociais, no júri do "Show dos Famosos", do "Domingão com Huck", no teatro com o musical "Conserto para Dois", e no casamento com o ator, cantor e bailarino Jarbas Homem de Mello, com quem divide o palco da peça, Claudia mostra todo o vigor de quem "tem liberdade para ser quem é e quem construí para chegar até aqui". Mas não se esquiva de falar de um dos maiores problemas que a idade traz para a mulher: a menopausa.

Lembra, porém, que os sintomas não são sinônimo de que a vida acabou. Inclusive em relação à sexualidade. "É dificílima a lubrificação nesse período. Mas tem muita coisa para ajudar, não só pelo sexo mas também para a saúde da vagina. Eu fiz um tratamento com laser que até indiquei para outras mulheres."


UNIVERSA: Você costuma falar sobre direitos das mulheres e poder feminino com frequência. Qual é o debate mais urgente em relação a esses temas?

CLAUDIA RAIA: Eu levanto a bandeira do ageless ["sem idade"]. Agora que está se falando mais de etarismo, velhofobia. Ainda assim, parece que as pessoas velhas não existem. A mulher, se passou dos 40 anos, está passada. O que noto, no alto dos meus 54 anos, é que somos mais preparadas em relação à saúde do que os homens, somos munidas de informação sobre menstruação, depois gestação, amamentação. Mas acabou essa parte reprodutiva, você morre. Não se fala sobre menopausa. É um "você que se f***". Também há assuntos muito importantes como feminicídio e violência doméstica. A mulher que sofre violência, por exemplo, muitas vezes nem sabe que é um problema, acha que amanhã a agressividade do marido passa. Precisamos tocar mais nesse assunto.

Quando começou a pensar mais sobre o preconceito contra mulheres relacionado à idade?

Eu penso nisso desde mais jovem. Não permitia que falassem na minha frente: "Estou velha". Sempre foi uma luta. Achava um desrespeito falar de uma mulher assim. O homem fica charmoso e a mulher pode jogar fora? É cruel. De uns quatro ou cinco anos para cá, resolvi levantar essa bandeira. O Brasil está atrasadíssimo nessa discussão. Agora que começou a entrar no assunto da velhofobia.

Para nós, por muito tempo, foi assim: chegava aos 40, 50 anos, te jogavam no buraco. Aí ressurgia aos 80 como vovó fofa. Mas essa mulher hoje tem o poder que se chama economia prateada, o mundo inteiro fala disso. E essa parcela da população feminina é responsável por uma grande fatia do consumo global.

Como lidou com o período da menopausa?

Faço uma pequena reposição hormonal, pois tenho enxaqueca e não posso me tratar com uma quantidade maior de hormônios. Meu médico, que é um gênio, fez uma matemática que conseguiu segurar os sintomas que eu tinha. Também trabalhei muito o assoalho pélvico na minha vida, sou bailarina, tudo isso me ajuda nesse momento. A lubrificação é dificílima, mas tem muita coisa para ajudar. Fiz um tratamento com laser e indiquei para outras mulheres.

Os sintomas são insuportáveis. Dores para transar, secura, incontinência urinária. Não só não é fácil como pode acontecer também de ficar completamente descontrolada emocionalmente. Mas o que eu digo é para não ficar acomodada. A vida não acabou por causa da menopausa.


O tempo te deu ou te tirou mais coisas?

Me deu muito mais do que me tirou. Na verdade, tirou poucas coisas, e que nem são tão importantes. Pego uma foto minha de 25 anos atrás e me olho hoje com 50, vejo que melhorei muito. E não só em maturidade. Vivo no modo econômico, falando o que tem que ser falado. É uma sapiência maior em direcionar onde tem que mirar. Esteticamente, eu fui me conhecendo, sei o que fica bom em mim, como quero me ver, não o que os outros dizem que tem que ser.

É um erro aparentar uma idade que não tem mais, uma busca frustrada o tempo todo. Existem outras belezas, outros caminhos para essa beleza aparecer em todas as idades.

Em que outros momentos da sua vida sentiu o peso de ser mulher?

Na época dos anos 1980, 1990 era muito pior. Não que hoje seja muito melhor, mas somos mais ouvidas, estamos caminhando para frente, mesmo a passos lentos. Tinha em casa uma mulher incrível, minha mãe, que me ajudou a me defender e a passar por cima do machismo estrutural. Ela era uma mulher potente, tinha uma academia de dança e fazia espetáculos em uma época que quem trabalhava com arte era vista como puta.

Então eu ia direto nos CEOs das empresas para apresentar projetos, eles recebendo 'a gostosa da Claudia Raia', e eu fingindo que não era comigo. Se viesse cantada, fingia que não era comigo, e assim eu fui levando.

Eu me lembro do momento em que decidi que não seria 'a gostosa', mas que iria usar minha beleza e minha gostosura a meu favor. Tem hora que você tem que ser inteligente. Pensava: 'Ah, é esse o caminho que estão me oferecendo? Então é por aí que eu vou, lá na frente transformo'. Fui abrindo os meus espaços a fórceps. Demorei para ser vista como comediante? Como boa atriz? Sim. Mas fui quebrando os rótulos todos.

Até agora falamos das dores femininas. E quais são as delícias?

São muitas. Ser mulher é único. Se tivesse que escolher como iria reencarnar, seria como mulher. Acho mais interessante, mais complexo. Somos cheias de mistérios, temos nossos caminhos a serem descobertos. Somos maravilhosas.

Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Em clique divertido com o marido
Imagem: Reprodução/Instagram

Muitos casais se separaram durante a quarentena. Mas você e o Jarbas não só passaram o confinamento juntos como agora estão na mesma peça. Tiveram que lidar lidar com algum desgaste?

Pelo contrário, estamos num grude. Ele está passando uns dias ensaiando outra peça e faz uma falta... A gente fica mandando mensagem: "Cadê você?". Nesse período enclausurados em casa, embora tanta tragédia tenha acontecido, descobrimos que nos damos muito bem, adoramos muito a companhia um do outro. Descobrimos muitos prazeres maravilhosos além de trabalhar, porque quase não sabíamos fazer nada além disso. Fizemos uma horta, por exemplo. Admiro muito o Jarbas. É um homem maduro, mas que não amargou com a vida. É alegre, feliz, grato por tudo.

Você teve um projeto cancelado pela Prevent Senior em 2018, ao apoiar o movimento "Ele Não" contra o então candidato e hoje presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em algum momento se arrependeu por se posicionar politicamente?

Não. Como cidadã, a gente acaba sendo influenciadora, eu não posso me calar e fingir que não estão acontecendo essas barbaridades no país. É apartidário, é acima de qualquer outra coisa, é humanitário. Não posso ficar isenta e não falar sobre as queimadas na Amazônia ou quando o presidente diz que a vacina contra covid desenvolve Aids. Isso é inacreditável. Nesse caso da Prevent Senior, eu publiquei o "Ele Não" e, dois dias depois, o projeto que eu tinha com eles, de curadoria para um teatro, foi por água abaixo. A equipe foi dispensada sem nenhuma satisfação. Foi estranho.

Uma coisa que eu não faço mais é campanha política. Eu acreditei no Collor [presidente de 1990 a 1992, quando renunciou] como a maioria dos brasileiros, fiz campanha, estive do lado. Mas fiz um combinado comigo mesma: esse tipo de apoio não dou mais nem se minha mãe se candidatasse.

Como atriz e produtora, você tem acompanhado a área cultural de perto há anos. Como você vê as ações do governo voltadas para o setor?

Não tem nenhuma ação do governo. Eles não gostam de artistas, de arte. Tem uma secretaria muito mal administrada, não existe esse quesito. É uma área não só esvaziada como anulada, é uma questão prioritária essa anulação. É uma pena. Mas os governos passam e a gente fica.

Seu próximo projeto é uma peça sobre a pintora Tarsila do Amaral, a quem considera uma "mulher forte, que enfrentou de tudo". Você começou a carreira cedo, aos 13 anos, e conta ter batalhado para chegar onde chegou. Vê similaridade nas histórias de vocês?

Eu me reconheço muito na história dela. Mas foi a Tarsilinha do Amaral, sobrinha-neta dela, que viu isso primeiro. Ela tem os direitos de toda a obra e me procurou para eu fazer a Tarsila. Surgiu a ideia do musical e ela disse que só faria se fosse comigo no papel. Disse que sou a única mulher para viver a tia, o temperamento, a força. Fiquei absolutamente lisonjeada. Agradeci a oportunidade e a comparação. Deve estrear no final de 2022, nos 100 anos da Semana de Arte Moderna, como uma celebração da pintura, da arte e da retomada da cultura do país.