'Xapa xana': sem fiscalização, lubrificante de maconha pode afetar saúde
Fora do Brasil, em países como Estados Unidos e em alguns lugares da Europa, os lubrificantes à base de canabidiol (principio ativo da cannabis sativa) podem ser comprados em qualquer sex shop ou até mesmo na internet. Por aqui, a venda de cosméticos "canábicos" ainda é proibida.
Isso não impede, contudo, que exista um mercado paralelo de comercialização desse produto carinhosamente apelidado pelos brasileiros de "xapa xana" —brincadeira com um dos efeitos da maconha que é o entorpecimento físico.
Quem faz uma busca no Google, até consegue encontrar receitas de como produzir o lubrificante em casa. Para além dos questionamentos legais, morais e políticos ao redor do tema, a dúvida que fica é: mas será que o lubrificante canábico caseiro é seguro?
De acordo com especialistas, os riscos de contaminação e desenvolvimento de doenças íntimas para produtos feitos sem fiscalização e controle da Anvisa são altos. Debatemos o tema:
Qual o efeito de um "xapa xana"?
Assim como a cannabis consumida via oral, a promessa do lubrificante canábico é a de "amortecer" a região íntima e, com isso, prolongar a sensação de prazer.
Maria* não se esquece da primeira vez que usou um lubrificante canábico: "Tive um orgasmo incrível, inexplicável, múltiplo. Foi muito intenso, nunca senti nada igual. Fiquei maravilhada com aquilo".
Ela conta que comprou o produto na internet, por meio de um perfil no Instagram. "Estava em uma fase de experimentações. Tinha começado a me masturbar de outras formas e a usar vibradores. Achei um perfil que vendia o lubrificante de maconha. A página tinha um discurso de liberação do uso da cannabis (com o qual eu concordo totalmente) e também sobre o aumento de orgasmos que a planta provocava. Não pensei duas vezes e adquiri o 'xapa xana'", disse a socióloga de 28 anos em entrevista a Universa.
Riscos à saúde
Depois de alguns dias do uso do "xapa xana", contudo, Maria passou a ter problemas de saúde na região íntima. "Comecei a ter um corrimento estranho com um cheiro péssimo. Logo descobri que era vaginose. Fiz tratamento com pomada e comprimido; após um período, me liguei que os efeitos colaterais tinham relação com o óleo", constata.
A ginecologista e especialista em saúde íntima Mariana Rosário alerta para os riscos do uso de produtos eróticos que não têm fiscalização de órgãos de saúde. Entre os efeitos colaterais, o cosmético pode causar infecções, candidíase e vaginose. Segundo ela, o "xapa xana" é capaz de potencializar as chances de a usuária ter uma complicação de origem bacteriana ou fúngica.
"Mulheres e pessoas com vulva que possuem uma microbiota vaginal totalmente atrapalhada, as que apresentam corrimento, infecção urinária de repetição, a que já teve alguma IST (Infecção sexualmente transmissível) ou que tem alguma doença que altera a imunidade local, como por exemplo o HIV, gonorreia, clamídia, estão mais suscetíveis à infecção", pondera a médica.
Nós não sabemos se os produtos passam por todas as etapas de cuidados, se o manuseio é feito de maneira correta, se é higiênico.
Mariana Rosário, ginecologista e obstetra
Foi o que aconteceu com Maria. "Na época (em que comprou o "xapa xana") não parei para refletir sobre a fabricação do mesmo, os riscos e tudo mais. Hoje, depois que adquiri mais conhecimento sobre sexualidade feminina, não uso o produto e não recomendo. Não dá pra saber nada sobre a produção, controle de ambiente, embalagem... A ideia é ótima, mas infelizmente não dá para confiar. A vagina tem uma flora específica, não tem como usar qualquer substância ali", reflete.
A especialista Mariana alerta para outro risco, o de contaminação sistêmica (o risco de ficar totalmente "chapado"). "Precisamos lembrar que tudo que é aplicado na região da vagina e da vulva é absorvido via corrente sanguínea", alerta. "A cannabis pode ser absorvida e você pode ter um efeito sistêmico. Precisa ter cuidado com a dose. Se a pessoa não está acostumada com o uso do ativo, o produto se torna perigoso."
Ela orienta a sempre procurar um profissional médico antes de aplicar um novo produto na área. "É interessante avaliar produto a produto. Leve os lubrificantes para o seu médico, peça uma análise sobre a dose do ingrediente, não decida sozinha. Converse sempre com seu ginecologista", conclui.
Brasil, me deixa chapar --e gozar
Desde 2017 a Anvisa liberou o consumo e a venda de remédio (até o momento, de dez tipos diferentes) à base de canabidiol. Por enquanto, a pauta sobre a comercialização de cosméticos canábicos parece estar longe de ser debatida com seriedade.
Enquanto o "xapa xana" não é legalizado em território nacional, a maior fabricante de produtos íntimos do Brasil, a Intt cosméticos, comercializa uma linha inteira de itens canábicos na Europa. "Dos três lubrificantes da minha marca, o de cannabis é o que mais vende", contou Stephanie Seitz, diretora da marca, a Universa, em 2021.
Para Stephanie, lutar pela legalização não só de cosméticos à base de CBD, mas também de produtos com fim recreativo é "quase uma pauta feminista". "A legalização ainda vai demorar, mas estamos caminhando para isso no Brasil", espera.
Já existe na Câmara dos Deputados um projeto de lei que pretende viabilizar a venda de produtos com o extrato, o substrato e outras partes da cannabis em sua fórmula. Prever quando —e se!— esse PL será aprovado, é difícil.
Na opinião de Larissa Uchida, empresária, economista, pós-graduanda em cannabis medicinal e distribuidora exclusiva da Intt Cosméticos, é importante que esse projeto de lei avance. "Acredito que os produtos a base de cannabis sejam extremamente benéficos para os brasileiros."
Aqui Larissa refere-se não apenas ao lubrificante. "O óleo da semente de cânhamo —muito utilizado pelas indústrias de cosméticos— possui propriedades hidratantes, calmantes, antioxidantes e anti-inflamatórias. É importante que a lei mude, pois teríamos a oportunidade de usar produtos que trazem benefícios para a saúde sexual das pessoas. Existem diversos cosméticos canábicos que podem intensificar o orgasmo, melhorar o ressecamento vaginal e diminuir dores na relação sexual", finaliza
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