Quem ora junto vota junto?

Eleitoras disputadas por candidatos, evangélicas ficam lado a lado na fé, mas se dividem na política

Julianna Granjeia Colaboração para Universa, em São Paulo Caio Cezar/UOL

Em comum elas têm a religião. Todas são mulheres evangélicas, que encontraram na igreja acolhimento, amor e princípios que consideram importantes. O que não significa que tenham as mesmas crenças quando o assunto é política.

Os valores de cada candidato importam para essas eleitoras e são primordiais na hora de decidir em quem votar. E a importância delas não é negligenciada: as duas campanhas à frente nas pesquisas, a de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), focaram falas e posicionamentos para atingir esse grupo estratégico do eleitorado brasileiro durante suas campanhas.

Universa ouviu representantes dessas mulheres que podem decidir o resultado das eleições presidenciais de 2022: evangélicas de todas as regiões do país, que compartilharam suas diferentes histórias de vida e seus votos.

"Ao votar, não estou pensando só em mim, mas em uma causa", afirma Juçara Braz da Silva Fernandes, 40, empregada doméstica, referindo-se à sua escolha para presidente da República. Eleitora de Bolsonaro, ela frequenta a igreja Palavra Viva, em Antônio Carlos, Santa Catarina.

Dados do Iser (Instituto de Estudos da Religião) mostram que o público evangélico é majoritariamente feminino, negro e pobre —metade tem renda de até dois salários mínimos. As mulheres neste segmento são 58% e, em algumas igrejas pentecostais, alcançam 69%.

"Estou dentro de um sistema com regras e normas. Mas tenho minha opinião, argumenta a funcionária pública e pastora Sara Pontes, 45, que frequenta a Assembleia de Deus Igreja Mãe, em Belém, e pensa em votar em Simone Tebet (MDB).

"Sempre assumi que sou de esquerda e cristã, mas, neste ano, estou com medo", afirma Eliana Baraçal Lopes, 67, funcionária pública que vai à igreja 100% Vida, em Santos, e vota em Lula. "Infelizmente, as pessoas não aceitam o diferente, a discordância. Você passa a ser inimigo."

"Processo de saída de Dilma não foi correto"

"Fiquei doente logo que aceitei Jesus e iniciei meus caminhos ministeriais. Tinha 22 anos e fui acometida por uma doença autoimune para a qual, em Belém, ninguém encontrou um diagnóstico.

Hoje, entendo que era uma doença psicossomática, um processo interno de traumas. O fim do casamento dos meus pais e a falta da figura paterna me geraram muitos problemas de identidade. Era muito jovem e internalizei tudo isso.

Quando fiquei doente, tinha úlceras de dentro da minha boca até dentro da minha vagina, tudo em carne viva e doendo. Achei que fosse morrer. Mas meu espírito e minha alma entendiam que era para um propósito e Deus foi se revelando para mim.

Um dia, no hospital em São Paulo, onde fui me tratar, vi as chagas sumirem do meu corpo. Entendi que tive uma experiência com Deus. E minha estrutura de vida ruim, sem princípios, sem valor, sem escrúpulos, materialista, egoísta, se rompeu ali.

Faz 15 anos que estou casada, 13 na Assembleia de Deus. Estou dentro de um sistema com regras e normas. Sei o que é preceito, os mandamentos, o estatuto. Sei argumentar, me posicionar e ter consciência crítica mesmo estando dentro de uma igreja tradicional. Apesar de tudo isso, também sou obediente ao meu esposo porque sou mulher. Presto conta a ele. Estou ao lado dele no ministério dele. Tenho voz, mas nós nos respeitamos.

A igreja tem um projeto político-partidário, mas eu tenho a minha opinião.

O Bolsonaro é legal, mas os direitos sociais foram violados. Fui ouvir pessoas de referência, professores, pensadores e intelectuais na academia sobre o impeachment da Dilma, e o processo de saída dela não foi correto. E o Bolsonaro feriu em muitas coisas a Constituição Federal.

Estou pesquisando sobre a Simone Tebet para saber de seus princípios e valores, ainda não parei para estudar tudo. Não sou 100% Bolsonaro, mas se o segundo turno ficar entre ele e o Lula, eu voto no Bolsonaro de novo. Lula não tem valores cristãos, defende pautas e valores que eu não aceito. Mas político dança conforme a música, né?"

"Jovens se afastaram da igreja por apoio evangélico ao bolsonarismo"

"Em 2018, o único voto no Bolsonaro dentro da minha casa foi o meu.

Minha mãe é conservadora, tem suas questões, mas é de esquerda. Meu pai foi sindicalista, os dois têm a memória muito viva de como o governo Lula melhorou as condições deles.

Até 2019, eu era mais alinhada à direita, mas comecei a me afastar disso. Na faculdade, li textos que se referiam ao período da escravidão, às teorias higienistas.

Apesar de sofrer com piadas racistas, falava que era parda, não me enxergava como pessoa preta. Fui criando minha consciência racial e tendo contato com outras ideias.

Na pandemia, minha igreja tinha se aliado completamente ao Bolsonaro. Um dos pastores que falou que a vacina de covid dava HIV era do meu ministério.

Continuo frequentando a mesma igreja, mas só de vez em quando porque não tem outra próxima de casa. Recentemente, nosso pastor se afastou mais do Bolsonaro. Em 2018, eles falavam claramente nos cultos que crentes não votavam no PT. No meu bairro, desta vez, não teve nenhuma pregação assim.

Muita gente saiu da igreja desde as últimas eleições, principalmente jovens. Acredito muito que esse apoio ao Bolsonaro prejudicou, os jovens estão com mais consciência do que em 2018. Hoje a gente não tem departamento de jovens na nossa igreja porque não tem pessoas suficientes.

A gente que cresce dentro da igreja entende que tudo é errado. Se você bebe um gole de vinho é errado, se você olha para um colega e sente alguma coisa é errado.

E também penso: até que ponto posso seguir nesse caminho progressista? Hoje já existem igrejas que falam com as minorias, mas é complicado porque a gente cresce naquela culpa de que qualquer avanço é contra Deus. Mas que Deus é esse? É o Deus da Bíblia ou o Deus do homem? E até que ponto o que está na Bíblia deve ser seguido de forma literal? Até que ponto aquela lei vale para nós no contexto que vivemos? Não há essa discussão.

A igreja se isenta das questões da sociedade e cria um mundo paralelo onde todo mundo tem que viver de uma certa forma, mas ninguém vai se portar daquele jeito porque somos diferentes.

A Bíblia fala que as pessoas precisam ser salvas, ok. Mas eu não posso impor isso a elas. Se elas não querem, tudo bem. Falta essa consciência que Jesus tinha na época, de não se impor."

"Vida melhorou com PT, mas depois piorou"

"Passei muita dificuldade na infância. Morávamos em oito—eu, minha mãe e seis irmãos— em um cômodo. Comecei a trabalhar muito cedo em serviços gerais depois que meu pai abandonou a gente e entrei na igreja quando era adolescente.

Eu me recordo que a vida melhorou durante os governos do Lula, quando comecei a ter emprego com carteira assinada. Mas, no governo Dilma, a situação voltou a piorar.

O pai do meu filho e eu construímos uma casinha em Feira de Santana. Um dia, as autoridades resolveram fazer uma lagoa, e a gente teve que sair [desapropriação]. Não deixaram a gente escolher. Ou pegávamos o dinheiro ou a gente mudava para uma casinha que deram para a gente em outro bairro, muito longe de tudo e violento.

Uma amiga falou que um conhecido estava precisando de uma cuidadora. Decidi aceitar, e logo, estava morando em Antônio Carlos, perto de Florianópolis.

No início, a gente se assustou um pouco porque foi tudo novo para mim e para o meu filho. A filha do senhor para quem eu trabalhava me levou de carro pela cidade para achar uma igreja, e achei. Conheci meu atual marido lá.

Hoje, tenho carteira assinada, trabalho de dia em uma casa e de noite em outra.

Pesquiso candidatos sempre que voto. Só não votei em 2018 porque foi quando me mudei e não deu tempo de transferir o título, mas fiz propaganda pelo Bolsonaro.

Neste ano vou votar nele. Bolsonaro, pelo menos, não apoia a ideologia de gênero. Não dá para correr o risco. E se depois vira lei, como fica?

Acho que ele fez um bom governo. Nessa crise de coronavírus, se não fosse o Bolsonaro, seria pior. O que tem de ruim hoje é porque ele não conseguiu fazer por conta da pandemia.

Estes dias eu recebi um vídeo que me deixou muito triste. Que o Bolsonaro foi o único que discursou contra a empregada doméstica, quando votaram a carteira assinada pra gente. Eu vivi minha vida toda praticamente como escrava, sem direito a nada, e ele votou contra a gente?

Mas eu não estou pensando só em mim, estou pensando numa causa, em um bem maior."

"Sou crente e de esquerda. Mas neste ano estou com medo de fazer campanha"

"Era católica e me converti aos 19 anos. Nunca mais saí do caminho de Deus. A política entrou na minha vida depois. Me formei em engenharia civil, fiz curso técnico em edificações e concurso público na Cohab, trabalhava na área de habitação no mandato de uma prefeita do PT.

Trabalhando no meio de habitação, comecei a entender o que era ser de esquerda e me identifiquei. Comecei a frequentar reuniões do PT e fiquei encantada. Porque, assim, eu sou exagerada, intensa. Todo mundo sabe quem sou: evangélica, petista, crente, santista.

Cheguei a ser candidata a vereadora, porque eu conhecia todo mundo dos movimentos populares. Mas, depois, preferi cuidar da família.
Até pouco tempo atrás, o povo evangélico era conhecido pelo olhar de amor, pelo desejo de salvar almas para o reino dos céus. Mas isso começou a mudar quando pastores deixaram-se levar por interesses terrenos e passaram a dar mais importância a políticos do que a Cristo.

Tem muito evangélico que tem problema com o Lula, mas não sabe que foi ele que assinou a lei que garante a liberdade religiosa. O dia da Marcha de Jesus —que hoje todo mundo vai fazer arminha com a mão—, foi Lula que assinou.

Quem tem que pregar o evangelho é o cristão, não o governo nem o Estado.

Hoje, as pessoas estão armadas. Esqueceram que Jesus mandou fazer justamente o contrário. Tem uma passagem em Mateus que diz que Jesus mandou guardar a espada porque todos os que empunham a espada, pela espada morrerão.

Sempre assumi que sou de esquerda, que sou cristã, mas este ano estou com medo. Infelizmente, as pessoas estão armadas e não aceitam o diferente, a discordância. Você passa a ser inimigo.

Neste ano, não vou colocar bandeira no meu portão, não vou usar vermelho nem colocar meu broche do PT. É uma vergonha, a primeira vez na minha vida que eu não vou com adesivo, com nada."

"Michelle Bolsonaro vai ser a próxima Michelle Obama"

"Faz 30 anos que sou evangélica. Entrei na igreja aos 22 anos, era casada e tinha filhos. Senti um chamado.

Faço parte da Assembleia de Deus, onde meu marido é pastor. Meu trabalho é auxiliar meu esposo, coordenando o ministério feminino, o encontro de mulheres. Ajudo nos cultos, nas visitas do departamento que faz assistência social e nos trabalhos com jovens e crianças.
Na pandemia, vi muita gente desmontando, com depressão e com o emocional muito abalado. Acho que essa foi a pior parte. Financeiramente não foi tão devastador, o Auxílio Brasil ajudou muito as pessoas.

A meu ver, o país melhorou muito com a questão de emprego e de incentivo aos pequenos empresários. A minha condição de vida não teve tanta diferença porque não trabalho fora, mas melhorou muito a condição geral. Bolsonaro também aumentou muito a valorização da família.

Votei no Lula duas vezes e na Dilma, mas acompanhei todo o processo, e a corrupção me decepcionou muito. Conheci o Bolsonaro pelos meus filhos, que tinham mais acesso às redes sociais, e eles começaram a falar sobre as ideias dele. Votei nele em 2018 e vou votar de novo agora.

Também gosto muito da Michelle Bolsonaro. Ela tem influência no marido e é uma pessoa de fé, é uma esposa que está sempre ali apoiando, orando. Acho que ela ajuda a podar ele um pouquinho também. Às vezes ele fala demais, né? Uns palavrões. Não gosto de baixaria, então, admiro a postura dela. Acho que ela influencia no mandato também, vai ser a próxima Michelle Obama.

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