Exposição de Sebastião Salgado retrata sonhos e caos em busca do ouro
Em uma entrevista recente, Sebastião Salgado defendeu que "a fotografia é feita com o passado de cada um, com sua ideologia". E o impacto que se tem ao passar pela porta do quinto andar do Sesc Avenida Paulista é de uma poderosa conexão imediata. Uma força que se manifesta pelas fotos ali dispostas em cabos de aço. Sebastião Salgado está presente e condiciona uma memória coletiva.
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"Gold - Mina de Ouro Serra Pelada", que fica em cartaz até 3 de novembro, reúne imagens registradas pelo fotógrafo mineiro em 1986, ano que marca o auge da mineração em Curionópolis, Pará. Ouro. A febre gerada pela lavra encontrada ali, na fazenda Três Barras - de propriedade da Vale do Rio Doce e invadida em 1979 --, atraiu milhares de homens. Cerca de 50 mil de uma só vez, no pico do garimpo em meados da década de 1980.
Essa gente, que moveu na base da enxada um morro de 150 metros de altura e em seu lugar cavou uma cratera de 24 mil m², é que se espraia pelas fotografias granuladas de Salgado. Seus corpos foram retratados em preto e branco, ora na forma de uma massa coletiva composta por um sem número de anônimos, ora nos retratos frontais que revelam camadas de informações sobre aqueles que ali buscavam um sonho.
Não há uma sequência lógica para a visitação, apesar do texto de abertura estar à direita de quem entra na sala. A expografia organiza as fotos nas paredes escuras com luzes focadas, mas também faz uso da iluminação que vem do pano de vidro na face norte do edifício e, aproveitando-a, dispõe uma porção de molduras em suspensão. O efeito é fluido e reforça a ideia de movimento que a Serra Pelada tem.
Para os amantes das notações no cantinho da obra, não há nome para cada imagem ou dados técnicos. Assim, "Gold" também se comporta como um corpo único e coletivo presente na lama, na umidade paraense e no suor dos garimpeiros que funcionam como uma sociedade de formigas.
Concisa
Paralela ao lançamento do livro homônimo publicado pela Taschen, a mostra tem curadoria da esposa de Sebastião, Lélia Wanick Salgado, e revela ao espectador 50 fotos, algumas inéditas, feitas na Serra Pelada e guardadas há 33 anos. Segundo o fotógrafo André Cypriano, durante a visita, apesar de concisa, a exposição reúne uma gama de registros que renova o interesse pelo tema.
Para ele, o cuidado com os detalhes nas fotografias é visível e importante, "como se uma pessoa vestisse um bom terno". O tamanho das ampliações, a qualidade da captação, a expressividade técnica e estética, além da curadoria, tudo faz com que quem vê sinta a experiência como algo único e completo.
"São fotografias que entram na gente, geram um misticismo: não se esquece aquelas imagens, elas voltam para que você reflita. Não têm o imediatismo e a efemeridade de uma capa de jornal. São fotos feitas para um mergulho, que mexem com a emoção de cada um", resume.
Realista
Quem vai até o Sesc e conhece um tiquinho de fotografia sabe que está na presença da obra de um dos expoentes contemporâneos dessa arte. Na estrada há mais de quatro décadas, Salgado é reconhecido pelo trabalho documental, de natureza e social, mas também já foi acusado de "fazer a estética da miséria" por nomes como a crítica norte-americana Susan Sontag (1933-2004).
Em "Gold", se a miséria de alguma forma está ali, não é protagonista soberana. Os tons de preto e branco bem trabalhados e sem excessos, dão o pano de fundo ideal para registros certeiros que não pendem para o dó ou a pena: retratam olhos brilhantes e opacos, músculos fortes, texturas, odores e temperaturas. Trazem à tona uma realidade múltipla.
Para os que observam as obras e captam (ou acompanha as falas dos monitores), as imagens ganham, ainda, nuances de terror e curiosidade com dados sobre a rotina da Serra Pelada. São informações que ajudam a construir o panorama daquele aparente caos, como o comprimento das escadas de madeira apelidadas de "adeus, mamãe" (até 20 m); o peso de cada saco de terra (40 kg); o número de mortes por mês (cerca de 80) ou o porquê da mineração ter parado em 1992 (foi tão fundo que atingiu o lençol freático).
A mostra sobre o (talvez) mais famoso trabalho de Salgado, enfim, é uma viagem com diversas possibilidades de olhares para a ambição, o sonho, a cobiça, o desejo por uma vida melhor, a morte, a violência, a beleza e o Brasil dos anos 1980. A visita, que tem entrada gratuita, vale cada minuto investido.
Paralelas
O Sesc Avenida Paulista estruturou uma gama de atividades paralelas a "Gold", com cursos, debates, oficinas e saídas fotográficas nas áreas documental, artística e ambiental. A programação traz nomes como a jornalista Simonetta Persichetti e os fotógrafos Victor Moriyama e André de Oliveira. E explora as diversas aplicabilidades da fotografia contemporânea. Se interessou? Dá uma olhada no programa e na disponibilidade de ingressos no site da unidade.
Quer mais Serra Pelada? A Galeria Utópica, na Vila Madalena, está com a exposição "A Febre do Ouro", com fotos do garimpo pelo português Juca Martins, pioneiro a registrar e publicar imagens da mina em 1980.
Pequenina, a mostra reúne imagens coloridas feitas por Juca e é bem interessante observar o contraponto das cores em relação à ideia criada pelos tons P&B de Sebastião Salgado. Mas corre: o último dia para ver as obras é 20 de agosto. Dia 17, porém, tem aula aberta com o fotógrafo, das 15h às 17h.
Vai lá:
"Gold - Mina de Ouro Serra Pelada", de Sebastião Salgado
Sesc Avenida Paulista - Avenida Paulista, 119, Bela Vista, São Paulo.
Até 3 de novembro de 2019.
Terça a sábado, das 10h às 21h30.
Domingos e feriados, das 10h às 18h30.
Grátis - não é necessário retirar ingressos.
Telefone: (11) 3170-0800
"Febre do Ouro - Serra Pelada", fotografias de Juca Martins
Galeria Utópica - Rua Rodésia, 26, Vila Madalena, São Paulo.
Até 20 de agosto de 2019.
Terça a sexta, das 11h às 19h.
Sábados e feriados, das 11h às 17h.
Grátis.
Telefone: (11) 3037-7349
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