Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Chagas: a doença que não precisava existir
Em 2019, a 72ª Assembleia Mundial de Saúde instituiu o dia 14 de abril como o Dia Mundial da Doença de Chagas.
O título desta coluna se justifica porque essa terrível enfermidade faz parte do grupo das chamadas doenças negligenciadas, juntamente com a malária, leishmaniose, dengue, hanseníase, tuberculose, febre tifoide, cólera, leptospirose e as diarreias infecciosas. Cerca de três mil pessoas morrem por dia no mundo, vítimas desses problemas, que pertencem a esta triste categoria porque acometem majoritariamente populações mais pobres, onde moradias precárias, condições ruins de higiene e pouco acesso à assistência de saúde predominam.
A doença de Chagas, por exemplo, é catalogada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como endêmica em 21 países do continente americano e estima-se que mais de 70% dos infectados desconheçam ter o problema, por falta de oportunidade de diagnóstico. Devido à globalização, passou a ser uma doença presente também na Europa, na Ásia e nos EUA. No país norte-americano, estima-se que existam cerca de 100 mil imigrantes infectados pela doença nos EUA
Segundo a OMS, o Chagas tem aparecido em países desenvolvidos porque os bancos de sangue não estão preparados para detectar a doença em material usado para transfusão e doação de órgãos.
Ainda segundo a OMS, a doença afeta 9 milhões de pessoas em todo o mundo e já é considerada um problema mundial. O número de casos registrados já foi maior em 1990, quando chegou a 18 milhões. A redução foi resultado de esforços empreendidos por vários países, o que mostra que é, sim, possível o controle e a erradicação do problema.
O Chagas é considerado uma das enfermidades de maior impacto global, com estimativa de incidência, ao ano, de 30 mil casos novos, 14.000 mortes e 8.000 recém-nascidos infectados durante a gestação.
No Brasil, e estimativa é que haja mais de 1 milhão de pessoas infectadas —cerca de apenas 200 por ano têm o diagnóstico. Isto porque a população mais afetada tem pouco acesso a assistência médica e também porque os sintomas considerados da fase aguda são bastante inespecíficos, como dor de cabeça e febre, o que é de se lamentar muito, visto que a chance de cura nesta fase é de 100%. Dai a importância dos dados epidemiológicos como a procedência do paciente de zona endêmica e o contato com o inseto transmissor, o barbeiro.
A partir daí, instala-se a fase crônica, que pode demorar anos para se manifestar, mas é caracterizada por complicações, principalmente no coração e/ou intestinos, onde a cura já não é mais possível.
Segundo algumas estimativas, cerca de 6.000 pessoas morrem anualmente no Brasil devido às complicações crônicas da doença. Em nosso país, o estado do Pará é responsável por 81% dos casos decorrentes de transmissão oral na região Norte, com maiores proporções de casos ocorrendo após a safra de açaí e bacaba (fruta rica em óleo, com propriedades hidratantes e emolientes), devido o consumo de alimentos derivados dessas frutas contaminadas pelas fezes do inseto.
A doença foi batizada com esse nome ao ser descoberta em 1909 pelo sanitarista brasileiro Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas (nascido no município mineiro de Oliveira, em 1879) que, na ocasião, combatia a malária no interior de seu estado. A Fiocruz e a prefeitura de Lassance (cidade mineira da descoberta) reinauguraram recentemente o Memorial Carlos Chagas.
Por uma infeliz coincidência, se procurarmos no dicionário o significado da palavra "Chaga" encontraremos como um substantivo feminino com lesões abertas no corpo, geralmente causadas por ferimento; ferida que supura. Palavra descrita inúmeras vezes pela Bíblia Sagrada como sinal do sofrimento físico de Jesus.
Mesmo sem a ferida aberta, no caso da doença que leva este nome, ela é sempre relacionada a enorme sofrimento do portador.
O causador da doença é o protozoário Trypanosoma cruzi --batizado assim por Carlos Chagas para homenagear o cientista Oswaldo Cruz--, que usa o inseto conhecido como barbeiro como hospedeiro.
De onde vem a doença? Como as pessoas se contaminam?
Desde sua descoberta, a doença está relacionada à pobreza, principalmente pelo fato de o inseto transmissor estar mais presente em residências mais precárias, feitas de pau-a-pique. Também a palha, utilizada como matéria-prima em moradias precárias em áreas rurais e em cestas para alimentos, cria um ambiente propício para a proliferação do barbeiro, o transmissor do Chagas.
Há diversas formas de transmissão da doença. A chamada transmissão vetorial, através da picada e defecação sobre a ferida do bicho barbeiro, infectado com o Trypanosoma cruzi. Ou a contaminação ocorre através da ingestão de alimentos contaminados com o protozoário ou ainda através da gestante para o feto ou pelo leite materno (em qualquer fase da doença). Estima-se que mais de um milhão de mulheres em idade fértil podem estar infectadas nas regiões endêmicas sem saber, correndo o risco de transmitir a infecção a seus recém-nascidos. Ainda é possível ocorrer a transmissão pela transfusão de sangue contaminado ou por acidentes em laboratório.
Dada as condições atuais da humanidade com guerras, pandemias e a prevalência do desamor, produzindo cada vez mais flagelos e flagelados, a OMS calcula que existam 75 milhões de pessoas no mundo em risco de contrair a doença atualmente.
O orgulho de ter sido descoberta por um brasileiro fica em muito ofuscado por ser nosso país o que mais concentra casos da doença no mundo. As doenças negligenciadas, que são sempre oriundas da pobreza e do descaso, deveriam afetar a todos nós porque, como disse Martin Luther King:
"Enquanto houver pobreza no mundo, nenhum homem poderá ser totalmente rico mesmo se tiver um bilhão de dólares. Toda a vida é interligada, estamos presos em uma inevitável rede de reciprocidade, amarrados em único fio do destino, o que afeta diretamente a um, afeta indiretamente a todos".
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