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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Ainda um mistério: de onde vêm as variantes de preocupação do Sars-CoV-2?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

17/03/2022 04h00

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Elas tomam o mundo de assalto, sem aviso prévio. Logo dominam aquele pedaço do globo onde dão as caras, substituindo o coronavírus que estava por lá causando a covid-19. Fazem isso com facilidade porque ou são mais transmissíveis do que seu antecessor ou mais letais ou, ainda, um pouco das duas coisas.

Essas são as características das tais variantes de preocupação, que já nos fizeram decorar a contragosto cinco letras do alfabeto grego —alfa, beta, gama, delta e, agora, ômicron.

E quem nos garante que não irá aparecer, mais dia, menos dia, uma sexta letra, isto é, mais uma variante do Sars-CoV-2 para nos atazanar a cabeça? Ninguém.

Até porque há um ponto importante nessa história e eu o ouvi do virologista José Eduardo Levi, que está à frente da área de desenvolvimento e pesquisa da Dasa: "As variantes de preocupação que tivemos até o momento não são derivadas umas das outras". Este não é um detalhe qualquer.

Ele quer dizer que ômicron não veio da delta, que prevalecia antes de sua chegada em novembro do ano passado. Assim como delta não veio de gama, nem de beta, nem de alfa.

Cada uma dessas linhagens, à sua maneira, é muito mais parecida com a cepa original. Sim, com aquela lá de Wuhan, na China, que desencadeou todo esse tormento planetário em 2019.

Desse modo, não existe uma espécie de evolução na qual uma variante dá origem à outra que daria origem à outra. Então, de onde viriam aquelas que são de preocupação? É algo que a ciência continua se indagando.

Nesta fase da pandemia, a pergunta também serve para suscitar uma reflexão. Afinal, da mesma maneira como ômicron não veio de delta, a variante que virá depois dela poderá ser bem diferente, para o bem ou para o mal.

Os pontos frágeis do otimismo

O número de mortes e hospitalizações que anda relativamente mais baixo leva algumas pessoas, inclusive da área da saúde, a confundirem aquilo que todos nós gostaríamos que acontecesse com o que é dado científico.

Para Levi, a ideia de que a pandemia está no fim se ancora no fato de ômicron provocar quadros mais brandos ao mesmo tempo em que, por ser espantosamente mais transmissível —uns dizem que ômicron é o vírus mais transmissível que a humanidade já conheceu—, acabou infectando quase todo mundo.

"Com isso, as pessoas pensam que agora teríamos uma imunidade de rebanho a qual, somada às vacinas, não daria espaço para uma nova onda", diz o virologista. "Mas essa premissa tem dois grandes furos."

O primeiro ponto que ameaça a ideia de fim da pandemia de ser uma furada é o seguinte: nunca a proteção gerada em uma onda de casos provocada por uma variante de preocupação conseguiu nos proteger contra a variante que veio depois.

"No caso de ômicron, nem mesmo a vacina conseguiu impedir a transmissão alta", ele observa. Verdade. Mas fica o registro de que muito da faceta "boazinha" de ômicron não tem nada a ver com seu perfil de variante que pegaria mais leve e, sim, com o fato de muitos de nós já estarmos vacinados. Nos Estados Unidos, onde a adesão à vacinação é menor, o vírus parece brincar de boliche.

"Além disso, a imunidade —seja por infecção natural, seja por vacina— parece ter uma duração curta. O que acontecerá quando essa imunidade baixar, se eventualmente tivermos uma nova variante?", questiona Levi.

Verdade, de novo. Basta a gente se recordar da altíssima prevalência de covid-19 em Manaus provocada pela variante gama. E, mesmo que a população tenha desenvolvido anticorpos então, ômicron fez proporcionalmente tantos casos ali quanto em outros cantos do país.

"Não quero ser ave de mau agouro, mas a probabilidade de aparecer uma nova variante até setembro é grande", opina Levi. E isso faz voltar a questão: de onde viria esse bicho? Bicho, cuidado, é só modo de dizer, porque um vírus nem bem é ser vivo, muito menos bicho.

Nasceriam em populações não monitoradas?

"É bem provável que as variantes de preocupação surjam em bolsões não detectados onde ocorram infecções por linhagens ainda muito mais parecidas com a de Wuhan, a original, e não pelas variantes mais recentes", explica Levi. Daí a pergunta inevitável: em que países estariam esses bolsões?

A hipótese óbvia seria naqueles com baixo acesso à saúde, onde a população não é monitorada e ninguém sabe quantos pegaram o Sars-CoV-2, quantos adoeceram com sintomas e, principalmente, que variante circularia ali.

Levi e outros cientistas, porém, não colocam muitas fichas nessa aposta. "Se uma variante como ômicron aparecesse primeiro em um lugar que ainda não tem vacina, como esses que não são monitorados, a mortalidade ali seria tão avançada e repentina que chamaria a atenção e a gente logo ficaria sabendo", ele pensa.

Ou seja, segundo o virologista, é improvável o vírus sair de uma área do Sudão, por exemplo, sem causar qualquer barulho para só ser detectado depois, na África do Sul.

A origem seria em um imunodeficiente?

É mais um palpite que a ciência arrisca: alguém com imunodeficiência seria infectado e, então, seu sistema imunológico fragilizado não conseguiria se livrar de vez do vírus.

Existem trabalhos mostrando que o coronavírus é capaz de ficar seis meses nesses pacientes, assim como há estudos apontando que, dentro da gente, o Sars-CoV-2 vai sofrendo mutações, como se fizesse do organismo uma espécie de estágio para se aprimorar. Se a temporada no corpo humano é longa então...

"Podemos imaginar que ômicron permaneceu por muito tempo em um único paciente, evoluindo, e quando escapou do seu corpo já estava mais de 50 mutações", especula Levi.

E por que diz isso? "Porque você não acha nenhuma antecessora dela no mundo inteiro. Simplesmente não existe nada intermediário entre a ômicron e as outras variantes", justifica.

O que deixa Levi ressabiado é que duas das cinco variantes do Sars-CoV-2 —beta e ômicron— surgiram na África do Sul. "Ora, os sul-africanos são em torno de 1% da população mundial e têm, também, apenas 1% dos casos de covid-19 do globo", diz. "Por que, em vez de terem surgido em qualquer outro canto com mais diagnósticos e com maior circulação do vírus, essas duas variantes foram aparecer logo por lá?"

Ele mesmo responde com uma pista: "De 20% a 30% das pessoas da África do Sul são soropositivas para o HIV e muitas delas não têm acesso a tratamento com antirretrovirais. Uma delas pode ter servido de berçário para ômicron", levanta a suspeita.

Fique claro que quem tem HIV e segue o tratamento correto não se encaixa em uma situação assim. E a Aids está longe de ser a única doença que deixa o sistema imune deficiente.

Viria de animais?

Para Levi, essa é uma ideia um pouco mais assustadora: o homem com covid-19 transmitiria a doença a animais. No organismo deles, o vírus receberia estímulos diferentes de adaptação, ganharia mutações e, em um rebote, o animal devolveria um Sars-CoV-2 repaginado e aprimorado ao homem.

Lembre-se: o vírus da covid-19 já foi encontrado em visons na Europa, o que provocou o sacrifício de 15 milhões deles na Dinamarca. Também já foi detectado no veado-do-rabo-branco no oeste dos Estados Unidos. Em leões de zoológico, na África do Sul. Em há relatos de cães e gatos domésticos infectados.

"Não é uma desconfiança desprezível", diz Levi. "Uma das mutações que a gente encontra em todas as variantes apareceu justamente nos visons", informa.

Sem contar ratos. Como os coronavírus também costumam invadir as células do intestino humano, os cientistas vasculham esgotos para encontrar o que sobrou do vírus ali —especificamente, da famosa proteína "S".

"Em Nova York, por exemplo, já acharam mutações nunca vistas em um paciente no esgoto", conta Levi. "Podem ter vindo do intestino humano? Sim. Mas em qualquer esgoto o que também existe pra caramba é rato", lembra. Detalhe: dois dos coronavírus que infectam o homem, não causadores da covid-19, vieram justamente desse bicho.

E deltacron?

Deltacron, até que se prove o contrário, não é uma variante de preocupação. Ela é fruto do que os virologistas conhecem de longa data: uma recombinação, quando duas variantes se encontram no organismo ao mesmo tempo. "E isso não necessariamente representa um problema maior, reunindo o que há de pior em uma e em outra", tranquiliza Levi.

Recombinações que arrepiam os cabelos são as que o influenza já sofreu, juntando uma variante que infectava seres humanos com a de porcos ou a de aves. Elas geraram epidemias, porque o nosso organismo não estava preparado para o vírus dos animais.

"Isso é diferente de deltacron, que é a recombinação duas variantes que infectaram a humanidade há pouco tempo. Ela não deve causar uma nova onda", acredita Levi,

Mais importante do que deltacron, então, é mesmo descobrir o que discutimos aqui: de onde virão as novas ameaças, para tentar cercá-las.