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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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O desafio de brecar futuras pandemias caçando vírus novos e antigos

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

30/06/2022 04h00

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Vírus sempre foram tipinhos muito rápidos. Encontrando o hospedeiro ideal, eles se replicam em um zás-trás em suas células e, depois, de algum jeito — uns pelo ar, outros pelo contato direto com secreções, alguns tirando proveito de relações sexuais, sem contar os que pegam carona em insetos —, acabam fazendo novas vítimas.

E, desse modo ligeiro, quando nos damos conta eles já se espalharam por uma escola, por um bairro, por uma cidade, por um país e até mesmo por todo o planeta, como o Sars-CoV-2 duramente nos mostrou.

Traumatizado, o mundo inteiro agora se pergunta: o que fazer para não se repetir essa experiência ruim, que é a de uma pandemia tirando milhões de vidas, nos trancando em casa afastados de gente querida, destruindo a economia e o sossego?

Há quem diga que infelizmente é quase inevitável que um novo vírus, mais dia, menos dia, apronte algo parecido.

"Existe, sim, uma ameaça nos cercando. De onde exatamente ela despontará? Nós não sabemos. E, se eu lhe responder qualquer coisa nesse sentido, vou errar", me disse o microbiólogo e imunologista americano John Hackett, com quem tive a oportunidade de conversar nesta semana.

Vice-presidente de Tecnologia e Pesquisa Aplicada da Abbott, empresa global de saúde, que é reconhecida, entre outras frentes, por desenvolver testes de diagnóstico, ele lidera um programa de vigilância de vírus criado pela empresa ainda em 1994, na época para ficar de olho no comportamento do HIV da Aids.

Claro, a iniciativa cresceu bastante de lá para cá. Mirou outras infecções também. Ora, nunca faltaram vírus para atormentar a humanidade. E, com o surgimento da covid-19, o programa liderado por Hackett criou uma coalizão envolvendo 15 renomados centros de pesquisa espalhados pelos continentes.

Do Brasil, participam a USP (Universidade de São Paulo) e a Fiocruz, no Rio de Janeiro. A ideia é pra lá de ambiciosa: sermos mais rápidos do que os vírus com potencial para encrenca, alcançá-los, ou melhor, caçá-los. Para daí, um passo adiante deles, munidos de testes, interrompermos a trajetória de uma pandemia pronta a explodir, como quem corta os fios de uma bomba-relógio.

Agentes desconhecidos

Muitas infecções conhecidas podem nos dar dores de cabeça. "Um bom exemplo é o sarampo que, pela baixa cobertura vacinal em muitos lugares, volta a preocupar", diz o cientista americano. O Brasil, aliás, tinha erradicado essa doença em 2016 e, agora, volta a ter casos.

No entanto, o vírus causador do sarampo é facilmente reconhecido quando sai aprontando por aí — e temos a melhor das armas para usar contra ele, que é a vacina.

O que talvez você não faça ideia — eu não fazia! — é que doenças comuns com frequência têm por trás um culpado misterioso. "Nós não conseguimos fazer o diagnóstico e dar o nome do vírus causador de 15% a 30% das infecções agudas do sistema respiratório", conta o imunologista americano.

Segundo ele, é a mesma história com 50% a 70% das meningites virais. Os médicos sabem que é meningite, sabem que é viral, mas não conseguem nomear o responsável. "Idem, com 30% a 50% das gastroenterites e com 10% a 15% das hepatites", estima o doutor Heckett.

Será que há tanto vírus novo por aí? "Não necessariamente", me responde o cientista. "Pode ser um vírus conhecido causando uma manifestação que ainda não tínhamos noção de que fosse capaz. Ou ser um vírus que aparece durante um período muito curto e que logo depois some, daí não ser tão fácil de identificar."

Porém, alguns desses patógenos — isto é, microorganismos causadores de doenças — podem surpreender. E o problema é que, às vezes, embaralham o raciocínio dos médicos. Não se pode condená-los.

O doutor Hackett relembra o que ocorreu com a covid-19 quando surgiu em Wuhan, na China: existiam pacientes internados com a infecção provocada pelo Sars-CoV-2 em pelo menos três hospitais logo de cara.

"Podemos nos perguntar: seria ideal colocá-los juntos em um hospital só para diminuir o contato com mais pessoas? Provavelmente, sim. Mas, então, os sintomas se sobrepunham aos de outras infecções respiratórias e se confundiam com doenças que já existiam."

Como é a caçada a vírus?

A primeiríssima missão dos profissionais de saúde nos centros participantes da coalização é justamente observar com olhos sensíveis aqueles quadros de viroses que parecem fugir, mesmo que só um pouco, de um padrão habitual. Eles acenderiam o alerta e iriam para investigação.

"Quando notam algo assim, diferente, imediatamente os pesquisadores desses centros distribuídos pelo mundo colhem amostras da pessoa infectada para que seja feito o sequenciamento genético do vírus que está nela", conta o doutor Hackett.

O genoma sequenciado, então, é comparado ao dos outros vírus já conhecidos que causam quadros parecidos — e isso para os cientistas saberem se estão, de fato, diante de um patógeno novo.

Quando é esse o caso, é disparada uma corrida: a meta é desenvolver rapidamente testes de diagnóstico, sejam sorológicos, que são aqueles capazes de pescar anticorpos contra o vírus no sangue, sejam moleculares, detectando o material genético do invasor ou, ainda, testes rápidos de antígeno.

"O que a experiência recente com a covid-19 confirma é o seguinte: o mais importante para impedir uma nova pandemia é distribuir testes depressa ao redor do mundo, saber onde estão os indivíduos infectados e isolá-los", afirma o imunologista.

É nesse ponto, diz ele, que se inicia um trabalho de vigilância. "Sabendo quem testou positivo, as autoridades de saúde pública têm maiores condições para tomar medidas realmente eficazes, cientes da quantidade de pessoas infectadas e, acima de tudo, do perfil delas, reconhecendo as que parecem correr maior risco em função de características como idade ou doenças pré-existentes."

Para ele, essa é a receita. Não é uma garantia absoluta de um futuro sem pandemias. Mas pode significar um futuro com menos pandemias.

Velhos conhecidos, novas ameaças

Segundo o doutor Hackett, a gente costuma associar novos patógenos — como o Sars-CoV-2, por um bom tempo chamado de "novo" coronavírus — a maiores ameaças à saúde global. "Mas nem sempre é assim", faz questão de corrigir.

Ele aponta então para o Zika, vírus identificado na África, em 1948. "Em algumas ilhas do Pacífico, chegamos encontrar 70% dos habitantes infectados, mas eram povoados pequenos", conta o doutor Hackett.

Ninguém sabia todo o mal que esse vírus poderia causar até ele aterrissar na América Latina e causar uma epidemia no Brasil entre 2015 e 2016, encontrando uma população que não tinha sido exposta a ele. "O fato é que, muitas vezes precisamos conhecer uma quantidade maior de pessoas infectadas para entender todas as propriedades de um vírus."

Mais uma explicação para a importância de uma coalização entre vários países — somar forças e somar experiências.

Para refrescar uma memória triste: transmitido pelo mesmo mosquito da dengue, ao infectar grávidas, o Zika vírus provocou o nascimento de bebês com microcefalia, condição em que a cabeça apresenta um tamanho bem abaixo do normal, sem dar espaço para o desenvolvimento pleno do cérebro.

Outro exemplo de vírus velho conhecido e que, do nada, começa a dar um susto aqui e outro lá é o da varíola dos macacos. "Queremos descobrir por que, de uma hora para outra, passamos a ver casos em diversos lugares. É possível que o vírus tenha encontrado novas maneiras de transmissão, o que ainda deve ser investigado."

Para isso, os cientistas da coalizão também devem ficar atentos a um eventual aumento no número de casos: afinal, embora menos transmissível e menos letal do que o Sars-CoV-2, se o vírus da varíola dos macacos conquistou novas habilidades, por assim dizer, ele poderá ganhar terreno.

Temos chance de vencer a corrida?

É fascinante esse objetivo de descobrir depressa um vírus estranho ou até conhecido, mas que resolveu causar confusão de uma hora para outra, para desenvolver testes e identificar as pessoas doentes antes que espalhem pra valer a infecção. Mas, na prática, dá tempo?

"A ciência levou quase uma década para identificar o vírus que estava causando a hepatite C. Com a tecnologia atual, isso poderia ter sido feito em uma semana", compara o cientista da Abbott. Portanto, parece que temos chance, apesar do vaivém das pessoas pelo globo.

Mas, na opinião do imunologista, um detalhe é fundamental: a colaboração. "Nenhum governo, nenhum centro de pesquisa, nenhum laboratório, ninguém sozinho conseguirá conter novas pandemias." Ou seja, para ele, só dá para passar a perna nos vírus potencialmente perigosos se correr todo mundo junto. E a largada está dada.