Lúcia Helena

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Reportagem

Por que manter todas as vacinas em dia é essencial para quem tem obesidade

Há quase 15 anos, em março de 2009, quando o influenza H1N1 apareceu no México e se espalhou pelo mundo, chamou a atenção dos cientistas a mortalidade mais elevada que essa variante do vírus da gripe suína provocava entre as pessoas com obesidade, se elas, por azar, eram infectadas.

"Ali, foi um marco", observa a endocrinologista Cintia Cercato, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). "Isso porque, desde sempre, nós associamos a obesidade com outras doenças crônicas, como a hipertensão e o diabetes. E só então começamos a perceber que ela também é um fator de risco importante para infecções." Aliás, algo que, mais recentemente, a covid-19 deveria ter deixado bem claro.

Mas Cintia, no período em que foi presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), entre 2021 e 2022, se deu conta que a maioria dos seus colegas médicos continuava ignorando essa relação — inclusive aqueles que cuidavam de pacientes com excesso de gordura corporal. "Provavelmente, porque esse é um conhecimento que vem sendo adquirido de pouco tempo para cá", ela pensa.

Os primeiros estudos nessa linha mostraram um risco de agravamento mais alto principalmente nas infecções que tinham os pulmões como alvo. No entanto, ao fazer uma revisão minuciosa da literatura científica, Cintia viu que até a dengue, que, infelizmente, anda correndo solta pelo país — ontem mesmo, 25, o governo do Distrito Federal decretou estado de emergência por causa do surto dessa doença — tem maior probabilidade de complicação quando a pessoa está muito acima do peso. "Eu fiquei surpresa ao ver esses dados", comenta a médica.

Nota técnica sobre vacinas e obesidade

A revisão foi para uma parceria entre a Abeso e a SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), que Cintia Cercato procurou para ver a possibilidade de a obesidade ser incluída em seus calendários de vacinação para pacientes especiais — um conjunto de recomendações criteriosas para indivíduos com cardiopatias, transplantados, pessoas vivendo com HIV, portadores de doenças renais crônicas e uma série de outras condições que têm, digamos, seus pontos frágeis diante de vírus, bactérias e afins. Aí, mais do que nunca, as vacinas são fundamentais.

"Existem casos, como o da vacinação contra a covid-19, em que pessoas com obesidade grau 3 já são consideradas grupo prioritário", diz o pediatra Juarez Cunha, atual diretor da SBIm, mas que era seu presidente quando aconteceu a aproximação com a Abeso. "No entanto, a revisão da literatura médica nos mostra que o risco nessa e em outras infecções já é aumentado a partir do grau 1".

Parênteses: a obesidade é considerada grau 3, ou severa, quando o resultado do IMC (índice de massa corporal) é igual ou maior que 40. Já o grau 1 é quando o IMC fica entre 30 e 34,9, ao você fazer o cálculo clássico de dividir o seu peso (em quilogramas) por sua altura ao quadrado.

A inclusão nos calendários para pacientes especiais, é bem verdade, ainda não aconteceu. Mas as duas sociedades — SBIm e Abeso —acabam de lançar uma nota técnica com recomendações preciosas. "Esse documento deve dar visibilidade a uma situação em que, de um lado, há um maior risco para a saúde, e de outro, uma oferta de prevenção, que são os imunizantes", pensa o pediatra Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm.

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São sete vacinas que deveriam estar sempre em dia na carteirinha de quem tem obesidade. E isso sem contar aquela contra o vírus sincicial respiratório para quem já passou dos 60. Embora não existam muitos dados para dizer se o excesso de gordura no corpo interfere nessa infecção, é melhor se precaver.

Contra a gripe

Esse é um dos casos em que o Ministério da Saúde inclui pessoas com obesidade grau 3 na lista de pacientes especiais, com direito a receber a vacina em qualquer idade. Mas, cá entre nós, indivíduos com grau 1 já correm maior risco de hospitalização e morte, se ficam gripados.

"Além de a gordura produzir moléculas inflamatórias que pioram as infecções, ela se infiltra no tecido linfoide, prejudicando a função das células de defesa", diz a endocrinologista Cristiane Moulin, que é da Comissão de Advocacy da Abeso. A médica não participou da nota técnica, mas já escreveu tese sobre o assunto. "A leptina, que é um hormônio produzido pelas células de gordura, também atrapalha os linfócitos. Ou seja, é impossível apontar um único fator."

Cintia Cercado cita outro: "O excesso de gordura abdominal pode empurrar o músculo do diafragma para cima, reduzindo a capacidade dos pulmões". Literalmente com menos espaço para o ar, eles ficam em uma situação de maior sufoco diante de uma doença respiratória.

No caso da gripe, para pacientes com obesidade acima de 60 anos, é mencionada a vacina quadrivalente high dose. Nem tanto por ela proteger contra quatro sorotipos do influenza — afinal, um deles, o B, desapareceu do mapa-múndi e, se nenhuma má surpresa acontecer, será bem possível que futuras gerações de vacinas contra a gripe voltem a ser apenas trivalentes.

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A questão da high dose é, como o termo em inglês indica, ter uma concentração maior. Ainda assim, Renato Kfouri explica que a eficácia relativa é só um pouco superior — uns 20, 23%. Logo, se a vacina contra a gripe oferece 50% de proteção nessa faixa etária, o índice passará para uns 60%, não mais que isso. "Como a resposta do organismo às vacinas cai com a idade, é uma opção interessante para quem acima de 80 anos. Na faixa dos 60, se não der, tudo bem receber o imunizante com concentração normal."

Contra a hepatite B

Quem tem obesidade costuma acumular gordura no fígado e isso piora o cenário quando se pega hepatite B. É que, então, sobe a ameaça de o sujeito desenvolver câncer hepático. O desafio, porém, é o seguinte: "A resposta do organismo com obesidade à vacina contra o vírus por trás dessa infecção não é das mais adequadas", diz o doutor Juarez Cunha.

Por isso, embora o Ministério da Saúde ainda não tenha incorporado essa recomendação, a nota técnica sugere que a pessoa com obesidade use a mesma estratégia aplicada aos profissionais de saúde: de 30 a 60 dias apos tomar a terceira dose da vacina, ela deve dosar um anticorpo específico no sangue, o anti-HBs, para ver se o seu sistema imunológico aprendeu a se defender.

"Se isso não aconteceu, na rede privada é dada uma quarta dose, que resolve na maioria das vezes. Daí é feito um novo teste. E se, ainda assim, não há anticorpos, serão dadas uma quinta e uma sexta dose", conta o médico. Na rede pública, como repetir o teste é mais caro do que dar o imunizante, todos os que não ficam protegidos no primeiro esquema vacinal tomam mais três doses.

Contra o tétano

Não importa o que mostra o ponteiro da balança: todo mundo se esquece que é para tomar reforço da vacina contra o tétano a cada dez anos.

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Ninguém deveria marcar essa bobeira, é fato. Mas estudos mostram, por exemplo, que crianças e adolescentes com obesidade apresentam menores taxas de anticorpos contra o tétano depois de vacinados, em comparação com jovens com IMC normal. "Manter os reforços em dia é um jeito de diminuir o impacto dessa diferença", avisa o doutor Juarez Cunha.

Contra doenças pneumocócicas

As bactérias pneumococos não causam só pneumonias. Elas também podem provocar otites e meningites. E, no caso, estudos sugerem que as comorbidades ligadas ao excesso de peso é que são capazes de agravar de vez a situação.

A recomendação é conversar com o médico sobre a possibilidade de tomar a vacina pneumocócica conjugada 13-Valente ou até mesmo a 15-Valente. Eles protegem contra treze e quinze sorotipos de pneumococos, respectivamente.

Contra o hérpes zóster

Não existem evidências de que a obesidade aumente, por si só, a probabilidade de manifestar essa infecção. "Mas, além da idade acima de 50 anos, outros fatores de risco são hipertensão e diabetes, que costumam andar ao lado excesso de peso. Por isso, a vacina contra o herpes zóster deve ser recomendada de maneira ainda mais enfática para quem tem obesidade", opina o doutor Renato Kfouri.

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Contra a dengue

Segundo o doutor Kfouri, ter obesidade aumenta em 38% o risco de a infecção pelo vírus da dengue ser mais grave e apresentar piores prognósticos.

Por falta de doses suficientes, o imunizante deverá oferecido no SUS a meninos e meninas entre 6 a 16 anos, priorizando no atual momento de surtos a faixa responsável pelo maior número de hospitalizações, que é de 10 a 14 anos. Na rede privada, o imunizante é aplicado dos 4 aos 60 anos e, para quem tem obesidade, vale uma conversa com o seu médico.

Contra a covid-19

Eu sei, todo mundo quer esquecer que o Sars-CoV-2 ainda está circulando entre nós tanto quanto alguns gostariam de fugir da balança. Mas a realidade é que a obesidade aumenta risco de covid-19 grave já a partir do grau 1.

A nota da SBIm e da Abeso aconselha às pessoas com IMC elevado que continuem acompanhando os calendários do PNI (Programa Nacional de Imunizações). E, quando chegar a sua vez de ir ao posto, não perderem a visita. A saúde, afinal, é o que mais deveria pesar nessa história.

Reportagem

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