População negra tem os piores indicadores de saúde do Brasil
"A população negra no Brasil detém os piores indicadores de saúde." Assim começa o 2º Boletim Epidemiológico da Saúde da População Negra, lançado pelo Ministério da Saúde no último dia 23.
O documento serve para monitorar os indicadores de saúde, guiar políticas públicas para essa população, reduzir desigualdades e promover a saúde ao longo dos anos.
Embora a Constituição de 1988 garanta o direito universal à saúde, os dados do boletim revelam que as pessoas pardas e pretas têm menos acesso a programas de saúde, medidas de prevenção, diagnóstico e tratamentos de doenças do que os indivíduos brancos.
As chamadas doenças socialmente determinadas, que acometem, com mais intensidade, as pessoas com mais vulnerabilidade social, atingem em cheio a população negra.
O HIV/Aids é uma delas. Apesar de o Brasil ter um dos melhores programas de enfrentamento ao vírus, a população negra tem menos acesso ao diagnóstico e tratamento.
Quando se analisa a proporção de pessoas com aids nos últimos dez anos (2011 a 2021), vê-se um aumento de 12 pontos percentuais no número de casos entre pessoas negras (soma de pardas e pretas).
Em 2021, a proporção de casos de aids detectados segundo raça e cor por ano do diagnóstico revela que 51% dos casos ocorreram em pessoas pardas, 11,3% em pessoas pretas e 36,3% em brancas.
Entre crianças e adolescentes de até 14 anos com HIV, os mais vulneráveis também são os negros: em 2021, 71,2% dos casos foram detectados em indivíduos negros e 27,2% em brancos.
Pardos e pretos também morrem de aids com mais frequência: 60,5% das pessoas que faleceram por causa da doença em 2021 eram negras, ante 38,9% de brancas.
O número de casos de HIV em gestantes é maior em mulheres negras. Em 2021, elas representavam 67,6% dos casos. Enquanto a proporção de gestantes com HIV entre as brancas caiu 12,6 pontos percentuais de 2011 a 2021, entre as negras o número aumentou 12 pontos.
A sífilis congênita, que passa da mãe para o feto e para a qual há tratamento durante a gestação, também é mais frequente em filhos de mulheres pardas e pretas grávidas. Em 2021, 65,2% dos casos ocorreram em bebês nascidos de mulheres pardas, 9,5% de pretas e 24,8% de brancas. Durante o período de 2011 a 2021, a proporção de mães negras foi superior a 70%.
No caso da tuberculose, mais de 60% dos casos de 2021 aconteceram em pessoas negras. Em 2022, 78 mil pessoas foram diagnosticadas com a doença e, dentre esses novos casos, 49.381 eram pardas e pretas, o que representa 63,3% dos casos.
Política Nacional de Saúde
Não é preciso dizer que não há nenhuma justificativa biológica que torne as pessoas negras mais suscetíveis a essas e outras doenças socialmente determinadas. A falta de acesso a políticas públicas, melhores condições socioeconômicas e a sistemas de saúde dessa população é resultado de uma série de problemas sociais que tornam as pessoas negras mais vulneráveis a doenças para as quais existem prevenção e tratamento efetivo e gratuito.
O Brasil tem uma política para combater as desigualdades raciais na saúde, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), instituída em 2009 e que reconhece o racismo como determinante social da saúde e propõe ações para aumentar o acesso da população negra aos sistemas de saúde. Contudo, sua implementação é irregular e inconstante.
De acordo com o Boletim Epidemiológico, em 2018, 1.550 (27,8%) localidades declararam ter incluído em seus planos municipais de saúde ações previstas na PNSIPN. Em 2021, esse número subiu para 1.781 (32%), um pequeno aumento de menos de cinco pontos percentuais.
Porém, somente 12,3% dos municípios brasileiros declararam ter ações da PNSIPN em 2018 e 2021, anos em que houve inquéritos do IBGE. Isso revela dificuldades de adoção e de manutenção das ações da PNSIPN, que ainda são insuficientes.
É preciso um esforço de todas as esferas públicas e da sociedade para enfrentar a desigualdade de acesso à saúde dessa população, problema multifatorial que tanto nos envergonha como nação.
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