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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uma nova geração de 'formigas cantoras' está sendo criada

Diferentemente dos personagens do conto "A cigarra e a formiga", formigas cantoras são seres menos obsessivos que, culturalmente e geneticamente, são levados a unir trabalho e lazer de uma forma mais harmônica - iStock
Diferentemente dos personagens do conto "A cigarra e a formiga", formigas cantoras são seres menos obsessivos que, culturalmente e geneticamente, são levados a unir trabalho e lazer de uma forma mais harmônica Imagem: iStock

Nuno Cobra Jr.

Colunista do VivaBem

03/02/2022 04h00

A maioria das pessoas não busca a felicidade. A afirmação pode parecer chocante, mas é a mais pura realidade, sem filtros.

Ela revela um mundo movido a falsas motivações, no qual a ilusão da felicidade substitui a busca genuína de uma vida plena e com sentido.

Surpreendentemente, caso pudesse estudar a fundo esse assunto, você poderia constatar que os principais fatores que nos conduziriam a uma vida plena e mais feliz são impopulares e desconhecidos para a imensa maioria das pessoas. Se não buscamos a felicidade, o que estamos buscando então?

Sem perceber, a maioria de nós está em busca de algo diverso, por vezes, antagônico: chegar lá! Não se sabe muito bem aonde. No entanto, atingir uma meta e ser feliz pode se tornar missões incompatíveis. Vou propor um exercício de pensamento paradoxal.

Nessa forma de pensar, em vez de excluir um pensamento oposto e se posicionar radicalmente do outro lado, negando o ponto de vista alheio, você acolhe a teoria proposta e extrai as dúvidas positivas, expandindo a sua visão sobre a questão. Dessa forma, ao final desse processo, você irá se aproximar de uma verdade mais profunda e complexa.

Como funciona isso?

Por exemplo, existe uma crença, ainda dominante, há muitos séculos, de que para ser bem-sucedido e, consequentemente, ser mais feliz, você precisa criar metas claras, focar no que importa e trabalhar duro, sacrificando todo o resto: sua saúde, seu corpo, seu lazer, sua família, seus amigos, resumindo, seu equilíbrio corporal, mental, emocional e espiritual.

Embora essa seja uma receita para o desastre, ela guia os "coaches da produtividade" e estimula cegamente a todos aqueles que estão à mercê do marketing subliminar. Do outro lado, os "gurus da felicidade" insistem em reforçar o conceito de que para atingir a plenitude você precisa abrir mão de ambições ilusórias e aprisionantes e viver intensamente o momento presente, criando uma polarização paralisante.

Por que polarizar o seu estilo de vida?

Pronto! A partir dessas duas correntes de pensamento, formam-se duas maneiras diversas de abordar a vida.

De um lado, os "Hippiies modernos", em busca de espiritualidade, se esforçam em viver com pouco e adotam um estilo de vida minimalista, consciente e descompromissado. Do outro lado, os "Yuppies urbanos" se atiram de forma selvagem em suas metas e menosprezam qualquer coisa que distraia a sua atenção fixa a esses objetivos. O que eles têm em comum? Como o mercado é esperto, ligeiro e oportunista, ele se posiciona estrategicamente para acolher esses dois nichos de consumo.

Para os espiritualistas, o mercado irá disponibilizar uma avalanche de métodos, livros, gurus, cursos e técnicas diversas que vão te ajudar a "chegar lá", atingindo a felicidade plena. Para os materialistas, a oferta é generosa, se multiplicando em bens de consumo posicionais que tragam status social, além da enxurrada de métodos, gurus, influencers e técnicas diversas para aumentar a sua performance e a sua produtividade.

Como você pode notar, o que une esses dois grupos é acreditar que são imperfeitos e incompletos, e que, dessa forma, a sua felicidade depende de uma busca incessante e esforçada que os irá conduzir à tão sonhada completude, algo que sempre falta e sempre os faltará, estimulando a insatisfação crônica que consome milhões de vidas anualmente, ceivadas na "guilhotina do consumo inconsciente".

Uma fábula atualizada e moderna

Uma fábula muito conhecida define bem esses dois grupos. De um lado está a cigarra, alguém que só está preocupada em curtir a vida, sem se dedicar ao trabalho duro, sendo incapaz de garantir a sua subsistência futura. Do outro lado está a formiga, uma workaholic obsessiva que trabalha duro, de sol a sol e não se distrai com mais nada, garantindo a sua subsistência.

Porém, de forma imparcial, elogiando as vantagens de ser formiga, o conto omite o final da história, quando a formiga tem um burnout e entra de cabeça nos remédios tarja preta, entre outros detalhes sórdidos. O conto também omite que, em uma noite de lua cheia, uma formiga se enamora de uma cigarra. Dessa união, nasce a primeira geração de formigas cantoras, seres menos obsessivos que, culturalmente e geneticamente, são levados a unir trabalho e lazer de uma forma mais harmônica. Uma espécie de "terceira via" entre esses dois núcleos radicais e inflexíveis.

Essa fábula moderna traz à tona questões essenciais. Caso vivêssemos em um mundo menos dualista e polarizado, poderíamos, de forma sábia e flexível, nos inspirar nos ensinamentos trazidos tanto pela cigarra quanto pela formiga, sem discriminação, desenvolvendo um estilo de vida orgânico e balanceado. Quando falamos em saúde orgânica, falamos em sustentar um equilíbrio dinâmico entre atividade e repouso, tensão e relaxamento, trabalho e lazer, a base sobre a qual se estrutura a nossa sanidade física e mental.

Estudos na área da psicologia comportamental nos mostram que criar metas claras no trabalho e na vida pessoal são fundamentais para estabelecer uma ordem psíquica estabilizadora, nos protegendo de estados mentais instáveis e perturbadores. No fundo, viver é brincar de inventar novos desafios, rotinas estabilizadoras, algo que nos mantenha ocupados e nos impulsione à frente, algo que nos faça nos levantarmos da cama atentos e motivados, quase todos os dias (ninguém é de ferro).

Nesse quesito, ponto para a formiga e também para a cigarra: ambas estão extremamente envolvidas e motivadas em uma tarefa que as estimula positivamente, embora cantar e se divertir seja visto como algo supérfluo, menos importante.

Estudando o estilo de vida dos caçadores coletores, nossos ancestrais que viviam por aqui há 50 mil anos, vemos que eles estavam melhores que nós na forma como equilibravam trabalho e lazer. Embora trabalhassem de seis a oito horas por dia, de forma extrema, tinham um ambiente social rico em solidariedade, cumplicidade e coletividade, um espaço no qual cânticos, festas e brincadeiras eram igualmente importantes e valorizados. O segredo aqui parece ser que eles estavam igualmente plenos, extremamente presentes, tanto no trabalho quanto no lazer.

Estudos recentes mostram uma deterioração nos pilares fundamentais da nossa ordem psíquica: a maioria das pessoas relata estar extremamente insatisfeitas no trabalho, como também na forma como utilizam o seu tempo livre, gasto em atividades passivas, vazias e desprovidas de desafios que possam sofisticar, desenvolver e ampliar a consciência, nos tornando pessoas melhores e, consequentemente, mais satisfeitas e felizes.

No âmago desse empobrecimento mental estimulado atualmente, parece estar a crença, bombardeada diariamente pelo marketing subliminar, nos condicionando a acreditar que o que realmente importa, de verdade, a exemplo dos famosos e bem-sucedidos, é ganhar dinheiro e ficar famoso, o mais rápido possível, um objetivo inconsciente que nos move e hipnotiza.

Pesquisas mostram ser esse o fator que realmente move e angustia 80% dos jovens, como também a maioria dos adultos.

O raciocínio é obvio: se o mais importante é "chegar lá", o caminho em direção a esse objetivo torna-se apenas uma tarefa chata que temos que aturar antes do prêmio final (algo que efetivamente não existe), empobrecendo terrivelmente a vida em si, aquilo que acontece enquanto estamos a caminho.

Qual o segredo para virar essa chave?

Tomar consciência e abandonar essa crença que está encrustada profundamente em nossa psique coletiva, sem que possamos perceber. Pode procurar, essa crença, em diferentes níveis de intensidade, alimenta e norteia a sua vida.

Assim, ao abrir mão desse prêmio ilusório, iremos nos entregar de forma intensa e apaixonada à jornada em si. Ao tirar os olhos do futuro, e isso não significa abrir mão de metas e planejamento, podemos finalmente perceber, valorizar e enriquecer o presente. Pode ter certeza, no fundo, é só isso que realmente existe!

O segredo da abundância é deixar de fazer as coisas por interesses financeiros e fazê-la apenas pelo prazer de criar coisas belas e ajudar ao próximo, tornando o mundo um lugar melhor para se viver (chamam isso de propósito).

Todos temos uma brasa acesa ardendo dentro de nós, só falta assoprar ou deixar que a brisa fresca da vida a revigore. Só hoje eu vou ser pleno, feliz e satisfeito! Esse é o mantra da qualidade da presença, um dos itens mais importantes da qualidade de vida e, consequentemente, da felicidade intrínseca.

O mais importante é estar em movimento, em contínuo processo de criação.

A cura está no seu próprio corpo! Ela não está em nada que você possa comprar ou consumir. Na verdade, você pode trocar todas as dicas e matérias escritas nos últimos 40 anos, por meio da indústria fitness, elegendo álibis superficiais e mitos oportunistas, como dizer que pão engorda, chá verde emagrece, farinha branca é veneno, glúten é proibido e tudo mais, por apenas uma pergunta, resumindo tudo: o estilo de vida que eu criei preserva a minha saúde física e mental ou a consome aceleradamente?

Ps: Para se iniciar no assunto, veja o vídeo abaixo. Ele resume o maior estudo já feito sobre felicidade, que já dura mais de 80 anos.