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Paulo Chaccur

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tomar leite todo dia protege o coração? Entenda como bebida afeta a saúde

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

21/08/2022 09h57

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O leite faz parte daquele grupo de alimentos que vive carregado de estigmas e está sempre transitando entre o mocinho e o vilão da história. Há quem diga que adultos não precisam tomar leite e, pior do que isso, que seu consumo pode trazer uma série de problemas para a saúde, incluindo o surgimento de complicações que envolvem o coração e os vasos sanguíneos.

Apesar de serem importantes fontes de proteínas, carboidratos, vitaminas e minerais, o leite e seus derivados contam também, em sua composição, com a presença de gorduras saturadas, fato apontado como causa ou multiplicador de arteriopatias, ou seja, doenças em que as artérias ficam parcial ou completamente obstruídas, impedindo o fluxo de sangue ao músculo do coração.

Entretanto, por outro lado, alguns estudos vêm ao longo dos últimos anos buscando mostrar que isso não é uma afirmação totalmente verdadeira, uma vez que é preciso considerar o tipo de leite, a quantidade ingerida e até o quadro de saúde de cada indivíduo.

Pesquisa realizada na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e publicada no periódico científico European Journal of Nutrition, aponta, por exemplo, que o consumo de cerca de um copo de leite de vaca por dia pode, em longo prazo, reduzir o risco de mortes por doenças cardiovasculares.

O lado bom do leite

O trabalho, referendado em uma premiação da American Heart Association, identificou um risco de morte menor no grupo que ingeriu leite e/ou laticínios, com redução de 66% em quem tomava quantidades superiores a 260 ml de leite (para homens) e 321 ml (para mulheres). Resultados parecidos foram encontrados também para os laticínios.

O levantamento avaliou, por oito anos, dados de 6.600 pessoas (que não tinham doenças cardíacas no início da coleta das informações) incluídas no Estudo Longitudinal do Adulto (ELSA BRASIL), investigação desenvolvida em seis instituições de ensino e pesquisa do país que acompanha 15 mil brasileiros, com questionários e exames periódicos.

E não é só aqui. Estudos realizados em outras partes do mundo têm igualmente revelado efeitos benéficos do consumo de leite e derivados sobre a saúde cardiovascular. Um deles, da Universidade de Reading (Reino Unido), aponta que as pessoas que consomem leite têm níveis mais baixos de ambos os tipos de colesterol (o bom/HDL e o ruim/LDL) e um risco menor de apresentar doenças coronárias em comparação a quem não bebe leite. Os autores usaram como base dados de quase dois milhões de indivíduos dos Estados Unidos e Reino Unido.

Uma lista de benefícios

O leite da vaca, que dá origem a tantos outros produtos, é considerado um alimento de alto valor nutricional. Ele e seus derivados são importantes para formação e manutenção óssea, bem como na prevenção da osteoporose —chega a fornecer um terço da ingestão diária de cálcio recomendada.

Em sua composição conta com minerais (além do cálcio, o potássio e magnésio), proteínas e aminoácidos essenciais, que contribuem para a redução da pressão arterial e, portanto, no controle da hipertensão, um dos fatores de risco para as doenças cardiovasculares.

Essas proteínas do leite ainda ajudam na regulação do perfil lipídico (colesterol e triglicerídeos) e possuem ação antioxidante —assim como as vitaminas A e E, também presentes, reduzindo inflamações na corrente sanguínea. Adicionalmente entre os benefícios, alguns estudos relacionam o consumo de laticínios (em especial aqueles com baixo teor de gordura) a um risco menor de diabetes tipo 2.

E a questão da gordura?

O fato é que o leite de vaca é uma substância complexa. Além dos componentes já descritos contém, como dito, gorduras saturadas. Talvez por isso identificar seu papel nas doenças cardiometabólicas produzam, até hoje, resultados conflitantes. Razão pela qual também tantas versões alternativas da bebida e de seus derivados ganharam as prateleiras dos supermercados.

No entanto, levantamentos mais recentes revelam que laticínios integrais, com a presença dessa gordura, não tornam os produtos piores para a saúde. Uma dessas pesquisas, conduzida na Escola de Saúde Pública da UTHealth/Houston (EUA), concluiu que a ingestão de leite, queijo e iogurte integrais não aumenta o índice de mortalidade por questões cardiovasculares.

Pelo contrário, uma das gorduras avaliadas foi tida como benéfica contra esses problemas, mais especificamente em relação ao AVC (acidente vascular cerebral): a probabilidade de morrer em consequência de um AVC no grupo que consumiu os produtos na versão integral caiu 42%.

Segundo o estudo —realizado com aproximadamente 3.000 adultos (com 65 anos ou mais), acompanhados por 22 anos—, é preciso considerar que o termo "gordura saturada" é abrangente, ou seja, a versão encontrada nos laticínios tem, por exemplo, uma estrutura diferente da presente na carne vermelha, cujo excesso está relacionado às doenças do coração. Por isso, devemos levar em conta os subtipos, não só a gordura saturada total.

O verdadeiro problema

Além disso, ouvimos muito que a gordura saturada é perigosa, mas o que talvez seja realmente necessário reforçar é que o grande problema é o excesso. Embora o leite e seus derivados aparentemente contenham uma gordura menos nociva, a recomendação é que seu consumo não ultrapasse 10% das calorias totais ingeridas em um dia. Sendo assim, não é indicado restringir os lácteos, mas prestar atenção nas escolhas e quantidades consumidas.

Alguém com alimentação equilibrada, fisicamente ativo, com exames periódicos em dia e sem fatores de risco relevantes para a saúde do coração, não tem motivo para buscar alternativas ou versões light, semi ou desnatadas —se tem preferência pelo produto integral.

É importante, portanto, estar atento aos hábitos alimentares como um todo: de modo geral, o leite sozinho não causará uma doença cardiovascular, mas, sim, o padrão de consumo alimentar de um indivíduo e seus cuidados com a saúde.

Para contribuir com um coração saudável, é essencial estar atento à quantidade de sal e açúcares simples contida nos produtos, assim como não exagerar na ingestão de alimentos industrializados, processados e ultraprocessados.

Quando então buscar outras opções?

Em quadros de obesidade ou colesterol alto, por exemplo, será preciso pensar em escolhas mais apropriadas para reduzir o excesso de calorias e gorduras. Nesses casos, a solução pode ser trocar o produto integral por variações.

Entre os iogurtes, os mais indicados são aqueles com menos ingredientes na composição. Os saborizados podem ter grande quantidade de açúcar.

Já em relação ao queijo, dois pontos precisam ser considerados. Primeiro: alguns tipos têm mais gorduras saturadas e, portanto, devem ser ingeridos com moderação. O teor de sódio e o risco para a pressão arterial é outro fator relevante. A recomendação então é ficar de olho nos rótulos.

Como se observa, o tema é complexo. Vários especialistas indicam ainda a substituição do leite de vaca por outros tipos, como o de soja, amêndoas, aveia, coco, arroz ou cabra. Leites "alternativos" podem oferecer benefícios nutricionais similares e se tornarem um aliado quando é preciso reduzir o peso, dar atenção ao colesterol, caso seja intolerante à lactose, vegano ou alérgico a certas proteínas do leite de vaca. Entretanto, cada um proporcionará diferentes vantagens e desvantagens.

Por isso, não devemos generalizar e, sim, buscar avaliar as particularidades de saúde e necessidades de cada indivíduo. Tudo sempre com orientação de um especialista. De modo geral, o consumo adequado de leite e seus derivados pode trazer mais benefícios do que riscos à saúde, desde que isso seja feito com moderação e equilíbrio dentro da dieta alimentar.