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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como será (ou deveria ser) a vacinação contra monkeypox no Brasil

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

02/09/2022 04h00

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Setembro chegou e, junto com ele, a marca de mais de 50.000 pessoas infectadas com o monkeypox virus globalmente. O Brasil, com pouco mais de 5.000 casos confirmados, segue em terceiro lugar entre os países com maior número de notificações, se aproximando do segundo colocado, a Espanha.

Desde que o primeiro caso foi confirmado no país, há cerca de três meses, a epidemia brasileira não deu nenhum sinal de mudança em sua tendência de crescimento. Todas as unidades da federação, exceto Sergipe e Rondônia, já têm pelo menos um caso confirmado da doença. E minha intuição de infectologista me diz que nesses dois estados o vírus também já deve estar circulando.

Por outro lado, com o mês que se inicia chega também ao Brasil o primeiro lote com 20.000 doses da vacina dinamarquesa Jynneos/Imvanex contra o monkeypox. Até o final do ano já estão encomendadas outras 30.000 doses, todas obtidas pelo Ministério da Saúde por meio da OPAS (Organização Panamericana de Saúde).

Alinhada com o movimento, no final de agosto a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) seguiu as recomendações norte-americanas e europeias e aprovou por unanimidade o uso da vacina contra monkeypox para pessoas maiores de 18 anos de idade.

Com a chegada das vacinas, nasce a esperança de que algo enfim vai começar a melhorar na epidemia brasileira de monkeypox. No entanto, logo esse otimismo dá lugar à preocupação com o destino dessas doses. Critérios equivocados de indicação da imunização farão o pequeno lote de vacinas não trazer qualquer controle nos casos da doença em um país do tamanho do Brasil.

Há cerca de um mês, o Ministério da Saúde publicou o Plano de Contingência Nacional para Monkeypox, um documento que, apesar de extenso, não se dedica a detalhar a estratégia de vacinação no país. Basicamente, diz que a OMS (Organização Mundial da Saúde) não recomenda a vacinação em massa de toda a população e estabelece que as doses devem ser aplicadas em profissionais da saúde e de laboratório que trabalhem com casos da doença.

O uso racional das doses de vacinas é fundamental em uma epidemia, sobretudo quando temos disponível um número restrito de doses. Nesse contexto, enquanto a epidemia ainda se concentra em alguns poucos subgrupos da população, a imunização precoce dessas pessoas pode ser uma excelente oportunidade de controle do surto de monkeypox, sem a necessidade de vacinar toda a população.

Em sua última recomendação de imunização contra o monkeypox, publicada depois do lançamento do plano brasileiro de contingência, a OMS modifica os critérios de indicação de vacinação e inclui todas as pessoas que vivam sob alto risco de infecção, o que inclui, mas não se limita, os homens gays e bissexuais, grupo que conta por enquanto com mais de 95% dos casos confirmados.

Uma vez que esse grupo é bastante heterogêneo, eu vou além e penso que é possível separar aqueles que deveriam ser priorizados. Como grande parte dos casos confirmados no Brasil até agora se infectou em contatos sexuais com parcerias casuais, acredito que os homens gays e bissexuais que tenham vida sexual ativa com parcerias casuais deveriam ser os primeiros a receber as doses da vacina.

Sabendo que grande parte desse público já se encontra em uso de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) e, portanto, em acompanhamento médico regular, não teríamos nem mesmo dificuldade para convocar essas pessoas para a vacinação. Algo semelhante foi utilizado com sucesso no controle do surto de Hepatite A em São Paulo, em 2018.

A recomendação de vacinação de profissionais da saúde é em si outro problema. Por se tratar esse de um grupo também grande e diverso, é possível que todas as 50.000 doses da vacina se esgotem vacinando apenas pessoas que não terão em toda a sua vida qualquer risco ocupacional de exposição ao monkeypox virus. A vacinação contra a covid-19 em 2021 nos mostrou que com a escassez de doses, se faz necessário selecionar quais profissionais da saúde devem ser priorizados.

O plano brasileiro de imunização contra o monkeypox precisa se atualizar. Sem isso, desperdiçaremos dinheiro público e doses da vacina sem causar impacto significativo no controle do surto da doença.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL