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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil não pode perder oportunidade histórica na prevenção do HIV

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

28/10/2022 04h00

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Na última semana, a Revista Nature, uma das mais importantes referências em publicações científicas do mundo, dedicou seu editorial às eleições brasileiras, cujo segundo turno ocorre no próximo domingo.

O seu título foi categórico: "There's only one choice in Brazil's election — for the country and the world".

Traduzindo para o português, a mensagem "Só existe uma alternativa nas eleições do Brasil - para o país e para o mundo" posiciona o periódico frontalmente contra uma eventual reeleição do atual presidente. Como argumento, defende que, por negar a ciência, os quatro primeiros anos do seu governo já foram desastrosos tanto para o meio ambiente e para a saúde da população brasileira e mundial.

Se você estranhou que uma revista científica tenha se posicionado politicamente, saiba que isso é comum quando se trata de fenômenos que podem prejudicar a coletividade e a produção mundial de conhecimento científico. A própria Nature já havia anunciado, ao final da apuração em 2018, que anos sombrios estavam prestes a se iniciar.

Além das revistas científicas, pesquisadores, meios de comunicação e agências internacionais de saúde também costumam denunciar quando ações governamentais são nocivas para o bem-estar coletivo e para a saúde pública de um país ou região. Um exemplo disso é o posicionamento do The New York Times, maior jornal dos Estados Unidos, contra a eleição no Brasil de um mandatário que não se importa com as queimadas na Floresta Amazônica.

Outro exemplo é o Relatório In Danger do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), publicado em agosto de 2022. Nele, são apresentados dados epidemiológicos atualizados que demonstram que enquanto em boa parte do mundo os novos casos registrados anualmente de HIV estão caindo de maneira consistente, na América Latina esse número aumentou em 5% entre os anos de 2010 e 2021.

É de se estranhar um resultado como esse justamente na década em que a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) foi desenvolvida e recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde). No entanto, é aí que está a denúncia. Enquanto na Europa, na América do Norte e na África vimos nos últimos anos que houve esforços para se ampliar o acesso à PrEP, na América Latina esse processo ainda engatinha.

Entre as metas mundiais propostas pelo Unaids de controle da pandemia de HIV/Aids para 2025 está a garantia de acesso à PrEP para pelo menos 10 milhões de pessoas que façam parte de grupos de maior vulnerabilidade à infecção. Entretanto, de acordo com a iniciativa PrEP Watch desenvolvida pela ONG AVAC, estamos chegando ao final de 2022 com apenas de 3,3 milhões de pessoas acessando PrEP globalmente.

Na África Subsaariana, um impressionante trabalho coordenado na África do Sul, Quênia e Zâmbia, fez com que cerca de 1 milhão de pessoas iniciassem a PrEP, o que contribuiu para que as novas infecções por HIV na região se reduzissem em 44% na última década.

Já na América Latina, um total de 87.813 pessoas iniciaram PrEP desde 2017. Delas, 77.000 estão somente no Brasil. A distribuição bastante heterogênea desse contingente no território brasileiro é a prova de que só conseguimos aqui fazer a PrEP chegar a um grande número de pessoas devido ao empenho local dos gestores de saúde para a sua divulgação do método de prevenção. Afinal, nos últimos 4 anos não foi produzida ou veiculada nem sequer uma única campanha oficial pelo Ministério da Saúde abordando a PrEP. E além disso, o orçamento para esse programa em 2023 será quase 20% menor que o desse ano.

Além do Brasil, Argentina, Bahamas, Barbados, Chile, Cuba, Haiti, México, República Dominicana, Paraguai e Uruguai adotaram a PrEP como uma política pública de controle da epidemia de HIV/Aids. Infelizmente em todos eles existe preocupação em relação à sustentabilidade dos programas de HIV devido à queda no financiamento dos seus programas, sobretudo a partir de 2019.

Com o advento da PrEP, nunca antes na história desse país tivemos melhor oportunidade para enfim controlar a epidemia de HIV/Aids. O que diversas entidades internacionais estão nos alertando é que não podemos deixar que retrocessos no programa brasileiro de HIV nos façam perdê-la.