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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Brasil vai voltar a ter campanhas de prevenção do HIV e outras ISTs?

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Imagem: iSTock

Colunista de VivaBem

04/11/2022 04h01

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No final de 2018, o então deputado federal Luiz Henrique Mandetta, médico que havia sido escolhido por Jair Bolsonaro (PL) para comandar o Ministério da Saúde, deu uma entrevista para a Folha de São Paulo explicando qual seria o posicionamento do governo que estava prestes a se iniciar em relação a temas da saúde pública brasileira.

A sua resposta para o capítulo Prevenção do HIV deixou profissionais e pesquisadores da área chocados. O seu governo considerava que as campanhas de prevenção não poderiam ofender a família brasileira e sugeria que esse era um dos assuntos que deveriam ser ensinados em casa e não pelo ministério.

Em 2018, acredito que nenhum brasileiro tinha ainda ideia dos absurdos em série que viriam a ser produzidos na área da saúde pública pela gestão Bolsonaro, mas sem dúvidas aquela fala do ministro Mandetta foi um perfeito resumo de como seriam as campanhas de prevenção do HIV e de outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) nos quatro próximos anos: ruins ou inexistentes.

Segundo levantamento feito no início de 2022 por Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador na área de Políticas e Sistemas de Saúde, o investimento federal em campanhas de prevenção de HIV e outras ISTs se reduziu drasticamente depois de 2019.

No ano de 2021, por exemplo, a verba destinada para esse fim (R$ 100.098) corresponde a 0,6% do que foi gasto em 1998 (R$ 16,5 milhões), atualizado pela inflação. Para fins de comparação, em 2018 foram utilizados para campanhas de prevenção R$ 22 milhões pela gestão de Michel Temer e R$ 20,5 milhões em 2015 pelo governo de Dilma Rousseff.

Os anos da gestão bolsonarista foram marcados pelo brusco corte no financiamento para a produção de campanhas desse tipo, comprovando que Mandetta não estava mentindo quando disse que a prevenção do HIV não seria assunto prioritário. E, para piorar, nas poucas vezes em que tentaram abordá-lo, foi sempre de forma equivocada.

Em 2019, tendo disponíveis R$ 14,8 milhões empenhados pelo governo anterior, o Ministério da Saúde bancou a produção de uma das piores campanhas da história da epidemia de HIV/Aids no Brasil. No vídeo de 1 minuto e meio, tenta-se convencer o expectador a usar o preservativo em suas relações sexuais por meio do medo, reproduzindo a reação de atores que se assustam ao verem imagens de pessoas com sintomas de ISTs. E, no final, o slogan "Se ver já é desagradável, imagine pegar".

O recurso do medo já foi muito utilizado em campanhas de prevenção da década de 1990, época em que se martelava a ideia de que você vai morrer se for infectado com o HIV. Campanhas que disseminam medo deixam a população amedrontada e não protegida. Já as que promovem conscientização ensinam as pessoas a aplicar os conceitos de prevenção às suas vidas.

As campanhas brasileiras de prevenção, no entanto, não foram sempre ruins. Por diversas vezes o Ministério da Saúde produziu vídeos brilhantes, capazes de transmitir de forma leve mensagens complexas e importantes. Basta ter vontade e verba.

Trago aqui dois exemplos que sempre me emocionaram. Em um deles, de 2002, um vídeo de apenas 30 segundos consegue abordar prevenção, homofobia e a importância do acolhimento familiar para a população LGBT+. Em outro, de 2016, de forma descontraída e em cima da cama, um casal conversa entre beijos sobre os diversos componentes da Prevenção Combinada (veja abaixo).

No extremo oposto, estamos terminando 2022 sem a divulgação de qualquer peça publicitária ou campanha de prevenção oficial do Ministério da Saúde. E tenho certeza de que muita gente no Brasil segue com sua vida sexual ativa.

A partir de janeiro, teremos uma nova mudança no governo federal e no comando do Ministério da Saúde. Tenho a esperança de que vamos conseguir resgatar nossa tradição e retomar a produção de campanhas inteligentes de prevenção de HIV e outras ISTs.

Campanhas que de fato consigam tratar do assunto sem precisar recorrer à culpa, ao medo ou ao julgamento. Campanhas que se conectem com a população jovem, lembrando que existe uma parte do Brasil que não é cisgênero nem heterossexual.

Tenho a esperança de que novamente teremos coragem para falar sobre uma questão que é absolutamente de saúde pública e não familiar.