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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Casos de sífilis no Brasil param de subir, mas não é hora de comemorar

Treponema pallidum, bactéria causadora da sífilis - iStock
Treponema pallidum, bactéria causadora da sífilis Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

25/11/2022 04h00

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Com a chegada do final do ano, se inicia a temporada de publicação dos boletins epidemiológicos anuais elaborados pela área técnica do Ministério da Saúde. Por meio deles, temos acesso aos dados mais atualizados de epidemias de doenças de notificação compulsória no país.

Para médicos infectologistas como eu, que trabalham com prevenção e tratamento de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), os boletins mais esperados são sempre os de HIV/Aids e de sífilis, por serem eles os únicos parâmetros oficiais que nos permitem avaliar o impacto das políticas públicas de controle de ISTs no Brasil.

Enquanto aguardo pelo do boletim de HIV, tradicionalmente publicado próximo do dia 1º de dezembro, dia mundial de luta contra o HIV, quero aqui discutir os dados do recém-publicado boletim epidemiológico de sífilis.

Os casos de sífilis adquirida pararam de crescer no país. A notícia é boa, mas vamos por partes para não cometer equívocos.

Os casos de sífilis adquirida, nome dado à doença transmitida por via sexual entre adultos, entraram para a lista de agravos de notificação compulsória no Brasil apenas em 2010. Antes disso, eram contabilizados somente os casos de sífilis em gestantes e os de transmissão para seus bebês (sífilis congênita).

De 2010 a 2019, tivemos no país uma epidemia descontrolada de sífilis adquirida. Nesse período, o número de novos casos notificados anualmente da doença aumentou em cerca de 8,5 vezes, saltando de 9,3 para 77,8 casos por 100 mil habitantes, colocando o Brasil como um dos epicentros da sífilis mundial.

No boletim epidemiológico de 2021, de forma inesperada foi divulgada uma queda abrupta na curva de incidência de sífilis adquirida no país. Antes que qualquer pessoa comemorasse, os próprios técnicos do ministério pediram cautela nas interpretações desse fenômeno e reconheceram que, em decorrência da pandemia de covid-19, houve em 2020 a desmobilização tanto das campanhas de testagem quanto da compilação das notificações, o que pode ter falseado a redução dos casos.

Dessa forma, os dados do boletim de 2022 eram muito aguardados para que pudéssemos conhecer para onde de fato estava indo a epidemia brasileira de sífilis. Felizmente, os números atualizados sugerem de forma consistente que o crescimento explosivo da última década perdeu força e os casos de sífilis pararam de subir, sendo registrados em 2021 78,5 casos por 100 mil habitantes.

Casos de sífilis no Brasil - Reprodução/Ministério da Saúde - Reprodução/Ministério da Saúde
Imagem: Reprodução/Ministério da Saúde

A mudança visualizada na curva de incidência tem origem multifatorial, mas certamente o empenho do Ministério da Saúde em ampliar o acesso à testagem rápida para a sífilis, bem como a rotina de testagem no acompanhamento dos usuários da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV), têm uma enorme importância. Inclusive, a PrEP começa a ser implementada no SUS (Sistema Único de Saúde) em 2018.

Depois de um período de baixa nos estoques, a ampla disponibilização de penicilina benzatina para tratamento dos casos diagnosticados também deve ter influenciado no controle da subida dos casos.

O fim da tendência de crescimento nos novos casos de sífilis nos anima, mas ainda estamos longe de poder comemorar o controle da epidemia no país. Não nos esqueçamos que somente no último ano foram notificados nacionalmente 167.523 casos de sífilis adquirida. Além disso, os casos de sífilis em gestantes e congênita ainda estão longe da meta determinada pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Sendo a sífilis uma IST que desde a descoberta da penicilina, em 1942, pode ser facilmente tratada e curada, em 80 anos já deveríamos ter conseguido controlar sua epidemia. Mas isso só se tornará uma realidade quando houver vontade política e financiamento para ampliar ainda mais o acesso à informação, testagem e ao tratamento da doença.

Interromper o crescimento é o passo imediatamente anterior ao início da queda da incidência de uma doença infecciosa. A partir de agora já entro na expectativa pelos dados do boletim epidemiológico de 2023.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL