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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Indetectável é mais que intransmissível: é zero risco de transmissão

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

04/08/2023 04h00

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Quando em novembro de 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei 9.313, ele não tinha a menor ideia de que estava ali mudando para sempre e para melhor a trajetória da epidemia brasileira de HIV.

Em seu texto, a lei garante que todas as pessoas que vivem com HIV/Aids no Brasil "receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento".

No entanto, o que nem o presidente e nem sequer os pesquisadores de HIV da época sabiam era que ao garantir o tratamento universal para as pessoas que viviam com esse vírus, o país estava implementando uma das mais potentes estratégias de prevenção já desenvolvidas até hoje na história dessa epidemia.

Na década de 1990, estimava-se que o Brasil chegaria a 2020 com mais de 40 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids. Diferente disso, chegamos a 2023 com pouco mais de 1 milhão. Dessa maneira, o Brasil ajudou a mostrar ao mundo que, quando tratamos adequadamente uma pessoa infectada com HIV, ela deixa de transmitir seu vírus para suas parcerias.

Depois das constatações empíricas desse fenômeno foi a vez de, a partir de 2010, os ensaios clínicos confirmarem o achado. Depois de acompanhar por vários anos centenas de casais sorodiferentes (aqueles em que uma pessoa vive com HIV e a outra não), não foi registrado absolutamente nenhum caso de transmissão viral a partir de indivíduos em tratamento adequado mantendo por isso o vírus indetectável em seu sangue.

Cunhou-se ali o mote Indetectável = Intransmissível, ou, de forma abreviada, I = I.

De lá pra cá, a disseminação do conceito do I = I, somada à ampliação do acesso aos diferentes métodos de prevenção combinada fez com que a luta contra a sorofobia ganhasse força, especialmente a partir do momento em que os órgãos oficiais de saúde pública incorporaram e passaram a repetir esse discurso.

Embora hoje o I = I já esteja bem consolidado na comunidade científica mundial, para a população geral ele ainda é desconhecido.

Eis que, quando ninguém esperava, na última semana durante o Congresso Mundial de HIV, na Austrália, a OMS (Organização Mundial da Saúde) se posicionou de maneira inédita sobre o assunto, divulgando um documento intitulado "O papel da Supressão Viral na melhora da saúde individual e na redução da transmissão".

Nele, o órgão aponta a necessidade de tornar essa comunicação mais clara e objetiva. Uma vez que intransmissível é um termo técnico, a ideia pode não ser compreendida.

Assim, a OMS recomenda agora que mensagem seja: pessoas com a carga viral indetectável têm zero risco de transmissão do seu HIV.

Além dessa mudança na comunicação, o documento da OMS, juntamente com uma revisão sistemática publicada na revista científica Lancet, também nos subsidia com dados para afirmarmos que indivíduos em tratamento adequado que têm sua carga viral menor que 1.000 cópias/mL, mas ainda não indetectável, apresentam um risco de quase zero ou insignificante de transmissão.

Mas é preciso pontuar que tudo isso só pode ser afirmado quando nos referimos à transmissão sexual do HIV, e não para outras vias, como a vista entre usuários de drogas injetáveis, por meio de transfusão sanguínea ou na materno-infantil.

A escolha de sempre usar a palavra ZERO deixa clara a intenção da OMS em apoiar a causa. O seu posicionamento contundente terá um papel determinante na disseminação desse conceito para toda a população mundial.

Com todos juntos, presidentes, pesquisadores e população, acreditando que o zero é a nota máxima, conseguiremos convencer que pessoas que vivem com HIV não são ameaça para ninguém, e só assim venceremos a sorofobia existente na sociedade.

Lanço aqui a campanha pelo I = 0.