EUA são o primeiro país a recomendar DoxiPEP para a prevenção de ISTs
A história ocorre em ciclos e, em 2023, nos faz reviver um déjà-vu de 10 anos atrás. Me refiro à recente proposta do CDC, o Centro de Controle de Doenças norte-americano, de recomendar em um guia o uso da DoxiPEP para prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) bacterianas.
Ao adotar tal posicionamento, os EUA saem na frente como primeiro país a recomendar oficialmente o recém-estudado método de prevenção contra ISTs bacterianas, que consiste na tomada de uma dose única de antibiótico após as relações sexuais.
Em três diferentes ensaios clínicos, a DoxiPEP foi responsável por uma potente redução nos casos de sífilis e clamídia (próxima a 85%) e por uma proteção —mais modesta— contra a gonorreia (cerca de 50%).
Até agora, nenhum dos estudos que avaliaram a DoxiPEP demonstrou que o seu uso levou a uma piora do padrão de resistência a antibióticos entre as ISTs, nem tampouco na flora bacteriana dos seus usuários. Talvez o número de indivíduos estudados ou tempo de acompanhamento deles tenham sido muito pequenos para que identificar o efeito indesejado. Ou talvez ele não vá aparecer mesmo.
O fato é que os EUA resolveram assumir o risco e bancar nacionalmente a implementação monitorizada da DoxiPEP. Afinal, essa lacuna de conhecimento só será preenchida se a DoxiPEP for utilizada de maneira mais ampla.
Há 10 anos, o cenário e os atores eram os mesmos, mas o enredo era diferente. Naquela época, depois de alguns ensaios clínicos demonstrarem que a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV, a PrEP, era capaz de reduzir em mais de 99% a transmissão desse vírus, havia na comunidade científica o receio de que o seu uso ampliado pudesse levar à seleção de cepas virais resistentes.
Enquanto cientistas discutiam o tema, os EUA se tornaram o primeiro país a recomendar oficialmente o uso da PrEP. Dez anos depois, com os medos e fantasmas resolvidos, todo o planeta busca maneiras para implementar e ampliar o acesso ao método, pois, sem ele, será impossível controlar a epidemia de HIV/Aids.
Voltando a 2023, o que motivou o CDC a adotar a DoxiPEP é a clara percepção de que, com as ferramentas utilizadas hoje, estamos perdendo a luta contra as ISTs bacterianas. Especialmente quando nos referimos aos grupos de maior vulnerabilidade, tais como mulheres cis jovens e a população LGBT+.
A aposta norte-americana para a virada desse jogo é a indicação de DoxiPEP primeiro para mulheres trans e homens gays que tenham sido diagnosticados com sífilis, clamídia ou gonorreia no último ano.
Mulheres cisgênero heterossexuais não entram ainda na recomendação, pois no único estudo de DoxiPEP que incluiu essa população a adesão aos comprimidos pelas participantes foi baixa demais para demonstrar qualquer proteção contra ISTs.
Nesse momento, a recomendação de DoxiPEP do CDC passa por um período de consulta pública, em que cidadãos e instituições podem sugerir alterações, e logo deve entrar oficialmente em vigor.
A decisão é o pontapé para reforços na secular luta contra as ISTs bacterianas. Tudo indica que, mais uma vez, o movimento norte-americano será seguido por outros países em busca de um mundo com mais saúde sexual e com menos sífilis, clamídia e gonorreia.
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