DoxiPEP não protege mulheres cis de ISTs, mas causa pode ser baixa adesão
Desde a virada do século, diversos lugares do planeta estão presenciando o crescimento mantido da incidência de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) bacterianas, tais como a sífilis, a clamídia e a gonorreia.
A depender da localidade, esse aumento ocorre de maneira mais ou menos concentrada nos diferentes subgrupos populacionais, mas com frequência estão na lista de crescimento de casos os homens gays e bissexuais, as minorias étnicas e as mulheres cisgênero jovens.
Entre as estratégias que têm sido estudadas para mitigar esse fenômeno estão, além da recomendação do uso de preservativo em todas as relações sexuais e do rastreamento periódico de ISTs independentemente da presença de sintomas, a tomada de uma profilaxia medicamentosa com o antibiótico doxiciclina após as exposições sexuais, o que ficou conhecido como DoxiPEP.
Os primeiros ensaios clínicos que avaliaram a eficácia e a segurança da DoxiPEP incluíram apenas homens gays e bissexuais e encontraram uma proteção alta e animadora contra sífilis e clamídia, e uma proteção menor contra a gonorreia. Isso fez com que países como Estados Unidos, Austrália e Alemanha emitissem pareceres favoráveis ao uso da DoxiPEP para essa população.
Recentemente foram publicados os resultados do primeiro ensaio clínico que estudou o uso da DoxiPEP entre mulheres cisgênero.
O estudo dPEP foi publicado na respeitada revista científica New England Journal of Medicine, mas frustrou as expectativas da comunidade científica internacional uma vez que demonstrou que o uso da DoxiPEP não protegeu as mulheres cis contra ISTs bacterianas.
Nesse estudo foram incluídas 449 mulheres cisgênero no Quênia, que foram randomizadas aleatoriamente para receberem ou não a DoxiPEP. Ao término de um ano de acompanhamento com o rastreamento trimestral de ISTs, o número de casos incidentes de ISTs bacterianas foi semelhante nos dois grupos.
Inicialmente, imaginou-se que o motivo da falha na prevenção poderia estar associado a diferenças biológicas, hormonais e corporais existentes entre homens e mulheres, o que poderia fazer com que o antibiótico se distribuísse de forma reduzida nas mucosas femininas.
No entanto, em um sub-estudo do dPEP que dosou aleatoriamente o nível de doxiciclina no cabelo de 50 mulheres que tinham sido sorteadas para tomar a DoxiPEP encontrou resultados compatíveis com boa adesão aos comprimidos em apenas 29% das amostras.
Com isso, a conclusão do estudo dPEP é que, dada a baixa adesão aos comprimidos, não foi possível determinar se a DoxiPEP é eficiente para a prevenção de ISTs bacterianas em mulheres cisgênero e assim mais estudos serão necessários para responder a essa questão.
Algo muito parecido aconteceu há cerca de 10 anos, quando começaram a ser publicados os estudos avaliando a eficácia da PrEP contra o HIV em mulheres cis. Inicialmente, a adesão aos comprimidos foi baixa demais para se concluir algo, e somente mais tarde, com estudos com melhor adesão foi possível concluir que a PrEP também protegia mulheres cis do HIV.
Assim, por ora precisaremos aguardar os próximos passos da ciência para sabermos se a DoxiPEP, uma promissora estratégia de prevenção, poderá também beneficiar mulheres cisgênero na luta contra as epidemias de ISTs bacterianas.
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