Bruxismo é cíclico e pode ser controlado com placa e mudança de hábitos
Boa parte das pessoas já teve a experiência de ouvir alguém rangendo os dentes enquanto dorme, o que é rapidamente identificado como bruxismo. Mas o som do atrito dos dentes não é a única característica desse movimento involuntário e inconsciente que acontece durante o sono.
Apertar e bater os dentes compõem o quadro, e podem se manifestar até fora do repouso noturno.
O bruxismo acomete homens e mulheres igualmente, é menos frequente entre os idosos, e pode ser observado já na infância. Ele é considerado o terceiro distúrbio do sono mais comum, perdendo apenas para o sonilóquio (falar enquanto dorme) e o ronco.
Quando aparece à noite, é chamado bruxismo do sono; quando ocorre durante o dia, é classificado como bruxismo em vigília.
Estima-se que a maioria dos indivíduos apresentará este tipo de comportamento em algum momento da vida, mas somente 5% delas desenvolverão a condição clínica.
Até o momento não existe cura para o bruxismo, mas os especialistas garantem: quanto mais cedo for feito o diagnóstico, maiores serão as chances de controlá-lo e prevenir suas complicações.
O que é bruxismo?
Trata-se de uma atividade muscular parafuncional (não tem função alguma) e repetitiva da mandíbula, que tem como característica o apertar, ranger ou bater os dentes, o que pode ocorrer apoiando ou empurrando a mesma estrutura óssea.
Esse comportamento está listado na Classificação Internacional de Distúrbios do Sono (ICSD-R), e é o problema mais comum dos distúrbios do movimento durante o período de repouso, perdendo apenas para o solilóquio (falar dormindo) e o ronco.
Entenda como ele é classificado
O problema tem diversas classificações, e as mais importantes são o momento de sua manifestação e a sua origem. Confira:
Momento da ocorrência (circadiano)
- Bruxismo do sono - apresenta-se durante o repouso noturno;
- Bruxismo em vigília - ocorre durante o dia.
Origem
- Bruxismo primário - é o bruxismo idiopático, ou seja, não se encontra causa aparente para o seu aparecimento;
- Bruxismo secundário - decorre de outras doenças como paralisia cerebral, coma etc., uso de determinados medicamentos ou drogas.
Por que isso acontece?
Até o momento, as causas do bruxismo não foram totalmente esclarecidas. Apesar disso, sabe-se que ele pode estar relacionado aos seguintes fatores:
- Estresse (principalmente o emocional)
- Genética (parece haver algum grau de hereditariedade: filhos de pais com bruxismo podem apresentam o mesmo comportamento em 21% a 50% dos casos)
- Uso de determinados medicamentos (agonistas e antagonistas da dopamina, antidepressivos tricíclicos, ISRS [Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina], álcool, cocaína, anfetamina);
- Dieta;
- Higiene do sono.
Além desses fatores, a literatura sobre o bruxismo indica possíveis associações com:
- Parkinson
- Toro mandibular (crescimento ósseo congênito)
- Distonia oromandibular
- Síndrome de Down
- Trauma
- DFA (Dor Facial Atípica)
Saiba reconhecer os sintomas
A manifestação mais comum do bruxismo é o ranger de dentes, que muitas vezes é notado pelo parceiro de quarto de quem tem o problema.
Apesar disso, algumas pessoas podem apertar os dentes ou movimentar a mandíbula sem perceberem.
Veja outros exemplos de possíveis sinais ou sintomas:
- Dor temporomandibular
- Dor muscular (músculos mastigatórios ou cervicais)
- Dor de cabeça ao levantar pela manhã
- Hipersensibilidade dos dentes
- Mobilidade excessiva do dente
- Sonolência e cansaço decorrentes da baixa qualidade do sono
- Hiperatrofia do músculo masseter
- Redução do fluxo da saliva
- Dificuldade de abrir a boca
- Dentes quebrados
Quem precisa ficar atento?
O bruxismo acomete homens e mulheres igualmente, e é menos frequente entre os idosos, mas pode também ser observado na infância.
Dados da ICSD-R mostram que de 85% a 90% das pessoas, em geral, rangem os dentes em algum momento da vida, mas somente 5% delas evoluem para condições clínicas.
Quando é hora de procurar ajuda especializada?
Nos casos em que o ranger de dentes é notado (por pais, responsáveis ou mesmo o parceiro de quarto), aconselha-se consultar um dentista especializado em DTM (disfunção temporomandibular) e dor orofacial para avaliação.
"Contudo, o sinal de alerta para quem não apresenta esse tipo de manifestação é a dor. E ela pode estar acompanhada por prejuízos estruturais como a quebra ou a mobilidade do dente", esclarece João Paulo Tanganeli, coordenador do curso de pós-graduação em DTM-Dor Orofacial da Universidade Nove de Julho e gestor de especialidades do CROSP.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta, o dentista ouvirá a sua queixa, fará o levantamento de seu histórico de saúde e realizará o exame completo da boca e dos dentes para identificar os possíveis sinais e sintomas do bruxismo. Na maioria das vezes, o diagnóstico é clínico —porque se baseia nessas informações.
Em algumas situações, o especialista pode solicitar um exame complementar, a polissonografia. O objetivo desse teste, que é feito enquanto o paciente dorme, é observar a gravidade do bruxismo e como a qualidade do sono pode estar envolvida no quadro.
Como é feito o tratamento?
O objetivo é eliminar os fatores desencadeadores ou de risco. Como o bruxismo, até o momento, não tem cura, a estratégia terapêutica se baseia em três medidas básicas: uso de placas estabilizadoras, mudança comportamental e instruções de higiene do sono. A explicação é de Saulo Cabral dos Santos, cirurgião dentista e professor do curso de odontologia da UFPE.
Essas práticas visam controlar o problema e conter o seu agravamento. E os profissionais da saúde podem indicar medidas que envolvam cuidados multidisciplinares. Confira:
- Exercícios fisioterápicos
- Adoção de técnicas de relaxamento (ioga, por exemplo)
- Cuidado psicológico (psicoterapia, terapia cognitivo-comportamental, hipnose)
- Biofeedback (há até aplicativos gratuitos que ajudam a monitorar)
- Medicamentos (por curto período e em casos graves nos quais as medidas acima não trouxeram resultado).
A aplicação de botox (toxina botulínica) tem sido estudada para o tratamento do bruxismo, mas os seus efeitos ainda estão sendo observados pelos cientistas.
O que esperar do tratamento
A psiquiatra Gisele Richter Minhoto, especialista em medicina do sono e professora da Escola de Medicina da PUC-PR, fala que é possível obter bons resultados com o conjunto de medidas disponíveis para o controle do problema. Contudo, a especialista adverte que o bruxismo tem como característica ser cíclico.
"Isso significa que o paciente observará a alternância entre períodos de melhora e piora, a depender das fases vividas por cada indivíduo. Um exemplo pode ser o vestibular, ou mesmo a presente pandemia", diz.
Conheça as possíveis complicações
A principal complicação do bruxismo não tratado é a DTM, o que representa 70% dos casos desta enfermidade, principalmente entre as mulheres.
Além dessa doença, que envolve as articulações, os músculos da mastigação e das estruturas associadas, o bruxismo pode levar a outros quadros. Veja alguns exemplos:
- Dor de dente
- Perda dentária
- Desgaste
- Dor de cabeça
- Fraturas
- Queda/quebra das restaurações
- Sensibilidade
- Recessão gengival
- Tratamento de canal
- Perda da qualidade do sono
Meu filho range os dentes, o que eu faço?
Junia Serra-Negra, professora do Departamento de Saúde Bucal da Criança da UFMG, conta que, no passado, entendia-se que o bruxismo na criança era fisiológico, isto é, era próprio da infância e, portanto, com o desenvolvimento natural, tal comportamento desapareceria.
Hoje já se sabe que existe mesmo uma fase de instabilidade da mandíbula, que precisa se acomodar diante do crescimento da criança e da própria estrutura, bem como da maturação neurológica.
Assim, nesse momento da vida, não há nada a fazer. É preciso aguardar. No entanto, se a partir dos 3-4 anos, o problema persistir, é indicado consultar o dentista.
Cabe a ele identificar fatores associados, que são semelhantes aos dos adultos, mas geralmente se relacionam às seguintes situações:
- Má qualidade do sono (exposição excessiva a telas, por exemplo)
- Problemas respiratórios (asma, adenoide, rinite, sinusite, ronco)
- Estresse (bullying)
- Dieta (consumo de alimentos excitantes como leite com chocolate antes de dormir)
O acompanhamento com o dentista é importante para entender o que acontece com a musculatura oral, protegendo-a de todas as formas possíveis. Pode ser o uso de placas —quando ela for realmente necessária— e/ou estratégias que incluem o apoio de uma equipe multidisciplinar formada por fonoaudiólogo, otorrinolaringologista, psicólogo e fisioterapeuta.
"Os pais precisam saber que a placa, para a criança, é importante, mas não cura o bruxismo. Ela é apenas protetora. Quem range, rangerá, mesmo com a placa. Se o pequeno apresenta esse comportamento, ele tende a tê-lo na vida adulta", conclui Serra-Negra.
Dá para prevenir?
Não, mas é possível investir em práticas de controle do estresse, como técnicas de relaxamento, além de melhorar as condições do quarto para garantir boas noites de sono e evitar ritmos caóticos de horários de sono, especialmente quando o bruxismo é noturno.
Além disso, é aconselhável tratar transtornos que possam estar colaborando com o problema, como é o caso da ansiedade.
Fontes: Gisele Richter Minhoto, médica psiquiatra, especialista em medicina do sono e professora da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná); Junia Serra-Negra, professora do Departamento de Saúde Bucal da Criança da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e coordenadora da pós-graduação na área da mesma instituição; João Paulo Tanganeli, cirurgião dentista, com pós-doutorado na área de dor orofacial, coordenador do curso de pós-graduação em DTM Dor Orofacial da Universidade Nove de Julho, e gestor de especialidades do CROSP (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo); Saulo Cabral dos Santos, cirurgião dentista com doutorado e mestrado pela Unicamp (Universidade de Campinas), professor do curso de odontologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambucoo) e fundador do PerioGroup (PE). Revisão técnica: João Paulo Tanganeli.
Referências: Serra-Negra JM, Pordeus IA, Corrêa-Faria P, Fulgêncio LB, Paiva SM, Manfredini D. Is there an association between verbal school bullying and possible sleep bruxism in adolescents? J Oral Rehabil. 2017 May;44(5):347-353. doi: 10.1111/joor.12496. Epub 2017 Mar 16. PMID: 28214362; Murali RV, Rangarajan P, Mounissamy A. Bruxism: Conceptual discussion and review. J Pharm Bioallied Sci. 2015;7(Suppl 1):S265-S270. doi:10.4103/0975-7406.155948; Lobbezoo F, Ahlberg J, Glaros AG, Kato T, Koyano K, Lavigne GJ, de Leeuw R, Manfredini D, Svensson P, Winocur E. Bruxism defined and graded: an international consensus. J Oral Rehabil. 2013 Jan;40(1):2-4. doi: 10.1111/joor.12011. Epub 2012 Nov 4. PMID: 23121262.
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