Calvície masculina: sem cura, terapia breca avanço e deve começar cedo
Cristina Almeida
Colaboração para VivaBem
01/12/2020 04h00Atualizada em 19/02/2023 12h01
Cristo nem tinha nascido e o poeta romano Ovídio já se lamentava em versos sobre a forma impiedosa como os homens eram privados de seus encantos: "os cabelos caem como as folhas que o vento agita". Milênios depois, a calvície continua incomodando, mas agora se sabe que ela decorre de uma alteração do ciclo do crescimento do cabelo que é geneticamente determinada.
A alopecia androgenética é considerada a forma mais comum de perda de cabelos entre os homens, ocorre de forma progressiva e afeta mais de 50% da população masculina acima dos 50 anos.
Estima-se que, nos Estados Unidos, esses percentuais representem 50 milhões de pessoas. Os especialistas no assunto afirmam que algum grau dessa queda, logo após a puberdade, é até considerado normal, mas a sua prevalência e gravidade podem aumentar com o passar dos anos.
Além do desconforto psicossocial, a calvície não provoca alterações na pele, exceção feita ao maior risco para o desenvolvimento de câncer, dada a maior exposição do couro cabeludo aos raios solares. Além disso, ela tem sido relacionada a outras condições médicas como doenças coronarianas, aumento e tumor de próstata, diabetes, obesidade e hipertensão. Os estudos ainda não são conclusivos, porque não se sabe ainda se há algum nexo de causalidade.
Até o momento não existe cura para essa enfermidade, mas quanto mais cedo for iniciado o tratamento, maiores são as chances de retardar o seu avanço.
Entenda o ciclo de crescimento do cabelo
Ele tem início nos folículos capilares, estruturas situadas abaixo da pele. Cada fio de cabelo nasce, cresce —mais ou menos 1 cm por mês e, em geral, pelo período de 4 a 7 anos; depois, ele entra em curta fase de repouso, seguida por uma fase de queda, que culminará na sua liberação alguns meses depois.
O que é calvície?
Os médicos se referem a ela como alopecia androgenética. Trata-se da causa mais frequente da perda de cabelo em homens. A condição se caracteriza por ter um padrão definido, na maior parte dos casos. A queda acomete a parte frontoparietal, as famosas entradas, podendo também acometer a região superior da cabeça (vertex ou coroa),formando um "M".
Até o momento, não se conhece completamente os seus mecanismos, mas sabe-se que esse tipo de queda se relaciona, principalmente, aos seguintes fatores:
- Genética (herança poligênica)
- Hormônios
- Ambientais (suplementação e reposição hormonal)
A di-hidrotestosterona (DHT) é o principal hormônio envolvido com a calvície em indivíduos geneticamente suscetíveis. Ela age induzindo mudanças nos folículos. A partir dessa alteração, os fios por eles produzidos vão se tornando cada vez mais curtos, finos e menos pigmentados (miniaturização), até que ficam invisíveis e deixam de crescer.
Os especialistas observam que a maior sensibilidade à DHT torna esses homens presas fáceis de seus efeitos. Por isso, eles precisam estar mais atentos durante o período de reposição hormonal ou ao fazerem uso de suplementos.
É preciso ter cuidado porque o efeito colateral pode ser não só a calvície, mas também o aumento do risco para o câncer de próstata.
Saiba reconhecer os sintomas
A maioria das pessoas pensa que a queda de cabelo é o maior indicador de que a calvície está a caminho. Mas a dermatologista Tatiana Gabbi, assessora do Departamento de Cabelos e Unhas da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia) garante que esse não é o principal sintoma da alopecia androgenética.
"O que sinaliza a doença não é a perda capilar, mas a sua miniaturização", fala a médica. "No início, a queda é comum, não representa piora do quadro e é considerada apenas um fator associado", explica a médica. "Aliás, ela sinaliza que um novo processo de crescimento pode estar sendo iniciado e, portanto, seria a oportunidade perfeita para iniciar o tratamento", acrescenta.
Quando é a hora de procurar ajuda?
Os especialistas falam que quem tem histórico de calvície na família, independente do grau de parentesco e do lado familiar (pai ou mãe), é preciso buscar ajuda no final da puberdade. A literatura médica registra que entre 15 e 18 anos já é possível identificar o início do processo.
Nos casos em que não haja um quadro de hereditariedade, esse momento será aquele no qual o aumento do padrão de queda e o afinamento do cabelo passam a incomodar.
O médico treinado para avaliar doenças da pele, do cabelo e da unha é o dermatologista.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta, o médico ouvirá sua queixa, levantará seu histórico de saúde e familiar e realizará o exame físico.
O procedimento é fundamental para encontrar sinais de miniaturização, e pode, desde logo, afastar outras causas da queda de cabelo. Isso é feito por meio de dermatoscopia ou tricoscopia —um microscópio que verifica o afinamento do cabelo, antes que seja visível a olho nu.
Além disso, o dermatologista solicitará exames complementares, como o hemograma, dosagens de ferro e ferritina, hormônio da tireoide, além de vitaminas como zinco, selênio e vitamina B12 —todas envolvidas com a saúde capilar.
Em casos muito iniciais, pode haver dúvida sobre a presença da alopecia androgenética. Nesses quadros, o médico solicitará biópsia de couro cabeludo. Testes genéticos não são feitos rotineiramente.
Como é feito o tratamento?
Francine Milenkovich Belinetti, dermatologista e professora da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) fala que o objetivo terapêutico é conter o avanço da doença. A alopecia androgenética é uma tendência genética e, enquanto estiver em progressão, a terapia tem de ser mantida.
"O tratamento que chamamos de padrão ouro é o medicamentoso. Usamos a finasterida e a dutasterida, que são capazes de bloquear a ação da DHT", diz a médica. Ela acrescenta que esses fármacos são considerados seguros, mas a abordagem médica, em geral, inclui outros medicamentos como o minoxidil e até procedimentos.
"Esse vasodilatador vinha sendo usado de forma tópica e, de fato, ajuda a mudar o ciclo do cabelo, retarda a queda, e ainda aumenta a espessura dos fios. Nos últimos tempos, porém, o uso oral tem apresentado resultado superior", acrescenta Belinetti.
Procedimentos que funcionam
A essas estratégias terapêuticas podem se somar os procedimentos abaixo descritos:
- Intradermoterapia - injeção de alguns ativos na derme do couro cabeludo;
- Microagulhamento - microagulhas causam pequenas perfurações superficiais na pele;
- MMP - microinfusão de medicamentos na pele por meio de um dispositivo eletrônico vibratório;
- Uso de luzes - laser e/ou led.
Outra técnica bastante promissora é a PRP (plasma rico em plaquetas). A prática utiliza plasma sanguíneo do próprio paciente para regenerar a região capilar. Contudo, ela ainda aguarda aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil.
Tratamento cirúrgico
O implante de cabelo entra nessa modalidade terapêutica. A técnica evoluiu, tem bom resultado, e consiste em retirar fios de cabelo do próprio paciente da região da cabeça onde não existam os receptores da DHT, a occiptal.
Os fios são colocados na parte calva —o que pode ser feito até com máquinas de precisão—, mas o tratamento deve seguir para conter a evolução da doença. A prática não é indicada para casos avançados. Todos os especialistas advertem: a prática não substitui o tratamento, e requer manutenção constante.
Cuidados com o couro cabeludo
Uma das funções do cabelo é proteger essa região, especialmente dos raios solares. Com a maior exposição local, há também maior risco de aparecimento de câncer de pele. Os médicos consultados concordam que a proteção ideal é o uso de chapéu ou boné. Caso prefira usar protetor solar, escolha as opções mais fluidas.
Vale a pena investir em xampus e vitaminas?
Usar suplementos de forma aleatória não traz benefício para quem tem calvície. As vitaminas são úteis quando é identificada alguma deficiência e ela é considerada causa associada de queda capilar. Nessa situação, será o médico a indicar as melhores combinações vitamínicas, no seu caso.
Quanto aos xampus, eles também serão úteis, mas somente quando houver suspeita de situações que podem estar agravando a alopecia androgenética. Um exemplo disso é a dermatite seborreica. Fora desse contexto, xampu antiqueda não traz benefício algum, especialmente porque o produto fica pouco tempo em contato com a região no momento da lavagem.
Fontes: Tatiana Gabbi, dermatologista assessora do Departamento de Cabelos e Unhas da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia); Lucas Fustinoni, médico e referência internacional em tricologia e membro da World Trichology Society e da European Hair Research Society; Francine Milenkovich Belinetti, dermatologista e professora da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Revisão técnica: Francine Milenkovich Belinetti.
Referências: SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia); Adil A, Godwin M. The effectiveness of treatments for androgenetic alopecia: A systematic review and meta-analysis. J Am Acad Dermatol. 2017 Jul;77(1):136-141.e5. doi: 10.1016/j.jaad.2017.02.054. Epub 2017 Apr 7. PMID: 28396101; Cranwell W, Sinclair R. Male Androgenetic Alopecia. [Atualizado em 2016 Feb 29]. In: Feingold KR, Anawalt B, Boyce A, et al., editors. Endotext [Internet]. South Dartmouth (MA): MDText.com, Inc.; 2000-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK278957/.