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O que pode ser?

A partir do sintoma, as possíveis doenças


Pancreatite pode ser prevenida; abuso de álcool é causa comum

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Imagem: iStock

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

28/12/2021 04h00

Dor na parte superior da barriga que pode irradiar para as costas, vômito, febre e urina escurecida. Na maioria das vezes, são estes os sintomas relatados quando o pâncreas inflama. Conhecida pelos médicos como pancreatite, essa inflamação pode aparecer de repente ou repetir-se muitas vezes e tornar-se crônica.

No primeiro caso, é preciso procurar o serviço de urgência; no segundo, os cuidados são prolongados e haverá hospitalizações porque a doença já avançou e trouxe danos irreversíveis ao órgão.

Estima-se que, a cada grupo de 100 mil pessoas, 34 delas terão pancreatite aguda; 10 desenvolverão a forma crônica e, após esses eventos, 6 terão diabetes. A doença acomete homens e mulheres, principalmente na terceira ou quarta décadas da vida e é mais frequente entre afrodescendentes, pessoas com pedras na vesícula ou que tenham taxas elevadas de triglicérides, entre outras condições.

Boa parte dos casos se resolve em menos de uma semana com boa hidratação, uso de medicamentos e outras medidas que controlam fatores desencadeantes, e pode incluir a cirurgia para a retirada da vesícula com pedras (cálculos).

Nos quadros graves, nos quais haja comprometimento de outros órgãos e sistemas, a estratégia terapêutica buscará prevenir complicações como infecção e perda funcional.

Entenda o que é pancreatite

Trata-se de uma inflamação do pâncreas. Esse órgão está posicionado atrás do seu estômago e junto ao duodeno, que é uma parte do seu intestino delgado. O pâncreas é uma glândula encarregada da produção da insulina e também dos sucos digestivos (enzimas) que ajudam na digestão dos alimentos.

A pancreatite pode ser classificada como aguda (PA) ou crônica (PC). Veja as características de cada uma delas:

Aguda: pode ocorrer apenas inflamação ou agravamento de lesões com hemorragia e necrose do órgão. As alterações no organismo podem ser localizadas ou generalizadas, com comprometimento de funções vitais (que se manterão por semanas ou meses), requer internação e atuação de diferentes especialistas.

Crônica: a doença está instalada. A pessoa tem dor e inflamações repetidas ao longo dos anos, até que o órgão perde a função de auxiliar na digestão dos alimentos e de controlar a glicose no sangue.

Por que isso acontece?

As causas mais frequentes da PA são pedras (cálculos) na vesícula e abuso do álcool. Mas ela também pode ser consequência das seguintes situações:

  • Hipertrigliceridemia
  • Pancreatite autoimune
  • Uso de determinados medicamentos (ácido valproico, inibidores de conversão da angiotensina, mesalazina, azatioprina, 6-mercaptopurina etc.)
  • Traumas
  • Infecções virais (caxumba, hepatite B, citomegalovírus, covid-19 etc.)
  • Genética
  • Exposição a toxinas e tabaco
  • Doenças vasculares (isquemia pancreática)
  • Causas idiopáticas (a origem não pode ser identificada)
  • Comorbidades (obesidade e diabetes)

Já a causa mais frequente da PC é o abuso do álcool. São também considerados fatores de risco:

  • Uso do tabaco
  • Pancreatite tropical
  • Pancreatite idiopática (não se identifica a origem do problema)
  • Pancreatite hereditária
  • Obstrução de ducto (decorrente de pseudocistos, tumores, cálculos e trauma)
  • Mutações genéticas
  • Doenças sistêmicas (como o lúpus)

Como reconhecer os sintomas?

Na PA, as manifestações mais comuns são dor na parte superior do abdome, que pode irradiar ou não para as costas, e é descrita pelas pessoas como uma pontada que persiste. Pode ser acompanhada por:

  • Náusea
  • Vômito
  • Parada da eliminação de gases
  • Dor intensa (quando relacionada a cálculo biliar ou alterações do pâncreas)

A PC tem os mesmos sintomas, mas eles também podem estar ausentes e a pessoa poderá, então, observar a presença de fezes gordurosas (esteatorreia) e perda de peso.

Nos quadros mais graves, a desidratação intensa e a apatia, frequências respiratória e cardíaca elevadas e pouca eliminação da urina são frequentes.

Quem precisa ficar atento?

Alcindo Pissaia Junior, gastroenterologista e professor da Escola de Medicina da PUC-PR, diz que alguns grupos populacionais e determinadas condições de saúde aumentam o risco de ter pancreatite aguda ou crônica.

"Por exemplo, indivíduos que abusam do álcool e pessoas com cálculos na vesícula, principalmente mulheres de meia-idade, são mais propensos ao problema", diz o especialista. Confira outras situações e condições que também facilitam o aparecimento da pancreatite:

  • Ser afrodescendente
  • Ter histórico familiar de pancreatite
  • Ter histórico de cálculos (pedras) na vesícula
  • Diabetes
  • Taxas elevadas de triglicérides
  • Fibrose cística
  • Obesidade
  • Abuso de álcool
  • Uso de tabaco

Quando é a hora de procurar ajuda médica?

Os especialistas afirmam que pessoas com cálculos na vesícula, mesmo que pequenos, mas que apresentam dor, indivíduos que abusam do álcool ou tenham taxas de triglicérides altas e ainda manifestam uma dor que não passa na parte superior do abdome devem ser avaliados por um médico.

Essa prática é ainda mais urgente na presença de sinais e sintomas graves ou de bloqueio do pâncreas, tais como:

  • Icterícia (cor amarela nos olhos ou na pele)
  • Falta de ar
  • Urina muito escura
  • Batimento do coração acelerado
  • Febre ou calafrio
  • Náusea e vômito
  • Aumento e piora da dor abdominal

Outro sinal de alerta, nos casos de PA, "é a perda de peso importante que decorre da associação do medo de comer por causa da dor, da diarreia e do diabetes", acrescenta a hepatologista Norma Arteiro, chefe do Serviço de Clínica Médica do HC-UFPE.

Como é feito o diagnóstico?

O cirurgião do aparelho digestivo, José Sebastião dos Santos, professor do Departamento de Cirurgia e Anatomia da USP, explica que todo médico deve estar capacitado para fazer o diagnóstico e o manejo inicial dos pacientes com pancreatite aguda ou crônica, visto que uma escuta atenta, associada ao exame do paciente (com apalpação do abdome), possibilita a hipótese diagnóstica.

"Os exames de sangue acessíveis a todos os serviços de urgência, na maioria dos casos, confirmam ou afastam essa hipótese diagnóstica. Os gastroenterologistas, endocrinologistas, psiquiatras, entre outros especialistas podem garantir a abordagem das necessidades mais específicas de cada caso", acrescenta Santos.

Nem sempre há necessidade de realizar os exames de imagem com urgência. Os mais úteis, nesses quadros, são a ultrassonografia do abdome, a tomografia ou a ressonância magnética. Todos eles ajudam a identificar condições associadas à pancreatite como os cálculos na vesícula e alterações mais graves do pâncreas.

Muitos pacientes serão tratados nas primeiras 24 horas em Unidades de Pronto Atendimento. Depois, eles serão encaminhados para o tratamento hospitalar definitivo.

Como é feito o tratamento?

Seja na PA, seja na PC, o tratamento inicial é a hidratação e o controle dos sintomas como a dor, o que é suficiente para os casos brandos. Já nos quadros graves essa abordagem deve ser associada ao suporte das funções vitais em centro de terapia intensiva.

Na maioria dos casos, que são brandos, a inflamação começa a melhorar em 3 a 5 dias. A partir daí, já é possível restabelecer a dieta pobre em proteína e gordura para evitar estímulo excessivo do pâncreas e programar o tratamento das condições associadas.

Um exemplo são os casos em que a pancreatite decorre de cálculo de vesícula, cuja retirada será necessária para evitar novos episódios inflamatórios.

E quando o caso é grave?

Nas situações em que se detecta a presença de grande quantidade de toxinas na circulação sanguínea, uma consequência da lesão inflamatória, pode haver comprometimento do SNC (Sistema Nervoso Central), do coração, pulmões e rins, entre outros órgãos e sistemas.

Além de todas as medidas acima descritas, esses pacientes precisam de suporte intensivo para preservar a função desses órgãos. A alimentação se dará por sonda. Importante destacar que somente na presença de infecção nas lesões locais ou em outros órgãos que também foram afetados pelas inflamações é indicado o uso de antibiótico específico.

Eventualmente, poderão ser realizadas drenagens de lesões (coleções) de conteúdos líquido e necrótico infectadas por via endoscópica (minimamente invasiva) ou por meio de punções na pele.

Quais são as possíveis complicações?

A pancreatite aguda geralmente está associada a quadros graves. De modo geral, as complicações são classificadas como locais ou sistêmicas. Confira:

Locais

  • Coleção de fluídos (menos de 4 semanas)
  • Coleção necrótica (menos de 4 semanas)
  • Pseudocisto pancreático (mais de 4 semanas)
  • Necrose (mais de 4 semanas)

Sistêmicas

  • Síndrome da angústia respiratória aguda (SARA)
  • Síndrome do compartimento
  • Lesão renal
  • Coagulação intravascular disseminada

Outras complicações da pancreatite crônica:

  • Obstrução do intestino e da drenagem biliar
  • Perda da função de auxílio na digestão de alimentos (função exócrina) e do auxílio no controle da glicose (função endócrina)
  • Diabetes
  • Diarreia e desnutrição
  • Formação de pseudocisto
  • Pseudoaneurisma
  • Lesões de vasos com trombose ou hemorragias
  • Pancreatite aguda recorrente
  • Risco de progressão para câncer de pâncreas

Dá para prevenir?

Sim. A primeira medida, entre aqueles que têm cálculo na vesícula, é submeter-se a uma cirurgia para a retirada da vesícula antes que o cálculo migre para o canal [biliar] que drena o fígado e o pâncreas. Além disso, os especialistas sugerem que você adote as seguintes práticas que não só previnem a doença como colaboram para o sucesso do tratamento:

  • Evite ou cesse o uso abusivo do álcool
  • Proteja-se de infecções evitáveis por meio de vacinas (já há relatos da associação entre pancreatite aguda e covid-19, e vírus da varicella-zoster, por exemplo)
  • Fique longe de drogas e toxinas associadas à pancreatite
  • Controle as taxas de triglicérides
  • Evite fumar
  • Mantenha um peso saudável

Fontes: Alcindo Pissaia Junior, médico gastroenterologista e professor da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná); Norma Arteiro, hepatologista, chefe do Serviço de Clínica Médica do HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco) vinculado à Rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), e professora da mesma instituição; José Sebastião dos Santos, professor do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo). Revisão técnica: José Sebastião dos Santos.

Referências: FBG (Federação Brasileira de Gastroenterologia); Mohy-ud-din N, Morrissey S. Pancreatitis. [Atualizado em 2021 Jul 12]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK538337/.