Covid-19: quando se determina o fim de uma pandemia?
A China notificou os primeiros casos de um novo coronavírus à Organização Mundial da Saúde (OMS) no último dia de 2019.
Mas a OMS só declarou que estávamos oficialmente numa pandemia há pouco mais de um ano, em 11 de março de 2020.
A partir dali, a covid-19 se uniu ao grupo de grandes surtos que afetaram a saúde global ao longo do tempo, como a peste negra, a varíola, a gripe de 1918 e, mais recentemente, a aids nos anos 1980 e o H1N1 em 2009.
Nenhuma dessas doenças hoje representa uma ameaça para a humanidade. Até mesmo uma delas (a varíola) foi completamente erradicada.
Mas o que deve acontecer para que a covid-19 também entre para a história e não seja mais considerada uma pandemia?
A resposta mais direta vem da definição do que constitui uma pandemia.
Segundo a Real Academia Espanhola, trata-se de uma "doença epidêmica que se estende a muitos países ou que ataca quase todos os indivíduos de uma localidade ou região".
Portanto, infere-se que a covid-19 deixará de ser uma pandemia quando não tiver mais um alcance tão grande como acontece agora.
Mas quem define esse limite?
Mesmo se a OMS decidir que a pandemia acabou, será cada um dos países — ou mesmo os estados ou províncias — que determinarão quando a emergência de saúde pública terminará e as quarentenas e restrições poderão ser suspensas.
Um basta nos contágios
A maneira mais clara e fácil de decretar o fim de uma pandemia seria se não houvesse mais circulação do Sars-CoV-2, o coronavírus causador da covid-19.
No dia 11 de março de 2021, apenas 14 países ou territórios ao redor do mundo estão livres da doença, de acordo com a OMS.
Neste grupo estão 12 ilhas localizadas nos oceanos Pacífico ou Atlântico que tiveram que fechar suas fronteiras para ficarem afastadas do vírus.
Existem cerca de 119 milhões de pessoas que já foram infectadas e 2,6 milhões de mortes — e esses números continuam a aumentar dia após dia.
Portanto, o objetivo de interromper completamente as cadeias de transmissão do coronavírus parece muito distante, senão impossível.
Essa dificuldade persiste mesmo quando consideramos que existem oito vacinas que previnem a doença e pelo menos 125 países e territórios que já começaram a imunizar suas populações.
Mesmo nos Estados Unidos, nação que mais administrou o maior número total de doses até agora (mais de 100 milhões), especialistas alertam que será quase impossível atingir os níveis de vacinação necessários — acima de 75% da população protegida — para alcançar a meta de zerar a transmissão do coronavírus por lá.
Apesar das fortes campanhas de imunização em curso rápido em Estados Unidos, Israel, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Chile, a vacinação vem em um ritmo muito mais lento em outros lugares do planeta.
Além disso, novas cepas do coronavírus continuam a surgir, o que pode reduzir a eficácia das vacinas.
Esses dois fatores praticamente descartam a possibilidade de derrotar a covid-19 por nocaute pela vacinação, como alguns esperavam.
Imunidade de rebanho?
No entanto, o uso amplo das vacinas já disponíveis pode contribuir de outra forma para acabar com a pandemia: por meio da imunidade coletiva, também conhecida popularmente como imunidade de rebanho.
Isso pode ser alcançado quando uma grande parte da população tornar-se imune ao vírus, o que reduz drasticamente sua circulação dentro da comunidade.
A teoria é que, se uma quantidade suficiente de pessoas estiver protegida, os mais vulneráveis
Cientistas britânicos estimaram que, no caso da covid-19, a imunidade coletiva seria alcançada quando aproximadamente 60% da população fosse exposta ao Sars-CoV-2.
Essa exposição pode ser natural, quando alguém tem a doença, ou preferencialmente pela criação de uma resposta imune após tomar a vacina.
Com mais e mais pessoas protegidas contra o coronavírus, será essa uma saída da pandemia?
Não no curto prazo, acredita a OMS.
No final de dezembro, a agência alertou que "pesquisas de soroprevalência sugerem que, na maioria dos países, menos de 10% da população teve covid-19."
Enquanto isso, embora as estatísticas sobre vacinação revelem que até agora mais de 300 milhões de doses foram administradas, a parcela das pessoas 100% imunizadas fica muito abaixo disso, uma vez que a maioria dos imunizantes requer duas aplicações para surtir o efeito desejado.
Ainda que a façanha de desenvolver vacinas em menos de um ano seja um enorme avanço científico, alcançado em tempo recorde, o impacto das campanhas ainda é limitado se considerarmos que mais de 7,7 bilhões de pessoas vivem no mundo.
A outra coisa que complica o alcance da imunidade coletiva é que as pessoas que já tiveram covid-19 não estão necessariamente protegidas contra a doença.
"Ainda não se sabe ao certo quanto tempo dura a imunidade contra esse coronavírus, mas com base nos outros vírus da mesma família que já existem e que afetam a população regularmente, sabemos que as pessoas podem se reinfectar", alertou Jeffrey Shaman, professor de ciências da saúde ambiental da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, à BBC World.
"Ainda estamos aprendendo sobre a imunidade depois da covid-19", atesta a OMS em um de seus relatórios.
"A maioria das pessoas infectadas desenvolve uma resposta imunológica nas primeiras semanas, mas não sabemos quão forte ou duradoura é essa reação. Também há relatos de indivíduos infectados com covid-19 pela segunda vez", alerta o texto.
Como acontece com a gripe?
Diante de tantas dificuldades e entraves, muitos cientistas acreditam que a saída da pandemia não ocorrerá nem pela eliminação da doença, nem pelo alcance de uma imunidade coletiva que ultrapasse o limiar dos 60%.
Eles apostam no cenário em que a doença estará suficientemente sob controle.
Na prática, isso significa que os números de infecções, internações e óbitos pela infecção não serão mais considerados uma emergência sanitária.
Um artigo recente da revista The Atlantic estimou que, nos Estados Unidos, esse limite seria atingido quando fossem registradas menos de uma centena de mortes por dia.
Mas por que esse número? Porque trata-se de uma taxa aproximada ao que acontece anualmente com a gripe.
Joseph Eisenberg, epidemiologista da Universidade de Michigan, disse que esse nível de mortalidade é " considerado aceitável pelo público".
As comparações com a gripe não são exageradas.
Existem vários especialistas que acreditam que o coronavírus pode eventualmente se tornar um problema endêmico, com picos sazonais, como acontece com os diferentes vírus causadores da gripe nos meses mais frios do ano.
À medida que mais e mais pessoas fiquem expostas ao Sars-CoV-2, a expectativa é que as taxas de transmissão e de infecção comecem a diminuir.
Ao mesmo tempo, o vírus pode sofrer mutações para se tornar menos prejudicial, como acontece com outros agentes infecciosos: no início, eles são mais agressivos e se tornam menos letais com o passar do tempo.
Certamente ainda haveria surtos de covid-19, como ocorre com a gripe, mas a esperança é que o desenvolvimento de novos medicamentos para tratar a infecção possa torná-la menos mortal.
"Esperamos atingir níveis de infecção controláveis e, com o vírus se tornando cada vez menos grave, é possível atingir um equilíbrio em que este patógeno não seja tão ruim para a maioria das pessoas", disse Shaman.
"Esse seria o tipo de estabilidade que nos permitiria conviver com esse vírus e, ao mesmo tempo, retornar a algum tipo de normalidade", completou.
Quantos meses ou anos?
Outro artigo publicado no periódico científico Science em janeiro por cientistas da Universidade Emory e da Universidade Estadual da Pensilvânia, ambas nos Estados Unidos, usou um modelo matemático para reproduzir a propagação do vírus e estimar quanto tempo ainda viveremos na emergência de saúde pública.
A conclusão é que "domar a pandemia" e fazer a covid-19 se tornar endêmica levará entre um ano e uma década.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, foi um pouco mais preciso.
Em agosto do ano passado, ele estimou que a pandemia terminará "em menos de dois anos" — ou seja, em meados de 2022.
Isso faria com que a crise da covid-19 fosse ligeiramente mais curta que a gripe espanhola, a pior pandemia do século XX, que perdurou entre 1918 e 1920.
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