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Por que mesmo após se recuperar de uma lesão você sente dor no mesmo lugar

Se forem negligenciadas, lesões esportivas ou do dia a dia podem evoluir para um quadro de dor crônica - iStock
Se forem negligenciadas, lesões esportivas ou do dia a dia podem evoluir para um quadro de dor crônica Imagem: iStock

Sibele Oliveira

Colaboração para o VivaBem

16/09/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Com os cuidados corretos, em grande parte das vezes é possível se curar completamente de uma lesão esportiva ou do dia a dia
  • Entorses, tendinites e estiramento muscular são os problemas mais frequentes nesses casos
  • Não procurar o médico ou abandonar o tratamento no meio do caminho pode tornar a lesão crônica

Não é raro alguém sofrer uma lesão e, após se recuperar, às vezes sentir dor no local afetado ou até mesmo se machucar novamente no mesmo lugar. Mas por que isso acontece? Será que nunca nos recuperamos totalmente de uma lesão?

Responder a essas perguntas não é algo simples, pois um conjunto de fatores precisa ser levado em consideração, como a estrutura comprometida, idade da pessoa, extensão da lesão e a realização do tratamento adequado. Mas, em geral, a notícia é animadora para quem tem essa preocupação. "Na maior parte das vezes, é possível se recuperar completamente, sim. Isso vai depender da complexidade e da realidade de cada lesão", garante o médico Cesar Abreu Akiho, fisiatra do Centro de Reabilitação do Hospital Sírio-Libanês.

O que é importante para uma boa recuperação

É difícil ter uma resposta única porque são vários os tipos de lesões. E mesmo que se trate do mesmo tipo, a gravidade interfere no resultado final. Usando as torções como exemplo, quando o ligamento é apenas esticado, costuma sarar rapidamente. Se a lesão é parcial, ou seja, o ligamento estica e rasga um pouco, é necessário tomar certos cuidados para que ela não aumente, o que diminuiria as chances de recuperação total. E se o ligamento for rompido por completo, ainda que o atendimento inicial e procedimentos como cirurgia e reabilitação sejam feitos corretamente, o resultado varia de pessoa para pessoa.

De acordo com Marco Demange, ortopedista especializado em joelho do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), algumas características da lesão podem determinar se a recuperação será total ou não. "As estruturas que respondem melhor ao tratamento são os chamados ligamentos extra-articulares, fora da articulação. Os intra-articulares, que são dentro da articulação, têm menos chances de 'voltar ao normal' se não forem tratados muitas vezes com cirurgia."

A quantidade de estruturas atingidas é outro fator decisivo. Se a pessoa romper mais de um ligamento e ter várias fraturas no mesmo osso —algo mais comum em acidentes do que ao praticar esportes —, é difícil o corpo voltar a ser exatamente como antes.

"Imagine um vaso que teve uma rachadura pequena. Se for colado, provavelmente vai parecer normal. Mas se eu jogar esse vaso de uma altura de três metros, ele vai cair, estilhaçar e não voltará a ser idêntico a um vaso novo. O mesmo acontece com um osso", diz Demange.

A segunda boa notícia aqui é que é possível ser recuperar completamente de grande parte das lesões que acontecem devido à prática esportiva ou no dia a dia, como virar o pé ao pisar em um buraco ou se desequilibrar em um sapato de salto agulha.

Como nesses casos os problemas geralmente são entorses, tendinites por excesso de peso ou esforço repetitivo e estiramento muscular, mesmo que a estrutura danificada não seja completamente regenerada, tanto ela como as que ficam em volta podem ser reequilibradas. "A pessoa consegue retomar as atividades diárias mesmo sem a recuperação completa daquela lesão porque outras partes compensam aquela que não funciona em sua magnitude completa", explica Akiho.

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O ideal é procurar o médico o quanto antes se a área lesionada ficar inchada na primeira hora
Imagem: iStock

Erros que atrapalham sua recuperação

Às vezes, não "sarar" completamente de uma lesão é culpa da própria pessoa. Isso porque muita gente acredita que irá melhorar sem procurar um médico e só muda de ideia quando a dor se torna insuportável. Enquanto a rapidez no atendimento pode ser decisiva para a estrutura ficar como nova, a demora pode arrastar o problema por muito tempo. Também é um equívoco achar que por não estar inchando ou doendo muito, movimentos como pisar ou forçar a estrutura comprometida estão liberados. Na verdade, eles podem agravar a lesão.

Outro erro comum é fazer o tratamento inicial —com medicação, repouso e imobilização — e depois abandonar a reabilitação no meio do caminho porque não há mais dor, voltando para as atividades do dia a dia, inclusive a prática esportiva, sem estar totalmente recuperado ou ter corrigido o desequilíbrio que gerou a lesão.

"Com isso, aumentam a chance de ter novos problemas naquele mesmo lugar ou eventualmente em outra região, pois essa parte do corpo que está 'normal' pode ser sobrecarregada para compensar alguma dificuldade da área que continua afetada pela lesão", enfatiza Akiho.

Para não atrapalhar a recuperação, faça o seguinte ao se lesionar:

  1. Proteja a região afetada;
  2. Coloque gelo assim que possível (por no máximo 15 a 20 minutos);
  3. Eleve o local atingido.

Demange diz que é muito importante ficar sempre atento à dor e ao inchaço, pois são critérios importantes de gravidade. Ele alerta que a pessoa precisa obrigatoriamente procurar o médico quando:

  • A área lesionada ficar inchada de imediato ou na primeira hora;
  • O tornozelo ficar roxo;
  • Apresentar dificuldade de dobrar o joelho;
  • Sentir dor ao encostar o pé no chão.

Lesões crônicas

Uma das consequências de fugir do tratamento é a lesão ficar crônica, mesmo que seja leve. Isso significa correr o risco de prejudicar ainda mais a área afeta ao ponto de depois ter de se submeter a procedimentos difíceis e invasivos para tentar fazer uma correção tardia.

Em uma entorse, por exemplo, pode acontecer um desgaste, uma degeneração mais rápida das articulações. Se for uma fratura, ela pode não ser bem consolidada e evoluir para uma pseudoatrose. "Aguardar o organismo se recuperar sozinho para ver o que acontece é perder uma janela de oportunidades de um tratamento mais adequado", frisa Demange.

Quando a dor não passa

Se o tratamento é feito, os exames não indicam nenhum problema e o incômodo persiste, a pessoa pode ter desenvolvido um quadro de dor crônica. Nesse caso, ocorre uma alteração da expressão de neurotransmissores e da estabilidade de algumas vias de finalização de dor, conforme explica Akiho. "É um mecanismo que envolve desde o local da lesão até a finalização dos nervos, medula e cérebro. Algo mais complexo de ser tratado." Como as vias de finalização de dor passam pelo sistema límbico (que é ligado às emoções), o desconforto acaba tendo um fundo psicológico também, o que pode dificultar o tratamento ou agravar os sintomas.

Em outras palavras, há uma interferência da parte física na emocional e vice-versa. "Uma dor muito intensa na fase aguda da lesão acaba gerando uma memória de dor e isso propaga essa questão da dor crônica", resume o fisiatra. E continua. "Quando há uma discrepância entre os achados de exames de imagem e de exames físicos e a sintomatologia, a probabilidade de a pessoa estar caminhando ou já ter desenvolvido dor crônica não é pequena."

É importante saber que fatores como depressão, ansiedade, tabagismo, obesidade e sedentarismo favorecem o quadro de dor crônica, que em muitos casos exige um tratamento muito mais complexo do que o da lesão que originou a condição e pode envolver até psicoterapia.