Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Após tirar cisticercos de tênia do cérebro, dança o ajudou a seguir ativo

Rogério teve neurocisticercose, infecção no sistema nervoso causada por larvas da tênia do porco - Arquivo pessoal
Rogério teve neurocisticercose, infecção no sistema nervoso causada por larvas da tênia do porco Imagem: Arquivo pessoal

Elcio Padovez

Colaboração para o VivaBem

13/10/2019 04h00Atualizada em 13/10/2019 16h54

O dançarino Rogério Migliorini, 56 anos, ainda convive com as sequelas que uma neurocisticercose deixou em seu corpo. O problema começou em 1990, quando ele se preparava para terminar o curso de dança pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e alguns tremores no braço direito surgiram.

Não demorou muito tempo para que lavar um copo, uma atividade simples, virasse um desafio. Ao procurar ajuda médica, Rogério chegou a ouvir que não encontraria uma solução para sua condição. Nenhum especialista conseguia identificar o que o dançarino tinha e chegaram a cogitar que ele estava com Aids --doença ainda pouco conhecida na época e quase sem opções de tratamento. "Foi algo muito desesperador. No início dos anos 1990, contrair o vírus HIV era uma sentença de morte", lembra.

Somente quando buscou hospitais em São Paulo ele só soube que seu problema na verdade era uma neurocisticercose: infecção no sistema nervoso central causada por cisticercos (larvas) da Taenia solium —entenda melhor a doença no fim da reportagem. A solução foi fazer uma cirurgia para tirar os cistos alojados no cérebro. Porém, mesmo livre da doença, Rogério continuou com problemas motores no lado direito do corpo (hemiparesia) e uma pequena limitação na fala por conta da operação.

Como ele contraiu a doença?

Rogerio antes da doença - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rogério descobriu a dança na adolescência
Imagem: Arquivo pessoal
O dançarino até hoje não sabe ao certo como e onde como contraiu a doença, geralmente causada pela ingestão de alimentos contaminados com ovos da Taenia solium ou ao levar a mão à boca após o contato com fezes humanas infectadas.

Rogério desde criança viveu em áreas rurais, onde costuma haver maior incidência de neurocisticercose, por conta da criação de porcos —hospedeiro intermediário da tênia. Os animais não são vilões e, sim, vítimas da falta de higiene humana. Após ingerir água ou alimentos no solo com fezes humanas infectadas com ovos dos vermes, os porcos ficam com as larvas (cisticercos) em sua carne, que depois é consumida pelo homem. Aí, a pessoa pode desenvolver a teníase (presença do verme no intestino) e eliminar mais ovos do parasita nas fezes —que contamina porcos e pessoas. Ou seja, é um círculo vicioso.

"Esse é o motivo de locais com problemas de saneamento básico estarem mais sujeitos à neurocisticercose", diz o neurologista Pedro Kowacs, do Instituto de Neurologia de Curitiba (INC). O médico explica que, apesar de casos da doença atualmente serem incomuns no Brasil, devido à evolução dos medicamentos, precisão do diagnóstico e melhorias do saneamento em grandes cidades, é muito importante cozinhar bem carnes e outros alimentos e lavar corretamente frutas, verduras e legumes que são consumidos crus e com casca --entenda por que não é certo higienizar vegetais só com limão ou vinagre.

Antes da doença, a dança

Rogerio dançando - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A paixão de Rogério pela dança se consolidou quando ele conheceu a coreógrafa húngaro-brasileira Maria Duschenes
Imagem: Arquivo pessoal
Ainda na adolescência, Rogério descobriu sua vocação para a dança, por meio de um grupo de teatro formado na igreja e pensou "Desde o início percebia que era isso que queria para minha vida!".

Dos 17 aos 20 anos, ele morou na Nova Zelândia, onde entrou em contato com a cultura maori e a expressão corporal que eles utilizam, o que aumentou a paixão pelo movimento. Depois, viveu nos EUA e Canadá, onde também dançou. E o amor pelos passos se consolidou na volta ao Brasil, quando Rogério, após desistir da faculdade de biologia na cidade de Ribeirão Preto, retornou à casa dos pais e conheceu a coreógrafa húngaro-brasileira Maria Duschenes (1922-2014), com quem conviveu por quatro anos.

Duschenes, uma das referências em dança moderna e educativa no Brasil, coincidentemente teve que enfrentar limitações no movimento, por conta de uma poliomielite contraída quando tinha 22 anos. Por esse motivo, Maria raramente dançava, mesmo entre seus alunos. Nos ensaios, ela coordenava as atividades sentada.

Rogerio dança - Lucas Czepaniki - Lucas Czepaniki
A consciência corporal trazida pela dança ajudou Rogério a manter o equilíbrio após a cirurgia
Imagem: Lucas Czepaniki
Rogério mal sabia que sua história pouco depois se tornaria muito parecida com a de sua orientadora. No entanto, diferentemente dela, ele optou por seguir dançando e isso o ajudou a superar sua doença.

Rogério conta que a consciência corporal e a busca constante pelo movimento aprendidos com dança a dança são essenciais até hoje, quase 30 anos após a cirurgia, para manter o equilíbrio físico e mental:

Algumas vezes, fico com raiva pelas limitações que meu corpo impõe e por algumas pessoas duvidarem que sou capaz fazer o treinamento, a fisioterapia. Mas nunca desanimei e só cheguei aqui por me manter ativo. Se não fosse isso, ainda estaria arrastando metade do meu corpo"

Rogério também "descobriu" há dois meses a academia e passou a frequentá-la todos os dias, para fazer musculação e também, jiu-jítsu.

Rogerio sentado - Elcio Padovez - Elcio Padovez
Apesar de algumas limitações motoras e na fala, Rogério leva uma vida praticamente normal e a atividade física ajuda muito nisso
Imagem: Elcio Padovez
O dançarino, que há cinco a anos vive sozinho e cuida de tudo no apartamento no centro de São Paulo, sente que a mobilidade está melhor com a prática regular de atividade física. Se antes forçava o lado esquerdo para arrumar a pia ou limpar o chão, ele agora consegue distribuir o peso do corpo nos dois lados e sofrer menos.

Com o jiu-jítsu, começou a perder o medo de cair, uma preocupação adquirida após a cirurgia. "Eu me senti por baixo por muitos anos. Hoje, é outro astral, me sinto mais bonito, independente e sociável."

Entenda melhor a neurocisticercose

A neurocisticercose é uma das fases mais graves da cisticercose, doença provocada por cisticercos da Taenia solium. Após a ingestão de água ou alimentos contaminados —principalmente vegetais crus —, os ovos do verme se rompem no estômago e podem entrar na corrente sanguínea, se espalhando por diferentes regiões do corpo, como músculos, coração, olhos, pele.

A neurocisticercose ocorre quando os cisticercos se alojam no cérebro. Como o período de incubação dos cistos varia entre dias até anos, o paciente pode não apresentar sintomas por muito tempo. Geralmente, quando as larvas estão morrendo, se inicia um processo inflamatório que pode desencadear convulsões, danos neurológicos (paralisias ou dormências em um segmento do corpo), sinais de aumento de pressão intracraniana (dor de cabeça, vômitos e torpor) e alteração do comportamento, meningite (febre, dor de cabeça, rigidez do pescoço). Quando o cisto está alojado no tecido cerebral, ele ainda pode degenerar o tecido e bloquear o fluxo de líquido no cérebro, causando crises epiléticas, hidrocefalia e limitação dos movimentos.

O tratamento também vai depender da localização e quantidade de cisticercos que estão no organismo. No caso de até cinco, recomenda-se o uso de vermífugos. Se a quantidade for maior, o vermífugo pode não ser suficiente para se matar os vermes e recomenda-se a cirurgia para retirada.

Fonte: Pedro André Kowacs, neurologista, doutor em epilepsia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e chefe do serviço de neurologia do INC (Instituto de Neurologia de Curitiba).

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, os porcos não contraem a tênia. Os animais são hospedeiros intermediários do verme. O suínos se infectam ingerindo ovos do parasita presentes em fezes humanas, que se tornam larvas e ficam na carne do porco.